sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

CRISE POLÍTICA: O RN QUE AFUNDOU

Nos seus escritos póstumos, após a Genealogia da Moral, o filósofo
Friedrich Nietzsche formulou sua crítica sobre os  direitos e o Estado moderno da seguinte forma:

"direitos aquele que tem mais poder estabelece os funcionários públicos uns em relação aos outros; e deveres aquele  tem mais poder estabelece os administradores para o seu próprio proveito."

Eu não poderia então deixar de imaginar Nietzsche ao me deparar com a atual situação caótica do Rio Grande do Norte, manchete do noticiário nacional, seja na web, nos jornais impressos ou nos meios de comunicação de massa, como a televisão. O desgoverno a que chegou a terra do camarão e de Câmara Cascudo apareceu na tela do Jornal Nacional, e o quadro mostrado para todos os brasileiros, ao menos essa semana, é de desalento, confusão e muita insegurança.

Com os serviços públicos essenciais praticamente paralisados, o estado da federação de responsabilidade do governador Robinson Faria tem seus principais hospitais públicos em greve, a universidade parada, sem data para retornar, e, principalmente, uma crise sem precedentes na segurança pública, com a Polícia Militar paralisada sem sair as ruas, uma Polícia Civil operando com apenas 20% do seu contingente, bombeiros e a defesa civil insuficientes e uma perícia criminal quase inexistente, sem peritos ou legistas, tudo atribuído a uma gestão que há meses não paga seu funcionalismo. Aproxima-se a virada do ano, e até o reveillon, milhares de servidores do Poder Executivo não receberam sequer suas remunerações do mês de novembro e o décimo terceiro constitucional, não tem nem mesmo previsão de pagamento.

A crise é generalizada, e as consequências dela são sentidas por toda parte entre a população. Arrastões constantes em estabelecimentos comerciais, uma curva de homicídios em frenética e assustadora ascensão, assaltos a transeuntes diuturnos, furtos e roubos em residências, falta de policiamento em pontos turísticos e de grande movimento. O Rio Grande do Norte vive um cenário de incerteza e uma realidade de penúria financeira que me faz recordar postagem feita aqui neste blog, anos atrás, quando eu comentava os derradeiros e infelizes últimos dias do governo municipal da Prefeita Micarla de Souza, e a decadência da gestão pública na cidade do Natal.

Eis que a crise agora assola  todo o estado do Rio Grande do Norte e não somente sua capital. Coube de cair no colo do governador Robinson Faria, que, quando candidato, derrotou o representante máximo da oligarquia que dominou durante anos a região, o ex-deputado Henrique Eduardo Alves, sob o slogan de que seria o "governador da  segurança", o triste destino de talvez ser o maior responsável pelo colapso do mesmo aparato de segurança, que um dia o atual mandatário prometeu modernizar.

Mas quais as razões de tamanha crise? Será apenas um reflexo da crise nacional? Um resultado direto das nefastas reformas trabalhista e previdenciária patrocinadas pelo governo golpista de Michel Temer? Seria tudo somente produto de má gestão administrativa? O dinheiro teria sumido pelo esgoto por pura roubalheira? O Rio Grande é tão ou mais arrasado financeiramente que o Rio de Janeiro? Foi a Copa do Mundo que fez com que os recursos financeiros deslizassem pelo ralo? Na verdade, a atual e mais tétrica crise político-financeira potiguar tem razões muito mais profundas de ser.

São diversos prognósticos, mas todos convergem para a constatação de que o RN foi para o fundo do poço devido a uma conjunção de fatores associados a um mesmo perfil de gestor público: tecnocrata, vinculado a interesses oligárquicos, com uma visão limitada e provinciana do emprego efetivo de recursos públicos e a ausência de uma política regionalista, que favorecesse verdadeiramente o interesse público e não tão somente interesses privados. Antes das corporações ligadas às empreiteiras, bancos ou agronegócio havia as famílias, e assentada numa forma clânica de exercício do poder familiar, durante décadas (e em alguns casos, há mais de um século), o Rio Grande do Norte foi governado por famílias que, numa visão tosca do velho coronelismo, mantiveram a região atrasada num velho modelo agrário-exportador. Nunca foi dado espaço ao desenvolvimento, no sentido de se montar um parque industrial para o estado (hoje, fala-se muito no aproveitamento de energia eólica). A indústria têxtil algodoeira, que há mais de trinta anos mostrava-se produtiva, especialmente na região do sertão do Seridó, sob o pretexto de ter sofrido com as pragas naturais que destruíram sua principal matéria-prima (algodão consumido pelo surto do bicudo), não mais vingou e o grupo Guararapes, até então formador de empregos em larga escala, preferiu mudar-se para outras regiões, firmando-se na região sudeste como a vitoriosa rede de lojas de departamentos Riachuelo. As linhas férreas foram desmanteladas, a exemplo do que ocorreu no restante do país, e o excedente da produção agrícola local não mais chegava com pontualidade às regiões portuárias. Preferiu-se dar valor ao agronegócio, especialmente à promoção de incentivos fiscais à produção de sucos, incentivando a fruticultura. A promissora exploração de barrilha (minério extraído do sal), na região de Macau, sede da região salineira do estado, acabou por naufragar face décadas de descaso, culminando com o fechamento da antiga empresa estatal responsável por tal setor, a Alcanorte. A exemplo do que ocorreu no Rio de Janeiro, a exploração de petróleo em regiões como Mossoró e Guamaré não se mostrou mais rentável para o estado, principalmente no que tange à parca distribuição de royalties, contribuindo-se para a ausência de desenvolvimento na região, principalmente por conta da falta de uma refinaria. Focando-se muito mais na exportação de matéria prima e no turismo, o Rio Grande do Norte passou a ser conhecido mais por sua bela natureza, com geografia privilegiada que possibilitava um bom turismo ambiental, do que como uma região evoluída, apresentando altos traços de desenvolvimento.

Contribuiu para essa estagnação a forma tacanha de gestão dos recursos públicos por sua elite política, pouca afeita à defesa do interesse público e mais próxima dos interesses particulares de um grupo ou casta. Com resquícios feudais do velho fisiologismo e clientelismo que remontam os tempos da colonização portuguesa, no Brasil república a distribuição do poder permaneceu em sinecuras locais, donde, numa troca de favores eram distribuídos cargos entre grupos familiares, que ora se digladiavam, ora se revezavam no poder, transformando uma disputa oligárquica num embate eleitoral. Nesse sentido, a compra de votos e os currais eleitorais eram escancarados, e famílias de latifundiários e empreendedores dependentes das alianças com o Estado, acabavam por disputar campanhas políticas, conquistando cargos eletivos elevados, tanto nas esferas do Poder Executivo, quanto do Legislativo.

Com a prisão de Henrique Alves enfraqueceu-se uma oligarquia.
Adotou-se a velha prática provinciana de se votar pelo sobrenome. Desta forma, por gerações, aqueles que compartilhavam do nome Maia, Alves ou Rosado ocupavam cargos que outrora eram distribuídos entre os Mariz ou os Maranhão, culminando com o fato de que na última eleição proporcional, realizada há quatro anos antes, os 8 (oito) representantes eleitos para a bancada federal de deputados, tinham sobrenome que revelam algum tipo de parentesco ou vínculos de ascendência, descendência ou casamento com algum chefe político local ou seu familiar, driblando a vedação constitucional e a legislação eleitoral. Atualmente, outra oligarquia que acabou se formando foi as do Faria, representados pelo pai, Robinson, governador do estado, e Fábio, o filho, deputado federal, ambos do PSD, partido de Gilberto Kassab, que cravou uma faca nas costas da presidente Dilma Rousseuf num golpe travestido de impeachment.

Tais grupos passaram a ser legitimados por diversos tentáculos espalhados, ou ramificados no interior da administração pública. Dentre os agentes políticos, poucos não tinham alguma vinculação com um representante dessas poderosas famílias. O RN notabilizou-se pelos seus oligarcas, assim como em outros estados do Nordeste, que, em alguns casos, conseguiram romper com isso e apresentar algum grau de desenvolvimento, tais como a Paraíba, Pernambuco, Bahia, Piauí e Ceará. Até o Maranhão passou a conhecer dias melhores desde que o clã Sarney foi apeado do poder pela força das urnas, sendo o estado hoje administrado pelo governador do Partido Comunista, Flávio Dino. Já no RN, até por conta de seu arraigado coronelismo, tradicionalmente o Poder Executivo foi ocupado por um Alves ou um Maia, e até mesmo a falecida ex-governadora Vilma de Faria, que tentou no começo dos anos 2000 firmar-se como terceira via, era associada ou foi durante anos casada com o ex-senador Lavoisier Maia e teve como padrinho político o senador e ex-governador José Agripino Maia. Já no clã dos Alves o golpe em sua estrutura política foi severo, com a prisão do ex-deputado, ex-presidente da Câmara e ex-candidato a governador, Henrique Alves, do PMDB, outrora oponente de Robinson na eleição. O eleitor do Rio Grande do Norte teve que lidar com duras alternativas eleitorais no ano de 2014: eleger aquele que acabou se tornando um dos piores governadores da história do estado, ou votar em um oligarca que hoje encontra-se preso, envolvido em vultosos escândalos de corrupção, sem a menor previsão de quando irá sair da cadeia. Henrique é representante do mesmo clã político latifundiário e dono de meios de comunicação que, durante décadas, valeu-se da estrutura do poder público para bancar os projetos pessoais de seu ambiente familiar, em prejuízo dos interesses populares.

Mas e os outros poderes em relação a isso? Na sanha de conquistar apoios, legitimar e manter seus próprios privilégios e interesses, numa aliança espúria, representantes do Poder Executivo acabaram por vender regalias aos membros dos outros poderes, inflando a folha de pagamento do Estado, com uma série de adicionais, gratificações e auxílios incorporáveis à remuneração. Com isso, magistrados, procuradores, auditores e deputados estaduais passaram a ganhar o equivalente a jogadores de futebol profissional, em times de primeira divisão. Os repasses institucionais eram feitos com escancarada prodigalidade, a ponto de beneficiar deputados e desembargadores com profícuas verbas para seus gabinetes. Ao mesmo tempo, até por conta do modelo previdenciário existente, muitos servidores com altas remunerações acumuladas passaram a se aposentar, inflando ainda mais os gastos do Poder Executivo. Na iminência desses desajustes e sem ser feito nada para corrigir esses populismos, o estado foi continuamente se endividando, comprometendo a folha de pagamento, e sem ter como recorrer mais aos recursos existentes na previdência.

O atual governador nas redes sociais administrando o prejuízo.
A bola de neve foi avolumando até se transformar em avalanche. Décadas de desperdício de dinheiro público no pagamento de gratificações e adicionais criados propositadamente com a intenção de beneficiar apaniguados entre os poderes, ausência de uma cobrança efetiva de tributos de grandes fortunas de segmentos responsáveis pelo financiamento privado de campanhas eleitorais, uma política econômica voltada para atender os interesses do agronegócio, em detrimento do desenvolvimento local, tudo isso pode ser colocado num liquidificador e resultar numa terrível gororoba, formada por policiais insatisfeitos, repartições vazias, servidores sindicalizados em greve e a população, principal destinatária dos serviços públicos, abandonada, sem acesso a hospital, escola ou uma viatura policial.

O futuro não parece nada alentador para os potiguares, mas muito menos para o seu funcionalismo. Se 2018 promete mais recessão, só resta ao servidor e a servidora endividado pensar numa nova opção de emprego, já que há dois anos vê seu meio de subsistência minguando num espaço de meses cada vez maior. A crise do funcionalismo é a crise de um Estado por completo e essa crise não é boa pra ninguém, nem para quem está encastelado em sua mansão ou apartamento de luxo, nem para quem vive somente num casebre. Aguardemos ainda os próximos capítulos de um conto de terror chamado governo Robinson Faria!



                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                

COMPORTAMENTO: Por que os artistas se matam tanto?

Era para eu ter escrito essa postagem há alguns meses atrás este ano, logo após ter tomado conhecimento do trágico suicídio do cantor norte-americano Chris Cornell, após um show de sua banda, uma das lendas do grunge, o Soundargen. Eis que no mês seguinte, no aniversário da morte de Cornell fui surpreendido por outro suicídio: a morte de Chester Bennington, vocalista do Linkin Park, morto, assim como Cornell, por enforcamento. O cantor do Soundgarden tinha 52 anos e três filhos, e Bennington, 43, e quatro filhos. Ambos experimentaram o sucesso, venderam milhares de discos com suas bandas, suas vozes eram reconhecidas nas rádios do mundo todo e ninguém pode dizer que algum deles estivesse atolado em dívidas ou passando necessidades materiais. "Foi as drogas!", muitos dirão, até porque ambos os vocalistas tiveram um passado nebuloso de uso de drogas pesadas. "Foi a depressão!", outros podem dizer, uma vez que tanto Cornell quanto Bennington lutavam há anos com seus demônios internos, tiveram infâncias difíceis em disfuncionais famílias proletárias da costa oeste americana, e, geralmente, relatavam toda sua dor e seu pranto nas letras de suas músicas. Será que foi apenas isso?

Na verdade, entre a vontade e a ação, senti-me tocado a finalmente escrever umas linhas de texto neste blog, quando, passando numa livraria, vi alguns textos do poeta russo Vladimir Maiakovski, e me surpreendi com uma foto dele morto, aos 32 anos, jovem, bonito, elegante em seu terno branco, mas com uma expressão de lamento, com os olhos fechados e a boca aberta num último gesto, como que ao proferir o último grito, enquanto uma mancha de sangue escorria de seu casaco, revelando que o artista havia dado um tiro no próprio peito. Entre Maiakovski na Rússia da década de trinta, Torquato Neto no Brasil dos anos setenta e Cornell a Bennington em pleno século XXI, pude notar a semelhança de que todos eram jovens, todos tinham família, todos tinham sua obra, mas diante de um mundo que, para eles, era tão caótico, parece que não conseguiram segurar a onda.

Ao mesmo tempo, ao escrever este texto me recordo da frase atrevida de Gene Simmons, vocalista e baixista da antológica banda Kiss. Quando Kurt Cobain, do Nirvana, matou-se, em 1994, Simmons publicou uma nota na imprensa, onde só lamentava que o cantor do grunge não tivesse deixado um bilhete, deixando toda sua fortuna para ele. Apesar da indelicadeza típica de um membro do Kiss, Simmons comentou logo após a polêmica frase que não admitia que alguém não segurasse a onda do sucesso e da fama, já que era aquilo que ele (bom rockeiro capitalista e eleitor do Partido Republicano) sempre quis quando resolveu ser músico nos anos setenta, quando, segundo ele, nos tempos de pobreza tinha uma banda miserável que não dava grana sequer pra comprar um bife.

Na verdade, Simmons e Cobain são de universos e gerações distintos da cena do rock, e apesar de ambos terem contribuído, ao seu modo, para a história da música, o suicídio de Cobain tem muito mais haver com outros personagens célebres da vida musical, como os próprios Cornell e Bennington, seus contemporâneos. Somados a eles, nessa macabra estatística, podemos citar o cantor Ian Curtis, líder e vocalista do lendário Joy Division, banda inglesa pós-punk do final da década de setenta, que se enforcou aos 23 anos, há mais de trinta anos, quando sua banda já tinha se tornado antológica, dias antes de embarcar para aquela que seria a primeira turnê norte-americana do grupo de Manchester. Epilético, com acesso a álcool e drogas, e uma vida doméstica complicada, Curtis foi mais um que sucumbiu, pendurado em uma corda, a ingressar na triste lista de bons artistas que tiraram a própria vida. Assim como os vocalistas do Soundgarden e do Linkin Park, Ian Curtis também tinha família, deixando uma filha orfã. Seriam essas pessoas todos uns fracos egoístas, que, deliberadamente, deixam filhos sem pais??

Mas o que leva essas à solução final e mais trágica? Fora os efeitos deletérios da dependência química e o consequente mal estar físico e psicológico, o que levaria esses bem sucedidos músicos a não ver mais sentido em respirar e tirar a própria vida? Creio que seria muito simplismo dizer que gestos tão tristes como esses seria apenas um ato de egoísmo. Na verdade, se formos contabilizar aqueles que se foram como integrantes de uma geração perdida, concebida na segunda metade do século passado, alguns anos após o surgimento do rock, teremos uma tese sociológica e literária sobre esse fato: trata-se de uma geração de mal do século.

Historicamente, o mal do século é um movimento do século XIX, que se desenvolveu nas letras e nas artes de uma Europa e, posteriormente, de uma América que vivia a ressaca do romantismo. Segundo a definição de Massaud, o mal do século pode ser definido como uma estética de: “Pessimismo extremo, em face do passado e do futuro, sensação de perda de suporte, apatia moral, melancolia difusa, tristeza, culto do mistério, do sonho, da inquietude mórbida, tédio irremissível, sem causa, sofrimento cósmico, ausência da alegria de viver, fantasia desmesurada, atração pelo infinito, “vago das paixões”, desencanto em face do cotidiano, desilusão amorosa, nostalgia, falta de sentimento vital, depressão profunda, abulia, resultando em males físicos, mentais ou imaginários que levam à morte precoce ou ao suicídio”.

Tivemos no Brasil diversos representantes dessa estirpe, como Álvares de Azevedo e Casimiro de Abreu, mas talvez Goethe seja um dos maiores expoentes desse movimento artístico, com seu clássico romance: "O sofrimento do jovem Werther", que  incitou uma onda de suicídios em toda a Europa, devido ao destino do seu protagonista, chegando a ser mesmo considerada durante anos uma obra maldita ou proibida. Pois é, meus amigos! Tristeza não é sentimento fácil e pior ainda é falar dele ou cantar sobre isso. Se, há dois séculos atrás, um coletivo de jovens artistas via o fracasso da revolução industrial, com a pujança capitalista dos grandes proprietários de um lado, a confrontar com a miséria e a exploração de milhares de assalariados e desempregados do outro lado, num cenário de guerras, perseguições e conflitos, na segunda metade do século XX, após os primeiros alegres acordes da guitarra de Chuck Berry, os rebolados de Elvis, e a rebeldia intrépida da invasão britânica, que trouxe os Beatles e os Rolling Stones, o rock das décadas seguintes nunca foi o mesmo, sacudido pelo som pesado e sombrio do Led Zeppelin e Black Sabbath ou de discos falando sobre discos voadores ou  gnomos, no rock progressivo de bandas como Genesis ou Pink Floyd.Era o fim da flower generation e as mensagens de paz, amor e esperança do movimento hippie, cuja inocência foi encerrada abruptamente pela chacina da família Manson. Era tempo agora da música popular, especialmente o rock, voltar-se em suas letras para um lado mais sombrio, escuro, depressivo, como que chegando ao fundo da alma, explorando toda a tristeza e o desencanto com aqueles tempos. Para contribuir para o clima geral de pessimismo traduzido em musicalidade, poemas e estilo, surgiu o punk, e com ele atitudes totalmente niilistas, de "não estar nem aí pra todo o mundo" ou de "foda-se o mundo", por meio dos rocks de protesto do Sex Pistols ou do The Clash.

Foi ouvindo as músicas desses grupos que surgiram cantores como Kurt Cobain, Chris Cornell e Chester Bennington.  Já imersos numa cultura pessimista de autodestruição, esses artistas foram criados em ambientes que apenas pulverizaram em forma de arte sentimentos que já estavam sendo carregados com eles desde tenra idade. No caso de Cornell, sabe-se que era um garoto solitário, filho de um farmacêutico e de uma contadora, que abandonou a escola na adolescência após uma forte depressão que o impossibilitava, inclusive, de sair de casa. Chris gostava de leitura e tinha apreço especial pelos poemas de Silvia Plath (outra artista que se suicidou jovem). Nesse sentido, a música foi a válvula de escape natural para quem já alimentava muitos monstros internos, e tais criaturas já eram descritas, de forma semelhante ou em mensagens cifradas em letras de música sobre o desencantamento do mundo e das pessoas, diante de uma sociedade industrial e tecnológica em crise, como nas músicas do Joy Division. Chester Bannington, por sua vez, teve também sua cota de dor transmitida por meio das letras de suas músicas. Vítima de bullying e abuso sexual na infância, Chester buscou durante anos no álcool e nas drogas as fugas para seus dramas pessoais, e sempre teve o vocalista do Soundgarden, quase dez anos mais velho, como grande ídolo e referência, já que provinham do mesmo ambiente. Desta forma, é mais aceitável para alguns reconhecer que o suicídio do amigo músico foi o catalisador final de um processo mórbido que já havia se iniciado há anos no inconsciente do músico norte-americano, e que culminou com sua morte, da mesma forma que seu ídolo, cerca de um mês antes. No contexto de músicas que falavam do absurdo da indiferença, do reconhecimento da impotência, da exaustão de ser quem é, e da tristeza quanto à insensibilidade do mundo, não é tão estranho pensar agora que intérpretes que levam sua arte a sério, podem levá-la até às ultimas consequências, transformando em realidade, o que antes era apenas esboçado nas letras de suas músicas.

Encerro, assim, estas linhas, ao tratar da trágica morte desses célebres artistas, reproduzindo em português os versos do refrão da canção Numb, umas das clássicas do Linkin Park, cantada na saudosa e lancinante voz de Chester Bennigton, que eu espero tenha encontrado a paz que nunca encontrou em vida, junto ao seu amigo Chris Cornell, desejando eu que mais almas tão atormentadas não nos deixem tão cedo, ao menos não antes de deixarem algo de bonito, que talvez não consigam ver em suas próprias vidas, como a beleza de suas canções.

Eu me tornei tão indiferente
Não posso sentir você aí
Me tornei tão cansado
Muito mais consciente
Estou me tornando isto
Tudo o que eu quero fazer
É ser mais como eu sou
E menos como você é

Gates e Jobs

Gates e Jobs
Os dois top guns da informática num papo para o cafézinho

GAZA

GAZA
Até quando teremos que ver isso?