quinta-feira, 21 de maio de 2009

DENÚNCIA: EXPLORAÇÃO INFANTIL NA TELEVISÃO: E aí? A culpa é da Maísa?

Matéria dessa semana da Revista Época sobre a espetacularização da vergonha. Traduzindo em curtas linhas: transformar a humilhação em espetáculo. A revista analisa um comportamento que está se tornando habitual de, cada vez mais, pessoas estarem procurando a exposição pública, tão somente para se submeter a situações vexatórias. Pela dinâmica desses novos comportamentos: Vexame dá Ibope! São "os bola-fora" da reportagem esportiva do Fantástico, os cafonas vítimas das espetadas do "Esquadrão da Moda"do SBT, os "barracos" públicos entre parentes no programa da Marcia Goldschimit, ou os velhos e enrrugados exibidos no 1o anos mais Jovem, também do SBT. Pior do que isso é explorar o choro convulsivo, os sustos e as birras de uma menina de seis anos de idade, que sequer tem a consciência de limite por sua tenra idade, como o caso da adorável garotinha Maísa no Programa de Silvio Santos.


Lembro de polêmica ainda na metade dos anos noventa, quando se verificou que em alguns pubs franceses havia uma diversão extra, entre um chope e outro, de arremessar anões. Isso mesmo, arremesso de anão! Na conta do bar estava incluído além da birita e do petisco, a diversão garantida para os brutamontes que desejassem pegar um simplório e simpático anão (ou indivíduo verticalmente reduzido, se preferirem), e com ele mostrarem sua força, arremessando-o metros a fio. Na competição caberia ao competidor pegar o anão, que então estaria munido de luvas, uniforme de proteção e um capacete, e, num espaço semelhante a uma pista, com um alvo ao final, arremessar o intrépido anãozinho metros a frente, o mais longe possível, em direção ao alvo, com direito a contagens de pontos e brindes para o vencedor. Pelo que me consta, após a publicação da reportagem, a Justiça Francesa chegou a intervir, suspendendo os "lançamentos de anão", e processando os proprietários desses estabelecimentos, pelo fato da conduta ser gritantemente contrária à dignidade humana e às Convenção de Direitos Humanos. Pois, pasmem, dias após a manifestação da justiça, o sindicato dos anões (isso mesmo, sindicato) veio a público, manifestar sua contrariedade à posição do Judiciário, uma vez que com tal medida os pobrezinhos dos anões ficariam desempregados, privados de uma fonte de renda que lhes garantia além de uns bons trocados no final da noite, algumas horas como celebridade. Pois é! Os anões se sentiam mais valorizados sendo produto de chacota, participando de uma "brincadeira" remunerada, num emprego que acabava por torná-los famosos, do que como seres humanos submetidos a uma condição indigna ou humilhante. Reivindicaram mesmo a seara trabalhista, alegando discriminação no trabalho, pois exerciam uma função de dublê(portanto, habilitados a participar de atividades que envolveriam risco físico) e ficariam impedidos de exercer uma "profissão".O caso foi tão polêmico que chegou até as portas da ONU. Entretanto, os pequenos dublês de um metro e meio perderam a apelação no Comitê de Direitos Humanos da ONU.
Alguns dizem que faz parte da cultura do brasileiro fazer pilhéria com tudo, transformar tudo em gozação, inclusive a desgraça alheia. Quem é que não se recorda (e até hoje age assim) das vezes que vemos alguma pessoa conhecida (de preferência um professor em sala de aula) levar um tombo violento ao escorregar no chão, e, antes mesmo que partamos para ajudá-la e ver se ela não quebrou o quadril, deslanchamos a gargalhar nervosamente, como se aquele tombo fosse a coisa mais engraçada do mundo. Porém, faço a pergunta chata: Que graça tem ver alguém se esborrachando no chão? Até que ponto são risíveis as videocassetadas, exploradas à exaustão há quase vinte anos no Programa do Faustão, tão somente para preencher o tempo naquele programa dominical? Que alegria posso ter ao ver um "homem-gabiru", como foi definido certa vez, o infeliz apresentado com estardalhaço como "menor homem do mundo", no programa de Fausto Silva, que gerou uma saraivada de críticas no dia seguinte, pela exposição indevida, baixaria e apelação num programa de TV, tão somente para concorrer com o tão apelativo quanto, programa do Gugu, no SBT?

A capacidade de rir do improvável, de gargalhar com o acidente alheio foi fruto durante décadas das encenações dos palhaços que víamos no circo. Afinal, tombo era motivo para risada, e até entendo a razão disso, pelo simples fato de que, em nossa ingenuidade infantil ( e aí, refiro-me realmente ao tempo em que éramos crianças), ver o coleguinha cair era tão somente fruto de uma brincadeira ensaiada, onde fazia parte da brincadeira cair e levantar. Crianças riem de tudo, e zombam de seus colegas quando eles caem, quando parecem fracos, quando são gordinhos, magrinhos demais, dentuços ou narigudos, porque são crianças, porque não entendem ainda que sua gargalhada ingênua pode ferir ou magoar alguém. Bem diferente dos adultos, bem diferente dos que buscam ou alegam já ter certos padrões de moralidade. Lembro-me, não com tristeza, mas com certo desapontamento, de um certo dia numa aula que participei de teologia, num dia infeliz onde estava intensamente gripado e febril, passando mal mesmo, e mediante minhas fungadas e tosses, ao invés de receber ao menos um "saúde" dos colegas de sala ao espirrar, um lenço de papel emprestado ou uma dica solidária de tomar um cházinho quando chegar em casa, fui recebido com disfarçadas vaias e com risadas de alguns colegas gaiatos do lado, rindo-se de minha situação infeliz! "Pai! Perdoai-os, eles não sabem o que fazem!"E olha que alguns engraçadinhos ainda se dizem cristãos! Qual é mesmo o curso deles? É duro cair e levantar, até em cursos religiosos!

Cair e levantar. Na exploração da vergonha, na transformação da humilhação em espetáculo temos muito também da dinâmica do sistema capitalista, em nossa sociedade do big brother, acostumada agora a transformar qualquer programa de TV em reality show, a ponto da realidade assistida curiosamente todos os dias pelos "xeretas" de plantão em frente à tela, é bem mais interessante que a realidade que se vive fora da televisão. Quando eu falo do capitalismo, na exploração do riso fácil mediante o constrangimento alheio, refiro-me à ideologia liberal, que prega que, a cada queda, o indivíduo realmente empreendedor, efetivamente trabalhador e interessado em competir, apesar do riso se levanta após a queda, e depois de muitos tombos (e muitas risadas) acaba vencendo na vida. A humilhação para a ideologia capitalista faria então parte da cultura da sociedade, uma espécie de rito de passagem da livre iniciativa, para aqueles que quisessem realmente prosperar no sistema. Teríamos todos que ser alvo de zombaria algum dia, criticados pelos nossos quilinhos a mais, para que buscássemos a desforra contra nossos zombeteiros em boa forma, procurássemos academias, spas e produtos para emagrecimento, para então nos levantarmos como novos homens e novas mulheres, aptos para o sistema. Teríamos que nos humilhar para conseguir um bom emprego, nos sujeitando a chefes sacanas e sádicos, começando nossa vida laboral como subordinados, ouvindo todo tipo de piadas, gozações e zombarias acerca de nossos defeitos, para que pudéssemos utilizar isso para vencer. É a ideologia "Mickey Mouse", a filosofia da autoajuda. Mesmo que isso magoasse ou deixasse magoadas milhões de pessoas, que queriam tão somente ser reconhecidas pelos seus méritos próprios, e não como aqueles que escorregaram, que caíram, que "pagaram mico", que apareceram cafonas, ou, que simplesmente fossem feios, para os padrões estéticos de uma sociedade sempre em busca de uma artificial perfeição.

Agora é a vez das crianças. Já rimos de tudo, já gargalhamos de todos, gordos, magros, narigudos, orelhudos, cegos, mancos, pernetas, dentuços desdentados, e todos os tipos imagináveis nesse freak show televisivo que se tornou os nossos programas dominicais. Agora resta rir das crianças. Sim! Rir de sua inocência, de sua pureza infantil, de suas travessuras, e mesmo de seus choros e sustos, quando, por exemplo, Silvio Santos, com sua indefectível risada: ha,ha,ha,hayyyyy, apresenta um suposto "monstro" no auditório, fazendo a criança correr desesperada, gritando e chorando copiosamente, num misto de burlesco com inacreditável, tamanha a cara de pau do septuagenário apresentador.

A menina Maísa foi celebrada no último ano na TV brasileira como a nossa Shirley Temple, uma linda criança precoce, apresentadora de programas infantis, que do alto de seus bens penteados cabelos cacheados, diz o que quer. Ficou famosa na Youtube a cena do Programa de Silvio Santos, onde a apresentadora mirim mexe nos cabelos do apresentador, enquanto ele estava distraído conversando com outras crianças do auditório, e sai diante das câmeras, rindo e declarando: " é peruca, é peruca"! Na sua alegria infantil, a pequena Maísa contribuiu para desbaratar uma lenda urbana, ouvida durante décadas, de que o topetudo apresentador do SBT não tivesse há tempos, seus fios de cabelo naturais. Quem é que nunca se riu da ingenuidade infantil da criança que, de tão inocente, faz sem a menor cerimônia perguntas constrangedoras, que nós adultos temos vontade de fazer, mas nunca temos coragem de dizer? O problema é a utilização dessa ingenuidade com fins mesquinhos de mercado, tão somente para aumentar a audiência.

Parece que diante do abuso, nem o Ministério Público de São Paulo aguentou. Diante dos abusos cometidos pelo SBT, no programa de auditório de seu maior proprietário, onde a menina Maísa era exposta ao ridículo, tão somente para aumentar a audiência do programa, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão em São Paulo solicitou ao SBT cópias das fitas relacionadas aos últimos programas dominicais de Silvio Santos, especialmente àquelas referentes aos dois programas sucessivos em que a criança chorou nas telas da TV. Segundo o MP, além de ter explorada sua força de trabalho, a menina ainda tem uma sucessiva e impiedosa exposição na mídia, sem direito à privacidade, com uma infernal saraivada de flashs de fotógrafos em sua vida pessoal. O MPF também solicitou a cópia do contrato que a emissora mantém com os pais da criança. Posteriormente à solicitação do MPF, a Justiça já se pronunciou, proibindo a apresentadora Maísa de participar do programa de Silvio Santos.

Certamente, não é apenas o SBT, mas também os pais de Maísa, os principais responsáveis por quaisquer danos ou consequências psicológicas sérias na formação daquela criança, pela forma com que ela está se expondo. Porém, o mais grave é que ao expor a criança ao ridículo, como se fosse "bonitinho" ver uma criança chorando convulsivamente no palco, revela-se a total falta de limites atribuídos a uma criança, mas sobretudo a seus pais. O comportamento visto daquela bela criança nas telas, revela bem o stress a que está sendo submetida uma criatura de tão pouca idade, incapaz de poder decidir sobre sua carreira, que na verdade deveria estar em casa, ou no colégio com seus coleguinhas da mesma idade, brincando normalmente, e que na verdade quer tão somente exercer o seu direito de ser criança. "Do meu filho quem cuida sou eu!" Podem dizer os pais da menina Maísa. Concordo. Mas na hora em que esse cuidado resvala em descumprimento da lei, é bom ter outro cuidado, aquele de não ser processado.

O velho apresentador Senor Abravanel, por sua vez, não contribuiu em nada para a transposição nas telas de um programa dominical decente (como era outrora seu programa dominical, nos anos oitenta, com seu "Domingo no Parque"), apelando agora para a baixaria e o lucro fácil no desespero da busca de audiência. O vovô Abravanel parece não saber lidar bem com crianças, tratando-as ora com descaso, ora como adultas, como bem se pôde perceber num dos vídeos disponibilizados na internet, mostrando os dois domingos, onde a menina Maísa ficou exposta ao ridículo. As cenas são de tanto mal gosto e de tanta vileza, no tocante à exploração da imagem de uma criança, que chegam a gerar repulsa, mas é importante que sejam vistas, até para que todos aqueles que defendem limites éticos na TV (se é que isso ainda existe) possam ver o que ocorreu, e, se quiserem, reprovar tais condutas.

A Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 (O Estatuto da Criança e do Adolescente/ECA) é clara, em seu artigo 17, que é direito fundamental, portanto assegurado constitucionalmente, que toda criança e adolescente tem direito à liberdade, respeito e dignidade como pessoas humanas, e que esse direito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e adolescente, preservando-se sua imagem, identidade, valores, crenças, objetos pessoais etc. Além disso, a mesma Lei diz que é crime, em seu artigo 232, "submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou constrangimento". Ora, para quem tiver um mínimo de sensibilidade e quiser ver, ao observar nos vídeos do youtube ou no enxame de reportagens sobre o caso, os dois programas de Silvio Santos onde a menina Maísa chora, vê-se claramente que a menina teve uma reação nervosa natural das crianças ao se assustarem ( que somente os psicólogos infantis sabem precisar bem), saindo em debandada aos prantos pelo palco do programa de auditório, quando Silvio trouxe uma outra criança fantasiada de monstro. No programa seguinte, para piorar a situação, e não para ajudar, o velho apresentador lembrou o fato à atônita criança, tratando-a como adulto, como que(mesmo em tom de brincadeira) cobrando da criança o choro do domingo anterior, pelo que Maísa respondeu com mais choro, só que, desta vez, além de chorar como toda criança, ela bateu com a cabeça numa câmera de TV, vindo a chorar mais ainda, só piorando a situação. Quem disse que de imediato alguém suspendeu a transmissão do programa e foi acudir a menina? Nãoooo! Pelo contrário, mais e mais risadas do público foram provocadas, puxadas pelo coro das brincadeiras de mau gosto do apresentador, como se tudo não passasse de uma encenação. As cenas vistas, são de arrepiar os defensores do ECA.


Alguns poderiam dizer que tudo o que escrevo aqui é besteira, pois no caso dos programas assistidos, tudo não passa de uma encenação, onde o choro de Maísa já era planejado pela produção do programa, e a menina, na verdade, estaria provando mais uma vez seus talentos de atriz-mirim, dando um show de interpretação. Detalhe: acho que não estava no script a câmera onde a cabeça da menina se esborrachou. Entretanto, se for assim, o caso é pior ainda, possível até de instauração de um processo criminal, pois nada justifica na cultura do espetáculo, submeter propositadamente crianças a vexame, tão somente pelo lucro, uma vez que mesmo na qualidade de atores, essas crianças não tem a capacidade de discernimento e nem o arbítrio dos adultos, para recusar ou aceitar determinados papéis. A responsabilidade então resvala nos organizadores do programa de televisão e nos pais da criança; ou seja, vai gerar calhamaços e mais calhamaços de ações judiciais na Vara da Infância e Juventude.

Silvio Santos e sua equipe deram uma bola fora, realmente. Na verdade, antes mesmo de Gugu Liberato ver perder de vez sua audiência (e, consequentemente, ver sumir a possibilidade de assumir o cetro de sucessor de seu mestre, Silvio Santos) com a famigerada falsa reportagem sobre o PCC, no final dos anos noventa, eu já tinha deixado de assistir canais como o SBT há muito, a não ser em eventuais noticiários. Creio que a última grande audiência que o "homem do baú" teve foi, não só no seu canal de TV, mas em toda mídia, no triste episódio do sequestro de sua filha, que também sobrou pro próprio apresentador, em 2001, quando um dos sequestradores tomou a sua casa e lhe fez de refém, sob as câmeras de televisão de todas as emissoras do país. Ironia do destino: a maior cobertura jornalística dada, por quase vinte e quatro horas do cárcere privado do dono do SBT, foi feita pela maior concorrente: a rede Globo. O fim da estória todos sabem, e do triste destino do sequestrador, Fernando Dutra Pinto. Parece que depois daquele enorme susto, e alguns problemas de saúde, o senhor Senor Abravanel perdeu um pouco o discernimento acerca dos limites éticos a serem observados em programas de auditório, e, muito possivelmente mal assessorado, acabou, por, inadvertidamente, explorar impropriamente a mão-de-obra e o choro convulsivo da criança Maísa.

Eis que chego a seguinte reflexão: se Deus existe, acho que Ele não anda vendo muito TV, senão cortava o sinal dos satélites e deixava todo esse lixo cultural fora do ar! Que saudades do Domingo no Parque!

quarta-feira, 13 de maio de 2009

EDUCAÇÃO: Faculdade não é "fábrica de diplomas"!

Todo ano nos vemos às voltas com as sucessivas incursões do MEC sobre a qualidade do ensino brasileiro, notadamente do ensino superior, publicando-se o ranking das melhores e piores faculdades. Refiro-me especialmente à area jurídica, que é minha área de ensino, onde vejo que as intervenções muitas vezes condenatórias do MEC, recebem o aval e o olhar clínico da OAB, responsável pela fiscalização e sepultamento de todos os cursos jurídicos abertos no país nas últimas décadas, que porventura, recebem má avaliação de seus órgãos fiscalizadores. O que por sinal, já virou regra e não exceção no ensino brasileiro: a má qualidade dos cursos jurídicos.





O assunto não é novo e nem suas críticas, correndo o risco até de ser monotóno, caso a abordagem do tema não fosse diferenciada. Refiro-me a analisar a questão sob o ponto de vista do aluno e não só do professor, refletindo sobre o que queremos, na verdade, para nossa universidade.
No tempo em que ingressei na universidade, uma pública, federal, no meu saudoso Rio Grande do Norte, havia somente uma faculdade de direito, e até então não pululava a chuva copiosa de faculdades jurídicas que hoje temos, repletas de alunos, distribuídas pelo país. Ainda não havia a famosa portaria de 1994 do MEC, autorizando a criação de novos cursos jurídicos, sem mais os exigentes requisitos necessários para a constituição de uma instituição de ensino desse porte. As faculdades poderiam agora funcionar como empresas, e, na filosofia do pensamento neoliberal da época do governo FHC e de seu ministro da Educação, Paulo Renato, a ordem de privatizações também seguia a ordem da privatização do ensino. Se, por décadas, instituições privadas e confessionais como as PUC e as ULBRA haviam contribuído para a qualidade do ensino, porque não deixar para o empreendedor privado também a tarefa de contribuir para a educação?



Pronto, num passe de mágica, antigos donos de shopping center tornarem-se diretores, reitores de universidades. Empresários antigos do ramo do ensino, bem sucedidos donos de cursinho pré-vestibular, como João Carlos Di Genio, dono da Rede Objetivo, puderam enfim, criar faculdades, num lucrativo negócio que dura até hoje, criando a UNIP, a maior universidade privada do país, com mais de 44.000 alunos. A Estácio de Sá no Rio de Janeiro, cresceu, apareceu, mas parece que não aprendeu, tendo em vista a célebre reportagem da imprensa há poucos anos, quando um candidato analfabeto passou no vestibular para Direito na instituição, tão somente acertando os "chutes" necessários nas questões marcadas com um "x", fazendo o ponto de corte e lhe garantindo o sonhado acesso à universidade.
Hoje, se qualquer doto de boteco, padaria ou supermercado, com espírito empreendedor, pode, um dia, tornar-se dono de uma grande universidade (opssss! a palavra certa não é dono, mas responsável pela "mantenedora" da instituição ou membro do conselho consultivo da fundação que instituiu a universidade), não é à toa que hoje, muitos alunos, questionam as finalidades de uma instituição de ensino superior, a qualidade do ensino, e o que ela deseja para seus principais destinatários: o corpo discente. Retoma-se ao tema do "pacto da mediocridade", tão comum na Era Sarney, dentre os fracassos nos planos econômicos a partir do Plano Cruzado, e as primeiras greves das universidades federais após a ditadura. Naquela época, questionava-se o professor que fingia ensinar e o aluno que fingia aprender. Lembro-me, naquele período, no começo dos anos noventa, eu já universitário, aluno do curso de direito e membro do centro acadêmico, como o Movimento Estudantil denunciava os professores da universidade pública que somente utilizavam da instituição como cabide de emprego ou status social, sem sequer comparecer às aulas ou dar a mínima satisfação aos seus alunos. Questionava-se a atuação do professor universitário, funcionário público, dotado de estabilidade no emprego, mas que era um burocrata que não dava a mínima para o ensino, pesquisa ou extensão: os pilares básicos, ou, se alguns preferirem, a santíssima trindade do ensino superior brasileiro. Lembro-me de um certo professor, procurador do estado, que a pretexto de assistir o casamento da filha nos Estados Unidos, foi para Miami e de lá desapareceu, após uma licença concedida pela procuradoria, sem comparecer o restante do semestre, deixando seus alunos atônitos com o lápis e o caderno na mão. E o pior, sequer foram convidados para o casamento!

Vim de uma época em que ensino superior, público e de qualidade, era requisito e sonho de qualquer garoto pobre ou de classe média baixa que quisesse, um dia, passar num vestibular e ingressar numa universidade de respeito. Se os guris da minha época, no movimento estudantil, não lutavam mais contra a ditadura ou por eleições diretas para presidente, lutávamos pela qualidade de ensino, pelo reconhecimento da instituição na sociedade como importante fórum de discussão das questões nacionais, como foi o Movimento dos "Cara-Pintadas" pelo impeachment do presidente Collor, a que tive orgulho de participar. Naquela época queríamos professores sim, mas qualificados com mestrado e doutorado, e em sala de aula. No direito, área nevrálgica e de importância ímpar para a sociedade, contaminada pelo bacharelismo liberal e pelo tradicionalismo positivista, era mais digno de status ter um professor juiz federal ou procurador da república, que desse um centésimo de seu tempo para dar 40 minutos de aula, do que um autêntico acadêmico, um legítimo "professor universitário", dedicado ao ensino e pesquisa, que utilizasse da universidade como seu ganha-pão, para discutir com seus alunos efetivamente ciência, e não para que ficássemos parados em sala, ouvindo um monólogo do professor, na decoreba de códigos. Enfatizáva-mos a inclusão do ensino obrigatório da filosofia, da história e da sociologia nos currículos de nossos cursos, pois entendíamos que pelo expediente funesto da ditadura, qualquer tentativa de pensar ou fazer pensar seria vista como gesto de subversão. Entretanto, com a proliferação das faculdades de direito, ao invés de auxiliar o debate, vimos a discussão científica minguar, e, ao contrário, ficamos reféns do tecnicismo.

Tecnicismo que emburrece, tecnicismo que embrutece e aliena. Hoje, é mais do que comum, no reforçado "pacto da mediocridade", alunos irem em sala de aula tão somente pra ver se a paquera do lado chegou também para assistir aula, não dando ouvidos para o professor que finge que leciona, ou que pelo menos ocupa seu tempo contando piadas de casos do escritório ou de suas peripércias no âmbito da Justiça. Aqueles professores dedicados, zelosos, amigos da ciência, que se propõem a discutir grandes casos, empregando uma metodologia inovadora, crítica e dialética, são muitas vezes vistos como algozes, quando cobram conhecimento de seus alunos. Brutamontes, que não entendem que aquele fulano que passou o dia inteiro no trabalho, escutando as reclamações do chefe chato na repartição ou na linha de produção da fábrica ou do comércio, tão somente quer passar o tempo, decorar algumas apostilas, fazer algumas provas no estilo de supletivo e terminar o curso, carregando debaixo das axilas um diploma do curso de direito, para seu deleite pessoal e familiar. Já se foi a época em que se perdia de vista os alunos ambiciosos, dedicados, que enchiam as salas para se preparar para os grandes concursos, pois queriam ser, no mínimo: juízes e promotores, ou então bons e bem sucedidos profissionais da advocacia. Ainda havia uma pequena, mas viva, parcela de alunos que foram estudantes como eu, tão ou mais interessados em realizar uma pós-graduação, um mestrado ou doutorado, pois corria nas veias a disposição para a pesquisa, o deleite acadêmico com o debate científico e intelectual, que não se tratava de um mero sociologuês para preencher de assunto as conversas de boteco, mas sim como um real instrumento de transformação social. É!Parece que fui idealista demais!

Só não me conformo hoje, na função de professor, em retroalimentar esse pacto da mediocridade, tão somente levando slides para os meus alunos, com a síntese do que meu limitado pensamento tem acerca da vastidão descomunal de conhecimento associado à area jurídica, de que tanto gosto, tão somente para satisfazer o egoístico interesse daqueles que não querem se dar ao trabalho de pensar. Penso que a universidade, como pensaram os clérigos católicos na Idade Média, era, como o próprio nome diz, um espaço de universitas, de universalização do conhecimento, como trabalhava Aristóteles na sua época, na Grécia Antiga, em aulas proferidas mediante anfiteatros lotados, onde o que se queria não era pão e circo, mas tão somente beber um pouco de conhecimento. Até hoje priorizo a aula dialogal, onde o que mais me interessa não é ver o aluno parado, emudecido, boquiaberto com sua boca enfadada escorrendo saliva, esperando o tempo passar, mas sim aquele que abre a boca com outros fins além de comer um sanduíche, apresentando suas ideias, revelando suas dúvidas, fazendo seus questionamentos sobre o conhecimento que é apresentado, contribuindo para fomentar e produzir mais saber.
Em outra ocasião, um aluno me questionou porque tinha que aprender o nome, ou ao menos saber do pensamento deste ou daquele autor, já que, pra ele, só interessava o que dizia a lei, o que estava disponível no Código. Tentei argumentar dizendo que o conhecimento dos autores e das correntes teóricas era fundamental para se entender a própria natureza e a finalidade dos conceitos jurídicos trazidos em sala de aula, a fim de propiciar sua melhor aplicação quando uma norma fosse invocada para aplicar esses conceitos. Entretanto, só consegui convencer meu incrédulo aluno, quando lhe disse que na hora que ele citasse o conceito de um desses pensadores nas suas petições ou monografias, e não revelasse a fonte, ele poderia ser processado pelo autor ou pela editora por violação de direitos autorais. Detalhe: isso também está previsto no Código.
Acho, definitivamente, ao contrário das evidências do capitalismo no ensino brasileiro, que a universidade não é fábrica de diplomas, e as faculdades de direito hoje criadas não são meros cursinhos preparatórios de terceiro grau. Acredito ainda em muita gente séria, honrada, dedicada e honesta que frequenta os bancos da sala de aula em busca de mais conhecimento, e de algo que será valioso para suas vidas, não só no aspecto profissional, mas também no conhecimento humano. Acredito piamente que o ensino supera as barreiras da alienação, desperta consciências e contribui para a transformação social. Por conta disso é que já me indispus e continuo me indispondo com diretores de faculdade, alunos e até mesmo colegas professores que não compartilham do mesmo ponto de vista, mas alerto que isso somente ocorre quando a liberdade de um é ameaçada pela intolerância do outro. Daí que você não gosta de aula dialogal ou não queira falar sobre a contribuição jurídica dos etruscos? Daí que você não entenda sequer o português e faça careta pra aprender latim? Daí que você só se lembre do direito romano, somente quando um jogador de futebol brasileiro é chamado pra jogar em um time italiano? Daí que você não queira saber que nosso sistema carcerário é injusto e infamante? Daí que você não quer saber que o processo judicial é também meio de exercício da cidadania, e não apenas expediente protelatório de advogados para ganhar mais dinheiro dos réus? Minha obrigação de professor é a obrigação com o ramo de conhecimento que abracei, com a busca das verdades que talvez nunca eu encontre e vida, mas que fomentam minha produção científica e minha busca do conhecimento. Se para uns sou um idiota ao querer isso, para outros eu possa parecer apenas ingênuo, idealista ou sonhador demais, mas prefiro abraçar os meus sonhos, a permanecer nos pesadelos da ausência de qualquer sentido para as coisas que me são ensinadas neste mundo.
Pois que meus sonhos pela busca do conhecimento sejam compartilhados para quem os deseja, como eram os sonhos que tive quando era estudante universitário, há vinte anos atrás. Como diz o belo poema de Yeats: "Tivesse eu os panejamentos bordados dos céus, (...)/ Estenderia esses mantos a teus pés./ Mas eu, sendo pobre, tenho apenas sonhos;/ Estendi meus sonhos a teus pés;/Portanto, quando estiveres caminhando, pisas com delicadeza, pois estás pisando em meus sonhos."

domingo, 10 de maio de 2009

"Don" LUGO E SUAS MULHERES: Ué? Fazer "menino" não é bíblico?

Se Lula é "o cara", segundo a amável brincadeira de seu colega norte-americano, Barack Obama, o recém-empossado presidente do Paraguai, Fernando Lugo, talvez também o seja, ao menos para aqueles que se vangloriam de serem os latinos sedutores, os típicos "pegadores" do sexo oposto, com uma longa lista de conquistas amorosas e pensões alimentícias respectivas, por terem engravidado seus flertes, em escala diretamente proporcional. No caso do paraguaio, logo após tomar posse, Lugo foi surpreendido, pela revelação de uma ex-amante sua, Viviana Carillo, de que teria tido um filho com ele, quando o presidente ainda era bispo da Igreja Católica, com um detalhe: na época do romance e da gravidez, a suposta mãe do filho de Lugo só tinha 16 anos.







Constrangido, o presidente paraguaio foi até às câmeras de televisão reconhecer o erro, e após a confirmação da paternidade por um teste de DNA, acolheu a mulher e o filho em sua residência particular. Até aí tudo bem, pois se o sujeito cometeu a besteira, ao menos procurou redimir o erro. O que ocorre é que após surgir o controvertido caso de mais um filho sendo reconhecido por um pai, Lugo foi surpreendido por outras mulheres, que também apareceram na mídia, alegando ter tido filhos com ele, com o conhecimento do pai, sem que ele desse ao menos uma bicicleta de presente de aniversário, para uma das crianças havidas nesse relacionamento clandestino. Os processos de reconhecimento de paternidade contra Lugo, agora eclodem no judiciário paraguaio.



Creio que como ex-sacerdote, o presidente Fernando Lugo cumpriu com uma das maiores e elementares prescrições bíblicas, dispostas no livro de Gênesis: "crescei e multiplicai-vos". Ora, se o atual presidente do Paraguai não contribuiu para cumprir a determinação sagrada, mesmo contrariando a Igreja Católica, ao menos contribuiu para a reprodução da espécie, e, afinal, como a Igreja proíbe o uso de preservativos, foi coerente ao menos nesse quesito. O problema é que se fosse na China, Lugo seria punido não por ter tido filhos, mas sim pela quantidade. Afinal, na China o controle da natalidade é severo, e o presidente paraguaio descumpriu, em muito, à determinação oficial chinesa: são, ao menos, 17 casos de paternidade não assumida, divulgados pela mídia.







Pois o presidente latin lover, com suas peraltices sexuais, agora tem que se ver com a opinião pública global. Se para o povo paraguaio o escandâlo ganhou ares de anedota, ajudando a propulsionar a carreira de grupos musicais locais, como o grupo Los Angeles, que, aproveitando o caso, cantarolou à exaustão a música Lugaucho, tratando jocosamente do infortúnio de Lugo, que bombou no Youtube, tornando-se um dos clipes mais vistos( além de entrar na programação de FM das rádios paraguaias), o caso não ajudou em nada a aumentar a credibilidade do governo do Paraguai perante à comunidade internacional, e só serviu mesmo para aumentar a popularidade (isto sim) da banda de hip-hop paraguaia. O grupo tinha até turnê agendada para o Brasil, país de humor carnavalesco, que adora uma piada pronta, e que "pode até perder o amigo, mas não perde a piada". As agruras de Lugo nos fazem lembrar aqui, no Brasil, da década de noventa do século passado, de um certo presidente topetudo, da terra do pão de queijo, amante do Fusca e da folia, que se viu às voltas com uma certa modelo (?), bela e voluptuosa, esbanjando carinho num camarote de Carnaval, com um detalhe: sem calcinha nenhuma entre suas generosas carnes.



Política e escandâlo sexual andam de mãos dadas e são prato cheio para a oposição, pois as pessoas públicas, por mais que tenham o direito à privacidade como qualquer mortal, são continuamente sujeitas à exposição pública quando são revelados detalhes pitorescos de sua vida privada. Foi o que ocorreu, postumamente, com o presidente norte-americano John Kennedy, ao se descobrir que o presidente assassinado em Dallas tinha como amante, antes mesmo de chegar à presidência, a bela e antológica diva do cinema, Marylin Monroe. Anos depois, ainda nos EUA, entrou para a história o "caso Monica Lewinsky", ex-estagiária da Casa Branca, que teve um romance com o presidente Bill Clinton, revelando a anedótica estória dos charutos, e como o ex-presidente os usava. No Brasil da Era Collor, chegou a ganhar ares de bolero, com direito à música Besame Mucho, o romance secreto dos ex-ministros Bernardo Cabral e Zélia Cardoso de Melo, que depois veio a ser (ex) mulher do humorista Chico Anysio. Por falar em Collor, quem não se lembra do pérfido expediente do presidente do "aquilo roxo", que em plena campanha eleitoral, desestabilizou por completo um então ingênuo Lula, na campanha presidencial de 1989, quando revelou para o Brasil a existência de Lurian, filha do atual presidente, tida na juventude com a hoje esquecida enfermeira Miriam Cordeiro? Para não falar de caso mais atual, envolvendo o ex-presidente do Senado Renan Calheiros, hoje no PMDB, outrora fiel escudeiro de Collor, que assim como seu ex-chefe, era tido a casos extraconjugais e a paternidade não reconhecida, após ter sido envolvido em escândalo de corrupção, utilizando dinheiro de empreiteiras para pagar a pensão da filha tida com a bela jornalista Mônica Veloso (por sinal capa da playboy, e que capa!!).



Lugo, um ainda bem conservado senhor de 57 anos, alto e de boa aparência, com uma vasta cabeleira grisalha e uma barba de cantor de música brega, no estilo "Lindomar Castilho", faz bem o tipo do típico latino sedutor que, quando bispo, pode ter levado para a sacristia alguma bela jovem devota com outros motivos além de rezar o terço. Sabe-se, pela história, que outros carismáticos líderes latino-americanos de esquerda também foram conhecidos não só como revolucionários, mas também como célebres amantes. Lembro-me das estórias que envolviam as conquistas amorosas de Fidel Castro na juventude, o típico "macho latino", que inspirou os sonhos de muitas garotas metidas a revolucionárias, na década de 60. É extensa a lista de mulheres que já passaram pela cama de Fidel, além da esposa oficial e da célebre amante revolucionária Célia Sanchez (morta em 1979 de câncer, e, segundo alguns biógrafos, a única mulher que Fidel realmente amou). Tem-se até o caso de uma ex-espiã contratada pela CIA para assassinar Fidel, e, que, segundo a lenda, desistiu da missão de última hora, por ter se apaixonado por El Comandante.



Por falar em Fidel, outro político de esquerda, outrora fã de Fidel e que chegou a sair do Brasil e voltar clandestinamente, após um curso intensivo de guerrilha em Cuba, foi o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu. Os dotes de sedutor de Dirceu eram conhecidos nos tempos da ditadura, chegando na época a ser chamado, quando era líder estudantil, de "Ronnie Von das Esquerdas", em virtude não apenas do radicalismo político, mas também pelas conquistas amorosas de um líder esquerdista boa-pinta. Dizem seus detratores que ele até usava de seus estrategemas de sedução, levando várias camaradas para a cama, tão e simplesmente como artifício de suas manobras políticas.



A questão, no caso de Lugo, é se perguntar se a moralidade que se cobra na política é a mesma que se deve cobrar na vida privada, ou se é possível destituir um presidente, pelo fato da "tentação da carne" ter sido mais forte que a tentação do poder. A Igreja Católica já se adiantou e perdoou Lugo pelo incidente (quer dizer, incidentes, já que não sabe ainda, pela contabilidade, quantos filhos o homem teve, na verdade). Resta saber se o eleitorado paraguaio e suas instituições terão a mesma clemência. Fernando Lugo fez história, não por ser o primeiro religioso a chegar à presidência de uma nação latino-americana, mas sim por ter sido o primeiro presidente eleito, por uma coalização popular de esquerda, a derrotar mais de 70 anos de dominação elitista do partido colorado, num país que, ainda hoje, vive o reflexo do conflito bélico genocida que destruiu o país no século XIX, e desde então viveu em sua história curtos períodos de democracia, intercalados por governos populistas de direita ou por ditaduras militares.



O que se pergunta no Paraguai é: se um político eleito presidente é capaz de mentir durante anos sobre sua vida pessoal, por detrás da batina, ao descumprir uma ordem expressa de sua instituição eclesiátisca, que é o celibato, se ele não seria capaz também de mentir por detrás de um gabinete na presidência de um país, na condução dos destinos de uma nação. O que peca para Lugo não é ele ter sido um sacerdote católico, e ter descumprido o voto de castidade que lhe obriga o celibato, tendo se relacionado e tido filhos com várias mulheres, até porque isso ocorre frequentemente na Igreja Católica (pior seria a pedofilia, isso sim um crime gravíssimo). O que complica a vida do presidente paraguaio, e aí está, a meu ver, o verdadeiro pecado, é ter se valido do discurso ético de um religioso, para obter credibilidade política, e aí ter se elegido presidente. Lugo ficou conhecido como um religioso adepto da Teologia da Libertação, um fervoroso defensor das causas dos trabalhadores rurais do Paraguai, exercendo forte lideraça popular, na crítica às elites políticas e econômicas paraguaias, tornando-se uma mistura de Lula com Stédile do MST e um pingo de Dom Helder Câmara, o que lhe garantiu alta popularidade e votação recorde para a presidência. Sua vitória foi inquestionável e motivo de comemoração para toda a esquerda democrática latino-americana, que o digam Lula, Chavez, Rafael Correa ou Evo Morales. Sua presença no Fórum Social Mundial, em fevereiro último, em Bélem, juntamente com os outros presidentes citados, foi motivo de festa. Porém, após os escândalos de paternidade, a importância de sua visita recente ao Brasil, para discutir com nosso presidente a revisão do acordo da usina binacional de Itaipu, foi ofuscada pelo desgaste na opinião pública, obtido com as denúncias de tantos filhos gerados, sem serem reconhecidos pelo pai.




O Paraguai, como eu já disse, ainda sente em suas novas gerações o peso do conflito sanguinário que mergulhou a América do Sul numa guerra regional no século XIX, quando Solano Lopez, presidente militar daquele país, tentou bancar um "Napoleão dos Pampas", invadindo os países vizinhos para estabelecer uma rota com o mar e seu minúsculo país através do Uruguai, comprando briga com dois gigantescos vizinhos: Brasil e Argentina. A Guerra do Paraguai até hoje é ensinada nas academias militares como uma das pérolas da supremacia bélica nacional, e lugar que consagrou lideranças como o Duque de Caxias e o Almirante Barroso. Ocorre que no conflito morreu gente pra caramba, sobretudo do lado paraguaio! Calcula-se que o genocídio, com as baixas provocadas pelos exércitos inimigos em solo paraguaio, sem deixar vivos prisioneiros, matou toda a população masculina sexualmente ativa do país. O que significa dizer que só sobraram mulheres, crianças e velhos, e até hoje, segundo as estatísticas, apesar da quantidade de mulheres no Paraguai não ser superior a de homens, ainda há pouco homem disponível pra tanta mulher, e é natural que os poucos que existam sejam verdadeiros procriadores. Segundo pesquisa revelada no Jornal El País, o Paraguai tem a segunda maior taxa de fecundidade da América, só sendo superado pelo Haiti. Segundo a Comissão de Direitos Humanos de lá, 80% das mulheres já sofreram algum tipo de abuso sexual, e dos 45 presidentes que o Paraguai já teve, 8 eram filhos de mães solteiras, e ao menos 17 tiveram filhos ilegítimos. Diz-se que o machismo, a subjugação da mulher e a promiscuidade na sociedade paraguaia fizeram com que as mulheres fossem vistas como verdadeiros "ventres ambulantes". Por isso, se quiser ter filhos e muita dor de cabeça, meu caro leitor, vá para o Paraguai! (naturalmente, peço desculpas às leitoras pela brincadeira "machista" ou tipicamente paraguaia)



Pode-se dizer então ( e eu adoro essa palavra) que Lugo é mais um típico exemplar de sua zeitgeist ("espírito do seu tempo"), deixando-se levar pelo machismo e pela dominação masculina típicas da cultura de seu país. O presidente do Paraguai, segundo dizem os estudos históricos e antropológicos, reproduziu a típica conduta de seus concidadãos do sexo masculino, fazendo filhos em suas mulheres, "fazendo menino" como diz o matuto, sem dar um pingo de satisfação as tão incrédulas mamães. Hoje, entre mamadeiras e decretos presidenciais, Fernando Lugo terá a tarefa não só de levantar um país há mais de um século quebrado, como uma das economias mais frágeis da América Latina, diante de uma crise financeira global, como também de tentar reconstruir sua biografia, ou ver sua ascensão esvair pelo ralo, mediante comemorações da direita colorada paraguaia. Só o tempo dirá, e no caso do católico Lugo, só muita rezadeira e apelos da Virgem Maria para que ele se recupere do estrago de seus erros passados. Com um detalhe, a Virgem era virgem mesmo, e essa, ao menos também não ficou grávida do "Pai da Pátria", ou do "Semeador da Nação", como chamam hoje os paraguaios, o seu fogoso presidente.

sábado, 9 de maio de 2009

MÚSICA: 20 ANOS DO GRUNGE (Parte II): 20 anos de Pearl Jam


Na segunda parte dos meus comentários sobre a época do grunge, vai agora uma lembrança não do Nirvana, mas de outra banda tão profícua quanto, do período dos grupos que iniciaram carreira no final da década de oitenta do século passado, ou começo da de noventa, chamada Pearl Jam. Os fãs brasileiros (inclusive muitos artistas "globais", arrghhh!!!) puderam conferir o show da banda norte-americana no ano retrasado, aqui no Brasil, na última turnê do disco homônimo, de 2006, além de outras passagens pela banda aqui, além do Rio, como em Porto Alegre e Curitiba.


O Pearl Jam, assim como o Nirvana, vem da cena artística de Seattle, quase no mesmo período do lançamento da banda de Kurt Kobain, e assim como o Nirvava, tiveram um líder e vocalista carismático, Mr. Eddie Vedder, dono de uma voz e um timbre vocal único, que se tornou, assim como as guitarras de Stone Gossard, e a bateria marcada de Matt Cameron, a marca registrada da banda. O Pearl Jam também surgiu como uma banda poética, unindo o peso das guitarras distorcidas com uma lamúria pop, na levada do primeiro disco Ten, onde Vedder canta a clássica Alive (até hoje tocada à exaustão nas Fms do mundo inteiro), além de outros singles clássicos, como Jeremy, Even Flow e Ocean, revelando, entretanto, influências que vinham desde The Who, passando por Black Sabbath, até Bob Dylan. O primeiro disco do Pearl Jam é considerado até hoje, pelos críticos, uma das mais emblemáticas obras que representam o grunge, esse tão falado movimento musical advindo da cena cultural e musical de Seattle (EUA), comentado este mês em meus textos, que hoje completa 20 anos.
Pois é! As semelhanças do Pearl Jam com o Nirvana acabam nas influências musicais e na longevidade de uma, em comparação com a carreira precocemente terminada da outra. Enquanto Kurt Kobain se matava dando um tiro na cabeça, encerrando de vez o capítulo da história do Nirvana, Eddie Vedder e seus companheiros de banda seguiram na estrada, lotando estádios, tocando em universidades, participando de festivais globais como o Lollapalooza e realizando turnês mundiais. Enquanto que o Nirvana apresentava uma conduta rebelde, uma atitude punk, mais nihilista, os rapazes do Pearl Jam adotaram um comportamento "politicamente correto" e engajado, preferindo participar de mobilizações, eventos pela paz e pelo meio ambiente, assim como por protestos contra a Guerra do Golfo, a fome na África, e outras bandeiras e mais bandeiras, que os revolucionários de plantão possam estender. Assim como tentou se pintar as imagens dos "bons moços" para os Beatles na década de sessenta, e para os "rebeldes", para os Stones, Pearl Jam e Nirvana compartilhavam em menor grau, de suas diferenças ideossincráticas e musicais, apesar de terem vindo da mesma vertente musical e da mesma área. Se fosse no final da década de sessenta, e ainda existisse John Lennon, os caras do Pearl Jam até poderiam se tornar os mártires da rebeldia politicamente engajada, porém o discurso de rebelião já havia sido posto uma década antes com o pessoal do U2.
Se o U2 foi a banda memorável da década de oitenta, o Pearl Jam assumiu a todo vapor o cetro da diferença na década seguinte. Na verdade, ao surgir, como uma típica banda fabricada, a "la MTV", os caras, depois do primeiro disco Ten, passaram a assumir outra postura, negando qualquer coisa que cheirasse a show businees e mainstream. A diferença foi marcante no terceiro disco, Vitalogy, quando o Pearl Jam assumiu uma postura mais intimista, reclusa, sem sequer aparecer nas capas dos discos, e, pasmem, assumindo uma forma de protesto original, numa posição de confronto com a indústria do entretenimento, ao se negar a tocar em estádios se o preço do ingresso não fosse reduzido ( uma vez que a platéia maciça de fãs da banda era formada por universitários) e processar a toda poderosa Ticketmaster, a empresa que monopoliza o mercado americano de distribuição de ingressos, para reduzir seus lucros. Ponto para o Pearl Jam!
O Pearl Jam nunca foi uma banda alternativa, mas o caráter alternativo de seu som, mesclado numa caricatura pop, típica de rolar em FM, faz com que eu me lembre de outra banda com carreira semelhante, que, aqui no Brasil, alternou sua trajetória de ser uma "bandinha" de MTV, para se tornar um grupo de conceito, quanto a público e crítica, na história do rock nacional. Claro! Estou falando do Los Hermanos. Se a banda norte-americana se notabilizou por ter uma sonoridade, que, apesar de roqueira e associada ao rock pesado, tomava emprestado diversas influências do folk de um Bob Dylan, de uma Joan Baez ou de um Neil Young, seu similar brasileiro tomava no samba de Chico Buarque e na bossa-nova influências para a montagem de seu pitoresco som, com mistura de rock e MPB. Outra similaridade é quanto à semelhança de público, e o perfil intelectual dos caras, uma vez que tanto o Pearl Jam quanto o Los Hermanos, tem seu público maciço no circuito universitário.
Essa é outra grande diferença entre o Nirvana e Pearl Jam: o quesito intelectual. Se ambos podem ser tidos como bandas de nerds ( nerd é coisa dos anos oitenta, o termo hoje utilizado com o advento da internet é geek), os jovens fãs do Nirvana mais pareciam saídos de um seriado da família buscapé (assim como se vestiam os fãs do Los Hermanos), com sua barba por fazer, gorro, calça de lenhador, macacões ou camisas de flanela, enquanto que os do Pearl Jam revelavam um lado mais intelectual, mesmo que se valendo de indumentária semelhante. Apesar de poeta, Kurt Kobain não era dado a grandes elaborações filosóficas e sociológicas, enquanto que sua contraparte, na outra banda, arriscava emitir opiniões das mais variadas, sobre os diversos acontecimentos globais.

Outra característica curiosa dessa banda de Seattle é que ela é até hoje a banda de rock com o maior número de produções ao vivo. Dispensando em muitos casos a parafernália de estúdio, entre um álbum e outro, os caras sempre preferiram expor sua sonoridade ao vivo, em seus concertos, seja em Cds ou Dvds, mostrando toda a energia da banda em estádios e teatros lotados, rodeado por milhares de fãs que entoavam em coro suas canções. São ao todo seis álbuns ao vivo, para uma banda que recém completou vinte anos, muito mais do que bandas consagradas como os Rolling Stones, cuja discografia oficial em mais de quarenta anos, não passa dos quatro discos ao vivo.





No tocante à pirataria, os caras do Pearl Jam também se revelaram inovadores, e talvez por isso a estratégia de discos ao vivo tenha dado tanto certo. A cada lançamento de um álbum, o grupo disponibilizava não só a versão original, como também versões ao vivo diferenciadas sobre o mesmo álbum, de acordo com as gravações dos concertos que iam realizando em turnê. Isso garantia sempre um material inédito e disponibilizado somente pela própria banda, pois a cada show criava-se a expectativa de que iria surgir um álbum diferente, com músicas variadas; e isso, naturalmente, atraía os fãs não tão somente aos shows, mas também às lojas de discos, com a oportunidade de comprar um material totalmente novo e original, sem necessitar aguardar cópias piratas.





Talvez o famigerado governo de George W. Bush tenha sido o nêmesis do Pearl Jam, além de outras bandas de rock de protesto, uma vez que o pior governante dos Estados Unidos, em décadas, foi alvo de várias críticas e protestos, em vitude de sua política de combate ao terror, tolhendo liberdades civis, após o 11 de Setembro. Acompanhados de Neil Young, que se tornou amigo de Vedder, e acompanhou a banda em várias turnês, a banda não se cansava de cantar a música de Young, Rockin in a Free World, tocada no filme de Michael Moore, Fahrenheit 11 de Setembro, em alusão às críticas ao governo Bush. Outro destaque para os músicos do Pearl Jam nos cinemas, deu-se quando Eddie Vedder emprestou a sua voz para a trilha sonora do comovente (e premiado) filme do oscarizado ator e diretor Sean Penn, chamado "Na Natureza Selvagem"(Into the Wild). O filme acerca de um jovem de família rica que larga tudo para viver no mato( o ator Emilie Hirsch), em contato com a natureza, torna-se ainda mais bucólico e sensível com a tocante música de Vedder cantada ao fundo.
A qualidade do som da banda norte-americana que hoje completa 20 anos (putz! como o tempo passa rápido) nem se abalou com o surgimento do Creed, no final da década de noventa, banda de heavy metal, com pegada gospel, que estouros nas rádios e na MTV no período, com a música Arms Wild Open, e cuja maior particularidade talvez fosse a de que seu vocalista, Scott Strapp, tinha o tom de voz quase que totalmente idêntico ao de Vedder, gerando, inclusive, algumas piadas e gozações em programas de auditório, e na própria MTV, acerca da semelhança de vozes. Não obstante o "plágio" vocal da banda de Tallahassee, o Pearl Jam seguiu na estrada, com seu vocalista de voz original, encantando legiões e mais legiões de roqueiros pelo mundo todo, e fazendo o que todo fã do Pearl Jam, quando Eddie Vedder começa a entoar as primeiras notas de Alive: Yeahh! I still alive........!!!!!

MÚSICA: 20 ANOS DO GRUNGE (PARTE I): 15 anos sem Kurt Cobain

Maio é o mês das mães, e fico me perguntando se uma certa mãe em Seattle, EUA, chamada Wendy O'Connor, não deve estar agora, relembrando os quinze anos sem o filho, um dos artistas mais promissores de sua geração, que ceifou prematuramente a própria vida, com um tiro destruidor de uma espingarda calibre 20, que literalmente explodiu seus miolos.







Em 8 de abril de 1994 era encontrado pela polícia o corpo do músico Kurt Kobain, líder do Nirvana. O corpo sem vida de Kobain, apodrecendo ao menos por dois dias em sua casa, em Seattle, apresentava altos doses de heroína e vallium, consumidas à vontade por alguém que não conseguia suportar seus medos interiores, o vício em drogas pesadas e agonizantes dores de estômago, produzidos por uma úlcera que o perseguia. Assim como outros ícones autodestrutivos do rock, como Brian Jones, Jim Morrison, Jimmy Hendrix e Janis Joplin, Kobain também morreu aos 27 anos. A idade limite para o apanágio do artista movido a sex, drugs & rock'n roll.

Mas antes que um suicida solitário, Kurt Kobain foi sim um ícone de sua geração. Um "James Dean" perdido e meio nerd, de fim de século, que representou bem uma juventude do fim do século XX, uma juventude que prenunciou a chegada da internet, dos celulares, do MP3, dos I-pods, que não sonhava em ver Barack Obama presidente, e acompanhava um século indo embora, deixando muito mais dúvidas sobre os destinos da humanidade, do que certezas. Dizia-se que após a onda dos anos 80 o rock estava morrendo, nada de novo havia pintado. Axel Rose, Slash e seu Guns & Roses já tinham feito o seu melhor, e a música estava de ressaca de novos ídolos. E na verdade, Kobain não queria ser ídolo. Como um anti-herói da música jovem, Kurt Kobain apareceu com Kris Novoselic e David Grohll, montando o Nirvana, que se tornou a última grande banda seminal de rock do século. Foi dessa juventude que fiz parte, e com meus 20 anos, recém ingresso na universidade, depois de me deleitar com os discos de R.E.M. na fase do vestibular, agora escutava nas rádios Smeels like Teen Spirit, Come as you Are, Poly e Lithium, com o mesmo vigor juvenil do começo de minha adolescência.

Sem Kurt Kobain e o Nirvana, não haveria o rock que tem hoje. Sem Kobain e sua turma, muito provavelmente jovens estariam hoje, trocando músicas de sua própria autoria na internet e montando bandas, de uma forma bem diferente, e talvez bem menos interessante, se não tivessem aparecido os moleques de Seattle, que não só revolucionaram a música com seus acordes dissonantes, como também abriram espaço para uma Meca de outras bandas tão interessantes quanto eles, como Soundgarden, Alice and Chains, Mudhoney, e, é lógico, uma banda talvez tão à altura, como o Pearl Jam. Sem o Nirvana, não haveria Foo Fighters, e, sem a decadência a olhos vistos de Kobain, em cada show, não haveria toda a publicidade, hoje, em torno das pirações de Amy Whinehouse.
Concordo com o que diz o jornalista e crítico de música André Barcinski, em artigo publicado na Revista Rolling Stone Brasil, do mês passado. De fato, o Nirvana foi importante porque tirou o chamado "rock alternativo" do gueto e globalizou o som de garagem, fazendo com que garotos de óculos, meio sem graça e sem namorada, como eu, pudessem se sentir importantes naquela época. Alguns podem dizer que a vinda do Nirvana significou a ressurreição do punk, com a volta dos cabelos desgrenhados, as calças jeans largadas e rasgadas, o tênis velho e as camisas de flanela, estilo lenhador. Entretanto, antes de fazer moda e ser absorvida mesquinhamente pelo mercado, a cultura grunge lembrava sim, um pouco, a juventude dos bairros operários e decadentes da Inglaterra, na década de setenta, donde emergiu o punk, comparando-se os caras de cabelos moicano e espetados, com os jovens da também industrializada, também cinzenta e também decadente Seatlle. No Brasil, o clima frio, poluído e garoento de inverno em São Paulo também era pródigo em produzir esses tipos juvenis, interessados em extravazar seus hormônios com um tipo de som que beirava a fúria e a contestação. Mas aí é que residem as diferenças.

O som do Nirvana, expressão da alma atormentada de seu líder e vocalista, expresso a todo vapor no clássico álbum Nevermind, expressava nem tanto a fúria e a rebeldia punk, retratada nas letras do Sex Pistols, querendo levantar a bandeira da anarquia e detonar o sistema. Seguindo o exemplo de outros seres jovens e atormentados, de outras gerações (como o poeta Rimbaud, referência literária de um certo Jim Morrison), as letras e a música do Nirvana expressavam muito mais um vazio intimista, uma sensação de mal de século, uma "consciência do absurdo", como diria o escritor Albert Camus, só encontrada em outras expressões musicais de músicos também suicidas, também jovens, e também extremamente atormentados, como Ian Curtis, do Joy Division, uma década antes do surgimento do Nirvana.
A tormenta de Kobain podia ser presenciada a olhos nus em seus últimos shows, e em sua passagem pelo Brasil, em uma das edições do Hollywood Rock. Um Kobain de vestido, rouco ao microfone, cambaleante, carregando sua guitarra desafinada pelo palco, totalmente "chapado", foi uma das últimas tristes visões que eu tive, de um cara que precisava de um sério tratamento. Os escândalos de sua vida privada, com as constantes brigas e vaivéns com a mulher, Courtney Love, contrastando com o carinho e os cuidados com a filha bebê, Francis Bean, revelavam a personalidade de um cara que nunca foi afeito ao show business,e, que na verdade, estava altamente assustado com toda a visibilidade dada a sua, até então, banda de garagem. Na verdade, toda aquela badalação em torno do Nirvana se tornou mais do que prejudicial a um sujeito outrora calmo, tímido, recluso e introspectivo como Kobain, que só queria "tirar um som" com uns amigos, e sair da mesmice de sua terra natal. Talvez Kurt possa ser comparado, se eu quiser me valer de uma metáfora, aquele bebezinho da capa de Nevermind, em sua inocência de moleque franzino e cabeludo, tão somente querendo descolar uns trocados como música, em sua banda, e encontrando o inferno ao compreender a perda de sua inocência. Infelizmente, para aquele belo garoto loiro, que causava surtos em suas fãs adolescentes, o sonho acabou da pior forma possível.
A mesma indústria da fama que cultiva seus ídolos, contribuí para sua destruição. E esta frase pode parecer lugar comum, pois, afinal, muitos podem me dizer que o cara já era autodestrutivo antes mesmo de ficar famoso, e por causa de sua depressão, não teria outro destino senão o caixão. Mas que essa máquina de sucesso é de moer almas, sobretudo se elas são dotadas de impulsos suicidas. Ahh, isso é! Talvez um bom filme para se ter uma ideia da trajetória de Kobain, seja Last Days (2005), película dirigida por Guns Van Sant (Gênio Indomável), inspirado em Kobain, cujo personagem, interpretado pelo ator Michael Pitt, trata de um músico famoso e decadente, que passa o tempo todo, escondido em sua casa de campo, escondido dos companheiros de banda, da família, do empresário, e dos fãs, que agem como parasitas. Talvez tenha sido essa, de fato, a rotina de Kurt nos seus últimos dias, entre crises de abstinência por ausência de droga e dores intermináveis de estômago, além de uma tristeza profunda, que acabou levando-o ao suicídio.


Mas, já que se falou em suicídio, e o tema é tão delicado quanto perturbador, Kobain se matou porque se sentiu prisioneiro e não conseguiu escapar de sua própria angústia. Como maníaco-depressivo e viciado em drogas, Kurt Kobain conseguia como todo artista atormentado retirar uma explosão de criatividade de sua própria loucura e dor. Fico me perguntando quantos e quantos jovens se sentiram sozinhos, distantes e deslocados, assim como eu, ao ouvir e compartilhar dos sentimentos de Kobain, ao ouvir as músicas do Nirvana, ouvindo Something in the Way, por exemplo. Foi uma pena ele ter partido, por não ter conseguido enfrentar seus próprios fantasmas e barulhos internos. Que pena que isso acontece com quem sofre. Mas seu triste fim sempre vale como lição.



Ao me recordar do sofrimento de Kobain, recordei do belíssimo e comovente documentário realizado pelo ator e comediante inglês Stephen Fry, que assisti no canal GNT, chamado "Stephen Fry, e o Transtorno Bipolar". Para quem não conhece o sujeito, Fry é um popular ator britânico, que já fez vários filmes no cinema, como "V de Vingança", mas ficou famoso mesmo após interpretar Oscar Wilde no cinema. Sumido inesperadamente das telas, muitos se perguntaram por um período o que havia ocorrido com ele, cogitando-se, inclusive, que havia morrido. Recordo que na época, o cantor Zeca Baleiro compôs em seu primeiro disco, a música: "Por onde andará Stephen Fry", onde rendia uma homenagem ao ator britânico. Recuperado, Fry voltou às telas onde declarou que sofria durante anos de transtorno bipolar e que por duas vezes tinha tentado o suicídio. No documentário, o ator inglês fala de sua experiência e de seu passado, além de entrevistar várias pessoas, de celebridades a pessoas comuns, que também sofrem da doença.

Se Kurt Kobain estivesse vivo, provavelmente teria sido entrevistado por Fry em seu documentário. Infelizmente, seus males foram mais fortes do que ele, e ele foi levado deste mundo, juntando-se ao "clube idiota", como se referiu sua mãe Wendy, de artistas jovens que morreram precocemente, juntando-se a Hendrix, Jones, Morrison, Dean, Curtis, e outros astros, imortalizados na imagem bela e ao mesmo tempo triste, de galãs decadentes, que nunca envelhecem.











Gates e Jobs

Gates e Jobs
Os dois top guns da informática num papo para o cafézinho

GAZA

GAZA
Até quando teremos que ver isso?