domingo, 27 de setembro de 2009

ENQUANTO ISSO: EM HONDURAS

E segue o périplo do presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, confinado na embaixada brasileira em Tegucigalpa. Enquanto soldados armados até os dentes com tanques, fuzis, metralhadoras e bombas de gás lacrimogênio o esperam do lado de fora da embaixada, sob o pressão do governo golpista de Roberto Micheletti, o presidente deposto e sua comitiva esperam o "circo pegar no fogo" na comunidade internacional, e algum tipo de mediação (sai que é tua Celso Amorim!!) que o leve de volta ao palácio presidencial. Entretanto, até o momento, não adiantaram as pressões internacionais ou a reprovação da ONU ou da OEA, ou mesmo os apelos de Lula, ou de Barack Obama. O governante interino de Honduras já disse que Zelaya poderia "passar dez anos morando na embaixada brasileira", mas que quando saísse, seria preso. O presidente golpista ainda soltou diversos desaforos ao governo brasilero, afirmando que tomará "medidas adicionais", caso o Brasil não se manifeste acerca do abrigo concedido a Zelaya. Para bom entendedor a intimidação foi clara: o cara tá chamando pra porrada!!!
A edição do mês de agosto da revista Carta Capital traz reportagem bem elucidativa acerca da crise em Honduras. O país, pobre de marré, marré, marré, com mais de 50% da população de ascendência indígena abaixo da linha de pobreza, é mais conhecido internacionalmente pela exportação de banana e café, e como "república das bananas", hospedou nos anos oitenta, o movimento conhecido como "contras", para assegurar a insurgência militar contra o governo revolucionário sandinista de Daniel Ortega, a mando da CIA e dos EUA. O presidente deposto é oriundo da elite política e econômica que se desenvolveu no país, formada maciçamente por latifundiários e representantes de empresas norte-americanas de extração de frutas. O pecado de Zelaya foi ter se afastado da classe que o elegeu, contrariando os interesses das multinacionais e de latifundiários, ao anunciar profundas reformas sociais que mexeriam com privilégios da minoria abonada, aproximando-se de líderes controversos, como Hugo Chavez da Venezuela, contrariando os interesses da elite local, majoritária no Congresso e no Suprema Corte do país. Contando com forte apoio popular, Zelaya acabou por optar por uma saída "chavista", propondo ao Congresso sua própria reeleição à presidência, apesar da Constituição hondurenha não admitir esta possibilidade. Foi justamente sob esse argumento que os "macacos" fardados, liderados pelo presidente do Congresso Micheletti, invadiram pela madrugada o palácio presidencial, e pegando um ainda presidente só de pijamas, o escoltaram até o aeroporto para fora do país, instaurando um golpe miitar.
Já foi dito aqui neste blog que a América Latina, nesta nova fase histórica, nesse começo de século XXI, não admite as saídas totalitárias do passado, com corriqueiros golpes militares.
Conforme os estudos do teórico uruguaio Eduardo Galeano, na célebre obra: As veias abertas da América Latina, a história do século XX foi a história dos golpes na paisagem tropical da América Latina, com uma instabilidade política grotesca, em meio a caos social, miséria e um processo contínuo de exploração dos países pobres pelos mais ricos. Os Estados Unidos, sem dúvida, tiveram uma grande parcela de culpa nisso, sobretudo na época da Guerra Fria, mas o que se vê hoje, na nova geopolítica global, é que esse mesmo governo norte-americano, agora liderado por Obama, compõe junto com os demais países um discurso multilateral, condenando com veêmencia o golpe em Honduras. "Nunca antes na história desse país", como diz o bordão do presidente Lula, um golpe de Estado foi tão criticado pela opinião pública internacional, merecendo a condenação unânime de todas as nações, sem distinção. Ninguém até o presente momento reconheceu o governo de Micheletti, a não ser ele mesmo e seus asseclas no Legislativo e no Judiciário hondurenho, e, muito provavelmente ninguém reconhecerá.
Mas o que realmente interessa para nós brasileiros e até que ponto o Brasil se encontra envolvido na confusão em Tegucipalga e até que ponto os representantes da embaixada brasileira vão resistir às pressões do exército, às portas do prédio diplomático, operando cortes de água, luz e medicamentos, proibindo a entrada da Cruz Vermelha, e mantendo repressão violenta a manifestantes, que expulsos das ruas, não obtiveram sucesso em reclamar de volta o seu presidente, legitimamente eleito. A estimativa é de que ao menos duas pessoas morreram no confronto, e dentro da embaixada, onde se encontram além de apoiadores de Zelaya, funcionários, incluindo-se mulheres e crianças, já se conta que há também feridos, num expediente flagrantemente covarde e desumano, perpetrado pelo famigerado governante golpista hondurenho.
Não há sombra de dúvida de que Zelaya é um populista, fazendo pose com seu chapéu de fazendeiro "a la Frank Aguiar", deitado em uma rede com suas botas de boiadeiro, enquanto o caos impera nas ruas de Tegucigalpa. Mas também não há dúvida de que foi o povo hondurenho que o colocou no poder e compete somente a ele, como em todas as democracias, tirá-lo, conforme os procedimentos legalmente previstos, seja pelo direito interno, seja conforme às normas de direito internacional. Não adianta nada o governo golpista alegar que o presidente cometeu um crime ao propor rever a Constituição, quando no mundo inteiro legisladores propõem isso o tempo todo, sem correrem o risco de serem expulsos à baionetas de seus gabinetes.
O tempo da truculência já passou, e enquanto o mau exemplo de Honduras perdurar, o golpe havido vai ficar como um mal sinal de que a democracia ainda não chegou de fato ao continente latino-americano. Não chego a fazer voto com o jornalista Roberto Pompeu de Toledo, que em artigo da revista Veja, massacrou Honduras e o povo hondurenho, dizendo que a América Central é um "acidente no mapa", face a sua insignificância internacional, e que na verdade está sendo um erro o Brasil participar indiretamente de tão calamitosa crise, já que a participação do governo Lula no episódio é apenas um pretexto pra credenciar o país como mediador capaz, e apto candidato a membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Mas não é isso mesmo?? Não queremos a vaga? Não vai ser importante pro nosso país isso? Ou será que devemos manter nossa "síndrome de vira-lata", como bem quer a elite tucana paulista, dependente do capital internacional? Ué? Será que os norte-americanos em tempos idos não pensavam a mesma coisa do Brasil? Não fomos nós também uma "republiqueta de bananas", com direito a Carmen Miranda, e Zé Carioca, governados pela batuta dos generais há pouco mais de vinte anos?? Afinal, faça-me o favor senhor Toledo! Eu quero mesmo é o que o Brasil reaga à provocação de Micheletti e coloque tropas à disposição da embaixada, caso o governo golpista hondurenho decida invadir nossa representação diplomática, que é parte do território brasileiro.Se é pra sair pra briga, que seja por uma boa causa, pela democracia e contra golpes miltiares. Abaixo a ditadura em Honduras!!!

CRIME NA TRAGÉDIA EM SANTO ANDRÉ: Qualquer dia desses, iremos pelos ares!!

Esta semana vimos um misto de irresponsabilidade dos poderes públicos e conduta criminosa de alguns ao saber da explosão de uma fábrica clandestina de fogos de artifício, em Santo André/SP. Localizada em plena zona residencial, o local explodiu, provocando a combustão instantânea de milhares de galões de pólvora e querosene, destruindo a vizinhança. Paredes de prédios desabaram, carros foram queimados e arremessados pelo ar com violência, fios de alta tensão derreteram, residências viraram escombros, e o pior: um saldo de 2 vítimas fatais, além de centenas de feridos. De quem é a responsabilidade?

Foi num começo de tarde do dia 24 de setembro, que os moradores da rua Américo Guazelli, em Santo André, viram sua monotonia transformar-se em pesadelo. Uma loja de fogos de artifício pertencente a Sandro Castellani, possuía enorme quantidade de explosivos armazenados clandestinamente. Quando ocorreu a explosão, morreu instantaneamente a faxineira do loja, Ana Maria Martins, além de Denian Castellani, parente do dono do estabelecimento. O estrondo pôde ser ouvido na capital paulista, principalmente nos bairros vizinhos ao Grande ABC. As fotos e a reportagem da imprensa mostram o que era antes uma pacata rua transformada num cenário de guerra. Parecia que uma bomba ou um míssil atingiu o local.


O que mais me revoltou foram os depoimentos dos vizinhos, vítimas da explosão, que tiveram seu patrimônio destroçado, além de correr sério risco de morte. Uma senhora, ainda aos prantos, após se recuperar do choque, disse que a prefeitura sabia da existência do local, e os fiscais da prefeitura, assim como os bombeiros, recebiam propina do proprietário para permitir que a loja continuasse funcionando. Uma loja de explosivos em plena zona residencial. Quem diria!! Bom! Na periferia acontece de tudo, não é mesmo?? Pois é lá que reside o descaso do poder público.


Não se banaliza a violência apenas por existir uma polícia repressora de um Estado totalitário, onde os moradores da periferia estão sujeitos a todo de tipo de abuso, mas também o descaso e a falta de fiscalização das condições de segurança nos prédios da cidade, como tristemente aconteceu em Santo André. Os moradores entrevistados afirmaram que cansaram de telefonar para as autoridades, pedindo o fechamento da loja intrusa, por apresentar riscos a toda a comunidade. Mas não adiantou, a tragédia anunciada se concretizou quando as paredes e o teto das casas vizinhas ao local da explosão voaram pelos ares.


Desde crianças somos advertidos por nossas mães a não brincar com fogo. Conselhos que geralmente uma criança não segue, cega em sua empolgação juvenil, acabando por descobrir que o fogo queima da pior forma possível. E foi dessa forma que na Argentina, em 2004, próximo às festas de fim de ano, os moradores de Buenos Aires descobriram da pior maneira possível os males que os fogos de artíficio fazem. Naquela época, num show da festiva banda Los Callejeros, na boate República Cromagnon, no bairro de Once, alguém da platéia usou um rojão, explodindo fogos pelos ares que acabaram por atingir o teto de lona do local, provocando um incêndio dramático, que matou mais de duzentas pessoas, dentre elas parentes dos próprios membros da banda, numa das maiores tragédias urbanas da metrópole portenha. Eu presenciei o estrago dessa situação quando viagei a Buenos Aires pela primeira vez, para curtir o reveillon. Acreditem! Foi a mais triste e mais desoladora passagem de ano que já vi num lugar, numa Plaza de Mayo esvaziada, em sinal de luto e respeito pelos familiares que perderam seus entes queridos, num lugar acostumado a presenciar grandes festas populares. É! Brincar com fogos custa vidas, sendo as mais recentes aquelas ceifadas com a explosão da loja de fogos em Santo André.


Fico imaginando se a explosão ocorresse em Higienópolis, na capital paulista, morada do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ou na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Lá, os fogos de artifício são outros e os petardos são feitos de hipocrisia, arrogância e perfídia, e não de pólvora ou querosene. Assisti a uma das moradoras atingida pela explosão, visitar o que seria sua nova casa, caminhando sobre os destroços dos móveis recém-colocados na residência e agora totalmente destruídos, com as lágrimas correndo no rosto, exclamando num sincero desabafo:"não é justo!". Pois é! Não é justo a forma como o poder público local lida com comunidades de trabalhadores, não tendo o mesmo descaso com os bairros chiques da classe alta e letrada paulista. Não é justo ver que o IPTU pago todo ano à Prefeitura não é suficiente para manter mecanismos de fiscalização eficientes.


Castelanni já informou à imprensa através de um sobrinho que vai se apresentar à polícia, informando que a explosão na loja se deu por conta de um curto-circuito, no momento da instalação de um antena de TV. Ora vejam! Uma antena de TV! Que agora sintoniza em todos os canais a tragédia ocorrida pelo descaso, pela irresponsabilidade e pela vontade de ganhar dinheiro a qualquer custo. Já que cada um tem que se virar, não é mesmo? Mesmo que seja vendendo ilegalmente fogos de artíficio. Enquanto isso a vida segue, até que não se exploda tudo, de uma vez por todas, por conta da irresponsabilidade alheia. Quer um conselho: não solte fogos!!

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

DIREITO & CULTURA: Bailes Funk-Até onde se garante a liberdade de expressão e até onde prevalece o crime (mesmo que só contra nossos ouvidos)?

Em artigo publicado na revista Época, de 7 de setembro de 2009, a jornalista Ruth de Aquino, diretora da sucursal da revista no Rio de Janeiro, no final da publicação, analisa criticamente recente aprovação, na Assembléia Legislativa carioca, da realização de bailes funks no Rio. Agora, por lei, esses eventos são reconhecidos como uma "manifestação cultural" do Rio de Janeiro. Salve o morro!! Salve a feijoada!!Salve a Velha Guarda da Portela!!Salve Romário!! Saravá, povo carioca!! Eu sou o samba e agora o funk!!Viva a cidade maravilhosa!! O Rio de Janeiro continua lindo!! Liberou, liberou, agora o bonde vai chegar!!



A jornalista critica arrazoadamente bem o mau gosto, a apologia do crime, da pedofilia, da banalização do sexo e a ridicularização da mulher nas letras das músicas que embalam a maior parte dos populares bailes cariocas, que agora saíram da periferia e podem chegar até a classe média, espalhando-se pelo Méier, pelo Leblon, por Ipanema (ué?Jà não rolava na praia?), na Gávea, e bombar até nas festinhas adolescentes de condomínio, na Barra da Tijuca. É só apurar um pouco os ouvidos para destacar nas letras dessas músicas, algumas pérolas, tais como a clássica Funk Carioca, do MC Cariocaholic: "No estilo Titholina (alusão a atriz pornô italiana Ciciolina)Tu da uma agachadinha!Descendo devagar,Vem que eu vou te ensinar! Não para!Não para! Não para!". Ou então outra, de Thati Quebra-Barraco: " Ir para o hotel, pra brincar com o pikachu. Me chama de cachorra que eu faço au au!" (nem precisa dizer que o Pikachu a que ela se refere não é o personagem do desenho-animado japonês). Tem ainda a clássica, do Bonde do Tigrão: "Na hora do rale-rola.Não existe preconceitoVem pra cá thuthuca lindaQue eu vo faze do teu jeito!" Que lindo e romântico não acham??? Que tal essa, bem explícita, do grupo Facção Central: "Vou furtar seus bens e ficar bem louco, se eu quero roupa e comida, alguém tem que sangrar, vou enquadrar uma burguesa e atirar para matar". Machado de Assis ficaria boquiaberto!
O Rio de Janeiro é nosso laboratório da cultura de massas nacional, porque lá acontece de tudo, desde a violência explícita do conflito de policiais e traficantes nos morros, até as cenas idílicas de amantes caminhando de mãos dadas na praia, bem típica de cena de novela da Globo. Se por um lado, na periferia, pululam igrejas pentecostais e neopentecostais, tentando afastar o povo carioca do diabo, do outro, prolifera a licenciosidade típica de um povo acostumado com carnaval, choppe à beira da praia, regatas,turistas e muito sol, num dos mais belos cartões postais do mundo. O povo do Rio é a cara de sua geografia, irregular, entrecortada por morros que atravessam a cidade, e que, forçadamente, impõem um convívio cotidiano da periferia com a classe alta. O mix de culturas é inevitável, e, entre gringos, trabalhadores, aposentados, funcionários públicos, empresários e traficantes, estão os funkeiros, tomando o lugar dos tradicionais sambistas dos míticos morros citados nos sambas de Noel Rosa e Cartola. O funk carioca, é, portanto, a última expressão cultural da terra de Tom Jobim, quer se goste ou não, num retrato sonoro da urbe idilíca, aos pés do Cristo Redentor, acossada dos males de sua urbanização disfuncional.
Quando os deputados da Assembléia Legislativa do Rio decidiram regulamentar os bailes, legalizando sua estrutura e permitindo que suas letras maliciosas ecoassem por toda a cidade maravilhosa, os "dignos" representantes do povo apenas reproduziram algo que já estava na cabeça da "geral": deixa o povo ouvir o que o povo gosta, esse é o argumento, mesmo que o que caía no gosto popular, não seja exatamente um Beethoven ou um Puccini. As letras do funk espelham, nada mais nada menos, do que a realidade do povo da periferia carioca, que entre um tiroteio e outro busca exercitar sua libido, elogiando as ancas bonitas e as pernas bem torneadas das belas mestiças moçoilas cariocas, que, inseridas numa cultura de erotização precoce e banalização do sexo, acabam por ser objeto de letras que, pouco, ou nada tem a oferecer de criatividade. É a música do gueto, que assim como o hip-hop paulista, ecoa de lugares onde faltam políticas públicas básicas (as tão faladas saúde, educação, saneamento, transporte e segurança), assim como falta também cultura, ou melhor dizendo, manifestações culturais alternativas veiculadas por meios oficiais (pra não parecer totalitário), ou pelo menos com mínimo apoio institucional (que o diga o Zeca Baleiro), que sirvam como opção, e não como imposição de uma cultura de elite à cultura local. Afinal de contas, funk também é cultura, ou se preferirem, ao menos contracultura, e isso é difícil de questionar.
Nesse embate cultural entre o popular e o erudito, do que o povo gosta e do que a elite vende, estão certos os Mcs, empresários de grupos musicais, organizadores de bailes, e funkeiros, de que a legalização do funk no Rio ajuda a criar empregos. Disso eu não tenho dúvida. Assim como o narcotráfico também é fonte de renda pra milhares de garotos, recém evadidos da escola, que de posse de um rádio-comunicador e um fuzil AR-15 nas mãos, completam o orçamento familiar, além das drogas que ajudam a vender nas escadarias dos morros fluminenses. Afinal, cada qual tem que se virar, não é mesmo? O que discuto é se outras opções seriam possíveis para esses jovens e trabalhadores, se vivessem numa realidade diferente, onde as letras de música, por consequência, reproduzissem um outro contexto que não o de adolescentes tarados em busca de diversão, no meio de morros e favelas assolados por traficantes e policiais corruptos ou truculentos. O funk como é cantado agora reproduz o cenário cotidiano do preto, pobre e feio da periferia carioca, que através da música quer atrair algumas "tchutchucas" para seu gingado propositadamente obsceno. Até aí não vejo mal algum, pois nessa Terra de Vera Cruz ainda é direito constitucional alguém poder se expressar livremente, mesmo que sua forma de expressão seja a mais chula manifestação de ideias. O debate que se quer ver feito no Rio é se, além de serem de mau-gosto, as letras do funk podem impulsionar a criminalidade, no momento em que algumas de suas letras exortam o papel dos traficantes. Ora, se o autor da letra retrata seu cotidiano na canção, é natural que faça parte dele também o traficante, e não apenas as palmeiras coloridas da Avenida Atlântida em Copacabana. O artista reproduz o mundo que vê, mesma que seja pelos olhos distorcidos da favela, ou de sua classe social. E também não vejo mal nenhum nisso. Assim como não vejo mal na realização dos bailes (onde, certamente, nunca irei), como alguns alegam, quando estes eram proibidos na zona urbana carioca, sob o pretexto de serem locais de tumulto e de incentivo ao crime. Afinal de contas, até em festas religiosas e em quermesses acontecem crimes, sendo o Carnaval a maior festa popular onde a vigilância policial do Estado fica redobrada, pelo acúmulo de ocorrências. Por que só no baile funk haveria tiroteio, brigas, tráfico de drogas e violência sexual?? Se fosse assim deveriam ser então proibidias todas as micaretas em território nacional. E indiciada por apologia ao crime a Ivete Sangalo! Já pensou? Coitada da grávida!
Apesar de tudo amo o Rio de Janeiro, assim como amo esse país e sua cultura. Amo a diversidade e a possibilidade das coisas nunca serem prontas, mas poderem ser modificadas ou requentadas pelo tempo. Acredito que a febre do funk é passageira, assim como são passageiros os modismos e as tangas de croché do Fernando Gabeira. Mas informo que a miséria cultural, a desigualdade social e o contraste entre morro e condomínio permanecerão inalterados na cena carioca, e, em torno disso, muitos Tigrões e Quebra-Barracos ainda hão de aparecer, como se a periferia desse a cara à tapa diante da hipocrisia oficial, dizendo que também existe, mesmo que para cantar letras grosseiras, de uma música que entope mais os meus ouvidos do que a caixa de gordura do meu assento sanitário. Não resta outra alternativa às mães zelosas e recatadas, do que tão somente tapar os ouvidos de suas criancinhas, quando um guri negrinho de boné e cheio de pulseiras, aparecer com um altofalante, tocando as músicas de seus Mcs prediletos. Ainda prefiro isso do que ouvir Vanuza cantando o hino nacional. Fazer e ouvir música ruim não é crime, mesmo que seja um atentado contra nossos ouvidos e nossa saúde mental. Boa sorte para o meu camarada do morro, que entre uma bala perdida e outra, ainda tem tempo de fazer troça de sua própria condição. Vem dançar, vem dançar, o Tigrão vai abalar!

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

PERSONALIDADE: Belchior e a "Filosofia do Sumiço"

Não tem escândalo no Senado, não tem crise econômica mundial, não tem aquecimento global e nem a pandemia da Gripe A, o que interessa ao brasileiro mesmo, nessa sociedade midiática, é falar de seus ídolos, cultivar mistérios sobre personalidades, imolar em praça pública com capas de discos nas mãos, seus músicos prediletos, como a impressionante romaria global que foi vista com a morte de Michael Jackson. E a cada mês, aparece um outro caso fascinante, outra notícia de interesse coletivo que, puxada pela mídia, propaga-se até ganhar as dimensões de uma avalanche e tomar a atenção de todos os espectadores.

Foi esse o caso da súbita atenção dada ao cantor e compositor cearense Belchior, um ícone dos anos setenta, hoje um sessentão, que há muito não aparecia na grande mídia e nem sequer emplacou mais nenhum sucesso desde seus clássicos como "Velha Roupa Colorida", "Foi por Medo de Avião", "Paralelas", ou "Como nossos Pais". Há mais de um ano o cara tinha simplesmente sumido! Desapareceu! E como uma nuvem de fumaça levou consigo seus discos e livros, e nada mais. Seu apartamento, com despesas atrasadas foi encontrado vazio e com os alimentos ainda apodrecendo na geladeira, dois carros do cantor foram encontrados em estacionamentos distintos (um no Aeroporto de Congonhas), literalmente enferrujando, enquanto os advogados de seus credores corriam a procura do cantor, que "deu no pé". A família não sabia notícias, a ex-mulher reclamava da pensão não paga da filha, e por meio da internet, de forma bem humorada, surgiram campanhas oferecendo até engradados de cerveja para quem ajudasse a encontrar o ídolo desaparecido. Chegou-se a fazer a brincadeira de incluir Belchior dentro do elenco dos personagens do seriado Lost, pois talvez ali ele tivesse se encontrado. Enfim, onde estava Wally? Onde estava Belchior?
Recordo de ter encontrado pessoalmente Belchior no saguão do aeroporto de Guarulhos, na década de noventa, muito provavelmente vindo de alguma de suas turnês. Eu o reconheci entre os passageiros, na sala de embarque, sentado lendo um livro ao lado de um amontoado de caixas e de aparelhos de som. Deixei soltar a tiete dentro de mim e o cumprimentei, sendo recebido amavelmente por ele, que não mostrou qualquer incômodo em ter sido reconhecido. Falei a ele que também era músico (amador, na época), além de advogado, e que eu tinha conhecimento dos talentos artísticos dele, que não passavam apenas pela música, mas também pela literatura e pela língua portuguesa, como o ex-professor que Belchior um dia foi e que eu acabei me tornando. Após algumas palavras e relembrando alguns músicos potiguares que Belchior conhecia, ele se despediu, deixando antes uma dedicatória e um original autógrafo em um livro de semiótica que eu carregava em uma das mãos, revelando uma caligrafia impecável. Sim, o cara realmente entendia de literatura e era um estudioso de caligrafia, e o livro ainda se encontra guardado em uma de minhas estantes.
Creio que Belchior em sua suposta irresponsabilidade tão e simplesmente foi fiel a sua obra e reproduziu liricamente suas desventuras, tornando-se realmente "aquele rapaz latino-americano sem dinheiro no banco" (e muitas dívidas), seguindo pelas "paralelas das ruas", acabando por viver "como nossos pais". Quantos de nós já pensaram em fugir, deixar tudo para trás (lares desfeitos, desilusões amorosas, dívidas, "cagadas" feitas no passado, vícios, fãs chatos, pensões de ex-mulheres, pagamento de advogados). O caso de Belchior poderia ter se assemelhado ao do cantor britânico Cat Stevens, que nos anos setenta, no auge da carreira, simplesmente sumiu, chegando a ser dado como morto pela indústria fonográfica e por muitos fãs. O cara só retornou a aparecer em meados da década de 80, quando se descobriu que o músico havia se convertido ao islamismo, tinha mudado de nome para Yusuf Islam e tinha se tornado um dedicado professor do Alcorão, numa escola religiosa no Oriente Médio e somente agora, há poucos anos voltou a cantar. A diferença é que hoje a carreira de Belchior é uma vaga lembrança de suas míticas músicas do passado, e através do programa Fantástico, apresentado no domingo último, o cantor cearense não virou padre, aderiu ao budismo ou coisa parecida, numa cruzada religiosa, mas sim se mandou para o Uruguai, onde vive num aprazível sítio no meio do pampa, segundo ele vivendo de traduções de suas letras e canções para o espanhol.
Fugir para o Uruguai e virar tradutor. Não deixa de ser uma saída poética a fuga tresloucada (e para muitos irresponsável) de Belchior. Quantos executivos já pensaram em afrouxar a gravata, jogar o paletó no chão, arremessar a maleta pela janela do carro, no meio do congestionamento e desistir de tudo, fugindo pra uma praia, virando pescador na Bahia, ou artista no interior do Pará? Quanto a Belchior, seu sumiço serviu para chamar a atenção da mídia e do público novamente para sua obra, e as manifestações de solidariedade e saudades da classe artística (fora as divertídissimas brincadeiras que apareceram na web), que apenas demonstram o quanto o autor de "Velha Roupa Colorida" ainda é capaz de despertar interesse e nos fazer refletir sobre o ocaso do sucesso. Alguns se entediam da fama e acabam morrendo de overdose ou se suicidando, como no caso de personagens tão díspares quanto Jim Morrison ou Kurt Cobain. Outros, sucumbem aos excessos (álcool, drogas, sexo) e morrem de AIDS, como ocorreu com Cazuza, Fredie Mercury ou Renato Russo ou de males associados à bebida, como Raul Seixas e Wilson Simonal. E alguns simplesmente somem, saem de circulação, como ocorreu recentemente com Belchior. Na tentativa de recomeçar a vida, para alguns, vale até deixar o carro parado no estacionamento, abandonar o apartamento na cidade grande, deixar de visitar os filhos ou dar notícia à família, e simplesmente desaparecer. Talvez, para muitos psicólogos, presos ao racionalismo freudiano, condutas como essa de fugir, deixando tudo para trás, sejam uma saída infantilizada e irresponsável, num surto adolescente, que acomete a quem não consegue resolver seus próprios problemas como um adulto; ou, para outros, seja uma forma decente de recomeçar, sem querer dar um tiro na cabeça. O filósofo e escritor argelino Albert Camus já escrevia em sem Mito de Sísifo, sobre " a consciência do absurdo", que nos faz ver, de repente, que não faz sentido nenhum a vida que estamos seguindo. Uns viram religiosos, outros poetas, alguns se matam, ou simplesmente saem de cena, desaparecem, revestindo os seus dramas de um caráter enigmático. Entre a perdição e o mistério, prefiro ficar com o mistério, e, ao menos o mistério do paradeiro de Belchior foi desvendado pela Rede Globo.
Belchior só precisou de um par de pernas, um pouco de cara-de-pau e uma mulher ao seu lado para iniciar sua longa caminhada de autoexílio, provavelmente dirigindo pelas paralelas da BR101 até chegar no Uruguai (já que como diz a música: "foi por medo de avião"). Talvez Belchior tenha descoberto que "a felicidade é uma arma quente" (segundo a própria letra de sua música, parodiando os Beatles), e por isso decidiu se afastar. Sabe-se lá o que se passou na cabeça do bigodudo, sabe-se o que vai passar! Afinal de contas, todos tem o direito de assumir as consequências de suas escolhas, e uma delas, ao menos para Belchior, foi um súbito ostracismo, que paradoxalmente o elevou à celebridade novamente. Afinal, deixem o cara em paz!

Gates e Jobs

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Os dois top guns da informática num papo para o cafézinho

GAZA

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Até quando teremos que ver isso?