Tenho 42 anos de existência, prestes a completar 43, e meu pai tem 70, prestes a completar seu septuagésimo primeiro ano de vida. Acredito que tanto as minhas ainda jovens quatro décadas, assim como o mais de meio século do meu pai, não viram algo tão aterrador no futebol brasileiro, tão inusitado, humilhante e vexatório do que ver a seleção brasileira perder em um Mundial pela goleada de sete gols a um. Foi exatamente isso que aconteceu, e vingou a humilhação dos anciãos ainda vivos, que presenciaram o Brasil ser humilhado pelo Uruguai na Copa de 1950, quando num Maracanã lotado perdemos em casa a final da Copa por 2 X 1. Ora, 2 X 1? Quem dera fosse um 2 X 1! Em menos de vinte minutos de jogo, vimos este ano o Brasil sofrer 5 gols da Alemanha (além dos dois gols a mais que viriam no segundo tempo) de Müller, Schewensteiger, Klose, Boateng e mais uma dúzia de craques germânicos que representaram brilhantemente nesta Copa a vitoriosa nova geração do futebol alemão, que levou a taça de campeão do torneio, no último domingo, dia 13 de julho. Eles mereceram, numa data histórica em que derrotaram aos vinte e cinco minutos da prorrogação a Argentina, do craque Lionel Messi, com o gol salvador de Göetze. A Alemanha festeja agora não apenas o título mundial, mas também a consagração de ser o país que possui, hoje, o melhor futebol do mundo. Alguém se lembra que até poucos anos atrás esse título era do Brasil? Pois é, meus caros leitores! Não é mais!!
O dia 8 de julho de 2014 figurará na história nacional como o dia da infâmia. A goleada nas semifinais contra a Alemanha foi o nosso Pearl Harbor do futebol brasileiro, quando alemães, e não japoneses, invadiram os gramados brasileiros, como um panzer de chuteiras, uma blitzkrieg futebolística, montada pelo eficiente técnico, Joachim Löw, que estruturando uma equipe organizada, conseguiu fazer com que a terra de Wagner, Göethe, Heidegger, a banda de rock Scorpions e os neonazistas, conseguisse enfim o sonhado tetracampeonato que não vinha desde a Copa de 1990, e foi surrupiado dos germânicos em 2002, quando os alemães (lembram-se?) perderam de 2 X 0 para o Brasil de um redimido Ronaldo Nazário. Quem, maior de dezesseis anos, não se lembra do animado atleta dentuço, com penteado do personagem Cascão, da Turma da Mônica, que tirou o título dos alemães, evitando que eles se igualassem ao Brasil, levando a seleção canarinho a conquistar o pentacampeonato mundial no Japão?! Que bons tempos eram aqueles! Que saudade dos "4R" (Ronaldo, Rivaldo, Roberto Carlos e Ronaldinho Gaúcho), o dream team que venceu todos os jogos de forma invicta, em campo nos 90 minutos de jogo, sem depender de disputa de pênaltis ou prorrogações. Infelizmente, o Brasil que encantou o mundo em 2002 foi o mesmo que o assustou, exatos 12 anos depois. O que aconteceu com a seleção brasileira? O que houve com o futebol ( e o orgulho) nacional?
Os meios de comunicação já exploraram à exaustão, na última semana, os motivos da derrocada no estádio Mineirão, em Belo Horizonte, local da tragédia. Programas de TV fomentaram debates com jornalistas e ex-jogadores ou técnicos e especialistas sérios, no ESPN, FOX SPORTS, BAND SPORTS e SPORT TV, assim como em jornais impressos ou virtuais, colunistas de grosso calibre como Juca Kfouri comentaram a triste goleada brasileira e os motivos da seleção ter saído totalmente do prumo. O técnico Luiz Felipe Scolari e seus jogadores falaram inicialmente num apagão, num transe coletivo. Mas será que foi somente isso que justificou a seleção brasileira sofrer a mais grotesca e gigantesca goleada de seus 100 anos de história? É algo que ficará para sempre na memória visual e afetiva brasileira, quando pais e filhos choraram no estádio, enquanto outros riam ironicamente, vendo a desgraça da equipe de Neymar, David Luiz, o goleiro Júlio César e os demais. Ver tal jogo como eu vi (e gostaria de não ter visto) foi tão ruim, mas tão ruim, que imaginávamos, por um momento, que se tratava apenas de um pesadelo, uma alucinação decorrente do excesso de cerveja (servida à exaustão nessa Copa), ou simplesmente uma singela brincadeira. Não era, era realidade, e a seleção não apenas perdeu o título, como também perdeu toda sua credibilidade internacional.
Os erros que agora vem à tona apenas revelam a Matrix midiática que vivíamos nas vésperas do torneio em solo nacional. Escravos subjugados ideologicamente pela propaganda, tentávamos em nosso orgulho nacional achar que éramos invencíveis; pois, dizia a lógica fria das estatísticas, o retrospecto brasileiro era muito bom. Afinal, jogávamos em casa, tínhamos ganho anteriormente cinco torneios mundiais, tínhamos alguns dos melhores jogadores do mundo, muitos neófitos em Copas, mas jogando nos melhores clubes do mundo. Tínhamos Neymar, o novo gênio atacante, daqueles que surge de tempos em tempos na safra ininterrupta de craques nacionais. Ganhamos a Copa das Confederações no ano anterior, vencendo de goleada a favorita Espanha. O técnico escolhido para liderar o escrete canarinho era o mesmo da conquista do pentacampeonato, contando com grande apoio popular, escudado na comissão técnica por Carlos Alberto Parreira, técnico do tetracampeonato de 1994. Pelé ( e Deus ) era brasileiro. Então por que perdemos? Como tivemos um resultado negativo tão acachapante?
Posso listar um livro (dos muitos que ainda serão escritos pelos apaixonados por futebol) contendo a série de deficiências, falhas e incorreções da seleção brasileira neste Mundial, dedicando um capítulo inteiro a cada um desses temas. Deixo isso para os especialistas. Porém, dando minha contribuição para o debate nacional, manifestando aqui neste blog a minha opinião, creio que as mancadas apontadas acima podem ser definidas nos seguintes tópicos:
a) AUSÊNCIA DE ORGANIZAÇÃO TÁTICA: qualquer torcedor de futebol minimamente atento percebeu que, nesta Copa, a seleção brasileira demonstrou uma disciplina tática medonha, quase inexistente. O técnico Scolari montou uma equipe praticamente sem meio campo, apostando em volantes que levassem a bola diretamente da defesa para o ataque, em lançamentos longos, que quase nunca davam certo. A desorganização defensiva também era imensa, como se percebeu logo no primeiro jogo, contra a Croácia, estatisticamente um dos jogos mais fáceis para a seleção, que apesar de ter ganho de virada o jogo, demonstrou a inaptidão de alguns jogadores, perdidos numa formação em campo que deixava imensos furos e permitia até absurdos, como o gol contra do zagueiro Marcelo, logo no começo da partida, o primeiro do Brasil na história das Copas, e primeiro de muitos erros e mancadas que levariam à goleada final. No jogo da semifinal a goleada de sete gols germânicos foi possível, principalmente porque, além de não conseguir acompanhar os atacantes alemães, os jogadores brasileiros jogavam sem posição definida em campo, permitindo que o adversário avançasse continuamente e sem resistências. Um exemplo disso é que, mesmo com a presença de Neymar nas quartas de final, os dois gols decisivos brasileiros foram feitos contra a equipe da Colômbia por zagueiros, como Tiago Silva e David Luiz. Sem marcar devidamente por área ou pressão e sem armadores criativos no meio campo, não adiantava nada optar apenas pela força de jogadores como Hulk ou a velocidade de Jô ou Fernandinho. Deu no que deu!
b) POUCOS BONS E EXPERIENTES JOGADORES: a seleção de 2014 foi uma das que mais teve poucos jogadores experientes ou devidamente destacados em suas equipes de origem. Com exceção de Neymar (descoberto nas categorias de base do Santos e consagrado no time paulista, antes de ir para o Barcelona de Messi), nenhum dos outros jogadores tinha tanto brilho ou tanta experiência para ser escalado como membro da seleção brasileira. A aposta reiterada no goleiro Júlio César, que já atuou sem sucesso em duas Copas, quase em fim de carreira e jogando num inexpressivo time canadense, também demonstrou ser uma opção errada ou ao menos questionável. A comissão técnica brasileira nem quis apostar suas fichas em jogadores mais velhos e anteriormente consagrados, que atuaram em outras Copas como Kaká ou Ronaldinho Gaúcho, tidos como obsoletos, mas que ainda dominavam com brilho os fundamentos de meio campo. Na história da seleção brasileira, era comum o escrete canarinho ter ao menos dois atacantes de peso, harmonizados, que autocompletavam a jogada um do outro, como foi Pelé com Amarildo na Copa de 1958 ou Garrincha e Nilton Santos, na Copa do Chile de 1962, Pelé e Jairzinho na Copa de 1970, Zico e Sócrates na de 1982, Romário e Bebeto no tetracampeonato de 1994 ou Ronaldo e Rivaldo em 2002. Em 2014, isso não aconteceu, e a aposta num contundido Fred, para dar apoio a Neymar no ataque, demonstrou ser mais bisonha do que errada. Fred teve uma atuação pouco menos que pífia e sua participação nos jogos da seleção durante a Copa chegou próxima do zero. Sem Neymar, o time praticamente desmantelou.
c) DEFICIÊNCIA TÉCNICA DO TREINADOR: Luiz Felipe Scolari foi o responsável por uma das maiores glórias do futebol brasileiro quando em 2002 conquistou o quinto título mundial do Brasil, mas também será tristemente conhecido por eras como o técnico do fiasco de 2014. Logo após treinar a seleção de Portugal, na década passada, quando conquistou o vice-campeonato da Eurocopa, Felipão praticamente não teve mais relevância alguma como treinador nas equipes que treinou, e não conquistou mais nenhum título internacional. Seu retrospecto recente podia ser lembrado por ganhar a Copa do Brasil com o Palmeiras, levando o time paulista a Libertadores do ano seguinte, mas também sendo o responsável na mesma temporada pelo rebaixamento do time para segunda divisão. Antes de assumir a seleção brasileira como um presente da CBF, após a péssima experiência da seleção com Mano Menezes (um novato em torneios internacionais), Felipão só tinha treinado a equipe do Uzbequistão. Como é? Onde? Isso mesmo, no Uzbequistão! Quem não sabe onde é o país que procure no google ou visite um mapa-mundi! Scolari revelou-se um técnico ultrapassado, com uma visão limitada (e até ignorante) sobre o futebol mundial, organizando uma equipe de maneira preguiçosa, desperdiçando treinos (diz-se maldosamente nas redes sociais que os jogadores e o treinador da seleção fizeram mais comerciais do que treinamentos), permitindo uma ingerência até mais do que indevida da imprensa (e dos olheiros adversários), sem se preocupar, efetivamente, em estudar a tática dos demais times. Felipão chegou a revelar em entrevista que desconhecia mesmo a organização dos times europeus, não obstante ter treinado (por um curtíssimo período) a equipe britânica do Chelsea, antes de ser demitido, sabe-se lá pelas dificuldades de se manifestar em inglês, seja porque a direção do clube não gostou do seu jeito turrão mesmo. Felipão é um treinador à moda antiga, que gosta de falar grosso em momentos de dificuldade, mas que procura agir como paizão durante as crises. Infelizmente, os jogadores da seleção brasileira precisavam menos de um pai e mais de um treinador durante os jogos da seleção, o que não aconteceu. Ele mesmo reconheceu ser o maior responsável pelo fracasso do seu time, mesmo que muitos se indaguem se seria diferente, caso o Brasil tivesse ganho o jogo com os alemães, ou tivesse perdido ao menos por uma margem pequena de gols. Acho difícil! O descontentamento com Felipão e sua equipe veio desde o primeiro jogo. A pior impressão é a primeira, que geralmente fica.
d) IMATURIDADE EMOCIONAL DA EQUIPE: Durante todo o torneio, a seleção canarinho demonstrou a fragilidade e carência emocional de seus jogadores. No jogo contra o Chile, nas oitavas de final, (o mais difícil da seleção antes do massacre alemão), o empate de um a um da partida inicial e o resultado que se manteve na prorrogação, obrigando a decisão por pênaltis, fez muitos jogadores chorarem. Dentre eles o goleiro Júlio César, que pôde ter se redimido do fracasso contra Holanda na derrota na África do Sul, quatro anos atrás, mas não sabia o que estava lhe esperando no jogo subsequente com os alemães. Além disso, outros jogadores como Tiago Silva, capitão do time (mas muito jovem para função), também demonstraram desequilíbrio emocional, quando se recusou a bater os pênaltis e ficou sentado em lágrimas, aguardando o final da disputa. A imagem que ficou na imprensa internacional e nos times adversários, é que a seleção canarinho não passava de um bando de garotos assustados, que diante das adversidades comportavam-se como bebês chorões. Ora, jogadores são emotivos e choram quando ganham ou perdem uma partida difícil, mas chorar antes de dar um chute? Faça-me o favor!! Quando perdeu Neymar, seu melhor jogador, no jogo contra a Colômbia, na ocasião em que o zagueiro colombiano Zuñiga, acabou com as costas do atacante brasileiro, fraturando uma vértebra de sua coluna, parecia que um edifício tinha desabado sobre a seleção que perdeu seu astro, o principal referencial, a quem caberia carregar o time nas costas e efetuar os tão necessários gols que levariam o Brasil a final. No final do jogo anterior, pegando uma psicóloga de sopetão, chamada às pressas para trabalhar o emocional da equipe após o jogo com o Chile, revelou-se que a comissão técnica brasileira não procurou auxílio profissional adequado antes do início do torneio, e o que é pior: tudo indica que lidou com péssimos profissionais do ramo.
e) ARROGÂNCIA: pesou na seleção brasileira também a arrogância típica de uma comissão técnica e mesmo de parte da mídia que achava que, na condição de pentacampeões mundiais, não tínhamos que dar ouvidos a ninguém e tão somente confiar na força da esmagadora torcida nacional, que levaria naturalmente e com facilidade a seleção canarinho ao hexacampeonato. Ledo engano! A desgraça do Mineirão fez com que muitos não apenas acordassem, como outros passassem a cultivar o contrário: um sentimento de inferioridade que levou muitos, inclusive, a torcer pela seleção rival, autora da goleada, como muitos brasileiros que viraram, do dia para a noite, torcedores alemães. Não bastasse a memória de passarinho do torcedor brasileiro, ou mesmo sua alienação diante de uma realidade que lhe bate a porta (vide a edição deste ano da Taça Libertadores, sem nenhuma equipe brasileira disputando as semifinais do torneio continental), a arrogância brazuca foi seriamente fustigada pelos gols do artilheiro Müller e companhia. Nem o locutor Galvão Bueno, conhecidíssimo pelo bordão da torcida "Cala a boca, Galvão!", e pela sua predisposição de transformar uma narração de jogo numa peça de propaganda, não resistiu a débaclê da seleção brasileira, e anunciou, antes do sexto gol dos alemães no jogo das semifinais, que o futebol brasileiro estava acabado. Quem te viu, quem te vê! Há pelo menos um jogo antes, contra a Colômbia, Galvão falava, com o peito de pombo empolado, que a seleção brasileira era a melhor do mundo. Quanta hipocrisia! Quanta arrogância! Ao esquecer de mencionar o jogador Rivaldo dentre os grandes que outrora compuseram o histórico de glórias da seleção, Galvão acabou comprando com o ex-jogador uma briga nas redes sociais. Briga de cachorro grande, poderão alguns dizer. Briga de Vira-latas, se pensarmos que o brasileiro, com a derrota do dia 8, perdeu toda sua arrogância.
f) MÁ GESTÃO DO FUTEBOL NACIONAL PELOS SEUS DIRIGENTES: não é de hoje que a CBF (Confederação Brasileira de Futebol), dirigida outrora pelos controversos Ricardo Teixeira e José Maria Marin, é alvo de críticas da imprensa esportiva especializada, de jogadores e técnicos de futebol avessos ao aparelhismo e negociatas da entidade, bem como é objeto de desafeto do próprio governo federal. A CBF hoje é uma instituição vetusta, anacrônica, com dirigentes conservadores, portadores de uma visão ultrapassada sobre o futebol e gerenciamento de clubes. Fruto de uma gestão tosca, o futebol brasileiro não consegue se atualizar, atuando os clubes mais como máquinas de ganhar dinheiro, com a venda de jogadores para o exterior. A desumana rotina dos jogadores dos clubes brasileiros, obrigados a cumprir rotinas fisicamente extenuantes, como a participação em jogos no meio e no final de toda a semana, e o despropósito dos treinamentos entre competições nacionais e internacionais, apenas expõe a fase de uma corporação que funciona mais como empresa, do que como entidade representativa do futebol nacional. A ausência de compromisso e fiscalização da realização de campeonatos, além da falta de fiscalização no endividamento de clubes também demonstra o ambiente fisiológico e clientelista do órgão gestor máximo do esporte. Ao vir à tona as mazelas da entidade, não é de se espantar que muitos pensem que não seria diferente o destino da seleção brasileira e do futebol do Brasil, no vexame que se apresentou nesta Copa.
g) AUSÊNCIA DE RENOVAÇÃO: Além de não renovar a geração de jogadores, o futebol brasileiro não renova suas técnicas (consideradas por muitos como ultrapassadas). Não se joga mais o futebol bonito do tricampeonato e nem o futebol força ou pragmático, das Copas de 1994 e 2002. Perdido em sua deficiência técnica, o futebol brasileiro ainda não passou por uma revolução tática, principalmente pela resistência de técnicos e dirigentes, em aceitar treinadores de fora, como aconteceu com seleções de outros países, ou mesmo em modalidades esportivas diferentes, que encontraram seu eixo após anos de crise, como o voleibol. Pouquíssimos são os técnicos que vão se especializar fora, em estudos sobre o esporte na Europa, bem como não há no país investimento nas categorias de base, com exceção de poucos times, como o Santos. Além disso, o endividamento dos clubes não permite que jovens jogadores talentosos sejam mantidos no país, pois devem ser vendidos pelos seus clubes, a fim de pagar dívidas em salários atrasados de outros jogadores ou mesmo de um time inteiro, ou sirvam simplesmente para quitar débitos trabalhistas na Justiça. O fosso é imenso quando se pensa a realidade do futebol brasileiro e se vê a realidade de países de futebol forte e rico economicamente e taticamente, como Alemanha e Espanha. Se não quiser desaparecer, o futebol brasileiro necessitará se renovar.
h) UMA LEGISLAÇÃO QUE NÃO AJUDA: pra completar, a goleada do dia 8 de abril fez também se repensar a necessidade de uma reforma da legislação em vigor, em especial da Lei nº 9.615, de 1998, conhecida como " Lei Pelé". Publicada na época com a intenção de democratizar o esporte brasileiro, com a inspiração fortemente neoliberal da época do governo do então presidente, Fernando Henrique Cardoso, a Lei Pelé transformou entidades esportivas e ligas em empresas, passando não mais as federações, mas sim empresários individuais, agenciadores de jogadores, a negociar contratos e a entrada e saída destes de clubes, transformando o futebol num grande negócio, praticamente sem intervenção estatal alguma, como bem defendiam os acólitos da ideologia liberal-capitalista. O prejuízo disso para o esporte é que, sem controle estatal, a vida de centenas de jovens e promissores novos jogadores passa a ser ditada pelas exigências do mercado, e não pelo que ele pode dar em prol de sua equipe ou seleção nacional. Ao transformar o futebol em moeda de troca, a legislação atual ignora o seu papel social, e de como a formação de equipes nacionais coesas depende em certo grau, pequeno mas ativo, de intervenção estatal.
Conseguimos demonstrar diante da derrota para os alemães que, inversamente a eles, não tínhamos nada que eles desenvolveram. A seleção alemã também passou por maus bocados na história do seu futebol, no fiasco da Eurocopa de 2000, e o fracasso do goleiro Oliver Khan nos pés do atacante Ronaldo na Copa de 2002. Algo precisava mudar por lá e efetivamente mudou. Com o protagonismo assumido por suas equipes nacionais nos mundiais interclubes, como os títulos do Bayern de Munique, por exemplo, na última década, o futebol alemão mostrou não apenas força, como também expressividade. Os caras simplesmente passaram a investir mais em suas categorias de base, inibiram a influência deletéria da cartolagem nas decisões sobre gestão do futebol, o Estado teve um papel interveniente, cobrando dos clubes incentivos à educação e formação de jovens atletas nas escolas, e uma legislação austera proibiu que times endividados participassem dos campeonatos, honrando os direitos trabalhistas dos jogadores. O futebol alemão, com seu choque de gestão e responsabilidade passou a ser adotado como modelo ideal. A tática de sua seleção, organizada muito mais em prol de um time e não de individualidades destacadas, também foi o diferencial, que superou, sobretudo, o esgotado modelo de futebol "tiki-taká", adotada pela derrotada seleção espanhola, campeã mundial de 2010, na África do Sul. Os alemães, definitivamente, tornarem-se os caras.
Esse padrão de excelência, como uma Mercedes ou um Wolkswagen de primeira qualidade, talvez justifique a atual germanomania que tomou conta de boa parte dos torcedores brasileiros. Para se ter uma ideia, no dia da final contra a Argentina, eu, torcedor dos argentinos (esquecendo a rivalidade com os portenhos, simplesmente pela paixão e homenagem ao futebol latino-americano), fiquei surpreso com a quantidade de pessoas que, seja pela rivalidade com nossos hermanos vizinhos, seja pelo encantamento com a força e virilidade da equipe alemã, decidiu torcer pelos germânicos, assim como outrora torcia pela seleção brasileira. Tomou-me de espanto ver um pai de família, todo serelepe e pimpão ao lado do filho, ambos vestidos com a camiseta da seleção alemã, torcendo pelos chucrutes como se ele mesmo estivesse na Bavária ou numa taberna de Munique, com direito a chope e salsichão. A imprensa argentina não perdoou essa inusitada adesão germânica do povo brasileiro, e no editorial do Olé, famosa revista esportiva do país, chegou-se a comentar que os torcedores brasileiros sofreriam de algum tipo de Síndrome de Estocolmo (aquela em que os aprisionados acabam se afeiçoando aos seus captores). Afinal de contas, como torcer por um time que na semana anterior lhe humilhou, impondo-lhe uma derrota de sete gols? Será que os torcedores brasileiros não saberiam o que significavam as palavras "orgulho" ou "dignidade"?
A verdade é que, com a derrota para os alemães nos apequenamos. Colocamos o rabo entre as pernas e vivemos a Síndrome do Vira-lata, que tão bem definiu no século passado o dramaturgo carioca Nelson Rodrigues. Em termos de futebol deixamos de ser reis, largamos o cetro da monarquia futebolística, e voltamos para a taba de nossos ancestrais, para nossa aldeia no meio da floresta, antes da chegada dos colonizadores. Outrora os ingleses, que no início do século passado inventaram o futebol e o trouxeram para essas paragens, agora foi a vez de nossos índios receberem os alemães, que ao invés de espelhos, trouxeram uma bola de futebol como objeto de troca. A alusão indigenista é tão forte e cabível que, no começo desta Copa, foi possível ver na imprensa imagens de alegres e sorridentes jogadores alemães, visitando uma aldeia indígena na Bahia, pintando-se e vestindo-se como índios numa cerimônia com direito a pajé; além de afagarem e brincarem com crianças carentes baianas, nas proximidades da hospedagem da seleção germânica, em território baiano. Parecia que os jogadores alemães vieram para cá apenas para fazer um passeio tropical, como efetivamente fizeram, ganhando uma Copa do mundo. Dá até pra imaginar um deles sorrindo e dizendo: Alles Gutt, brasilianer!! Danke!! Obrigado pela hospitalidade. Foi muito bom golear vocês!!!
Agora, só nos resta lamber as feridas e seguir a vida que segue. Felipão não é mais o técnico da seleção brasileira. Muitos jogadores considerados vilões por sua pífia participação no torneio e péssimo estado físico, como Fred, não deverão mais estar na equipe nacional nos próximos meses e a CBF deverá ter um novo presidente em pouco tempo. São várias as especulações sobre o novo técnico, que pode até mesmo ser um estrangeiro (para arrepio dos futebolistas tradicionalistas e xenófobos), e que terá a incumbência não de vingar um vexame histórico, mas ao menos deixar uma equipe minimamente competitiva para a Copa América do ano que vem, no Chile, e as Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro. Seria uma boa oportunidade para o Brasil curar o remorso e a ressaca de 2014, ganhando uma medalha de ouro olímpica para o futebol brasileiro, nunca antes conquistado, e que competiria finalmente com os dois títulos consecutivos da Argentina; agora, merecidamente, vice-campeã mundial. Só o tempo dirá qual será o futuro da seleção brasileira. O futuro a Deus pertence, mas compete ao povo brasileiro prepará-lo da melhor forma possível, cobrando responsabilidade de jogadores, treinadores, gestores e mesmo do Estado, na reformulação do futebol nacional. Temos que reaprender a jogar futebol. Caso contrário, veremos novas (e tristes) goleadas. PRA FRENTE, BRASIL!!