sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

CRISE POLÍTICA: O RN QUE AFUNDOU

Nos seus escritos póstumos, após a Genealogia da Moral, o filósofo
Friedrich Nietzsche formulou sua crítica sobre os  direitos e o Estado moderno da seguinte forma:

"direitos aquele que tem mais poder estabelece os funcionários públicos uns em relação aos outros; e deveres aquele  tem mais poder estabelece os administradores para o seu próprio proveito."

Eu não poderia então deixar de imaginar Nietzsche ao me deparar com a atual situação caótica do Rio Grande do Norte, manchete do noticiário nacional, seja na web, nos jornais impressos ou nos meios de comunicação de massa, como a televisão. O desgoverno a que chegou a terra do camarão e de Câmara Cascudo apareceu na tela do Jornal Nacional, e o quadro mostrado para todos os brasileiros, ao menos essa semana, é de desalento, confusão e muita insegurança.

Com os serviços públicos essenciais praticamente paralisados, o estado da federação de responsabilidade do governador Robinson Faria tem seus principais hospitais públicos em greve, a universidade parada, sem data para retornar, e, principalmente, uma crise sem precedentes na segurança pública, com a Polícia Militar paralisada sem sair as ruas, uma Polícia Civil operando com apenas 20% do seu contingente, bombeiros e a defesa civil insuficientes e uma perícia criminal quase inexistente, sem peritos ou legistas, tudo atribuído a uma gestão que há meses não paga seu funcionalismo. Aproxima-se a virada do ano, e até o reveillon, milhares de servidores do Poder Executivo não receberam sequer suas remunerações do mês de novembro e o décimo terceiro constitucional, não tem nem mesmo previsão de pagamento.

A crise é generalizada, e as consequências dela são sentidas por toda parte entre a população. Arrastões constantes em estabelecimentos comerciais, uma curva de homicídios em frenética e assustadora ascensão, assaltos a transeuntes diuturnos, furtos e roubos em residências, falta de policiamento em pontos turísticos e de grande movimento. O Rio Grande do Norte vive um cenário de incerteza e uma realidade de penúria financeira que me faz recordar postagem feita aqui neste blog, anos atrás, quando eu comentava os derradeiros e infelizes últimos dias do governo municipal da Prefeita Micarla de Souza, e a decadência da gestão pública na cidade do Natal.

Eis que a crise agora assola  todo o estado do Rio Grande do Norte e não somente sua capital. Coube de cair no colo do governador Robinson Faria, que, quando candidato, derrotou o representante máximo da oligarquia que dominou durante anos a região, o ex-deputado Henrique Eduardo Alves, sob o slogan de que seria o "governador da  segurança", o triste destino de talvez ser o maior responsável pelo colapso do mesmo aparato de segurança, que um dia o atual mandatário prometeu modernizar.

Mas quais as razões de tamanha crise? Será apenas um reflexo da crise nacional? Um resultado direto das nefastas reformas trabalhista e previdenciária patrocinadas pelo governo golpista de Michel Temer? Seria tudo somente produto de má gestão administrativa? O dinheiro teria sumido pelo esgoto por pura roubalheira? O Rio Grande é tão ou mais arrasado financeiramente que o Rio de Janeiro? Foi a Copa do Mundo que fez com que os recursos financeiros deslizassem pelo ralo? Na verdade, a atual e mais tétrica crise político-financeira potiguar tem razões muito mais profundas de ser.

São diversos prognósticos, mas todos convergem para a constatação de que o RN foi para o fundo do poço devido a uma conjunção de fatores associados a um mesmo perfil de gestor público: tecnocrata, vinculado a interesses oligárquicos, com uma visão limitada e provinciana do emprego efetivo de recursos públicos e a ausência de uma política regionalista, que favorecesse verdadeiramente o interesse público e não tão somente interesses privados. Antes das corporações ligadas às empreiteiras, bancos ou agronegócio havia as famílias, e assentada numa forma clânica de exercício do poder familiar, durante décadas (e em alguns casos, há mais de um século), o Rio Grande do Norte foi governado por famílias que, numa visão tosca do velho coronelismo, mantiveram a região atrasada num velho modelo agrário-exportador. Nunca foi dado espaço ao desenvolvimento, no sentido de se montar um parque industrial para o estado (hoje, fala-se muito no aproveitamento de energia eólica). A indústria têxtil algodoeira, que há mais de trinta anos mostrava-se produtiva, especialmente na região do sertão do Seridó, sob o pretexto de ter sofrido com as pragas naturais que destruíram sua principal matéria-prima (algodão consumido pelo surto do bicudo), não mais vingou e o grupo Guararapes, até então formador de empregos em larga escala, preferiu mudar-se para outras regiões, firmando-se na região sudeste como a vitoriosa rede de lojas de departamentos Riachuelo. As linhas férreas foram desmanteladas, a exemplo do que ocorreu no restante do país, e o excedente da produção agrícola local não mais chegava com pontualidade às regiões portuárias. Preferiu-se dar valor ao agronegócio, especialmente à promoção de incentivos fiscais à produção de sucos, incentivando a fruticultura. A promissora exploração de barrilha (minério extraído do sal), na região de Macau, sede da região salineira do estado, acabou por naufragar face décadas de descaso, culminando com o fechamento da antiga empresa estatal responsável por tal setor, a Alcanorte. A exemplo do que ocorreu no Rio de Janeiro, a exploração de petróleo em regiões como Mossoró e Guamaré não se mostrou mais rentável para o estado, principalmente no que tange à parca distribuição de royalties, contribuindo-se para a ausência de desenvolvimento na região, principalmente por conta da falta de uma refinaria. Focando-se muito mais na exportação de matéria prima e no turismo, o Rio Grande do Norte passou a ser conhecido mais por sua bela natureza, com geografia privilegiada que possibilitava um bom turismo ambiental, do que como uma região evoluída, apresentando altos traços de desenvolvimento.

Contribuiu para essa estagnação a forma tacanha de gestão dos recursos públicos por sua elite política, pouca afeita à defesa do interesse público e mais próxima dos interesses particulares de um grupo ou casta. Com resquícios feudais do velho fisiologismo e clientelismo que remontam os tempos da colonização portuguesa, no Brasil república a distribuição do poder permaneceu em sinecuras locais, donde, numa troca de favores eram distribuídos cargos entre grupos familiares, que ora se digladiavam, ora se revezavam no poder, transformando uma disputa oligárquica num embate eleitoral. Nesse sentido, a compra de votos e os currais eleitorais eram escancarados, e famílias de latifundiários e empreendedores dependentes das alianças com o Estado, acabavam por disputar campanhas políticas, conquistando cargos eletivos elevados, tanto nas esferas do Poder Executivo, quanto do Legislativo.

Com a prisão de Henrique Alves enfraqueceu-se uma oligarquia.
Adotou-se a velha prática provinciana de se votar pelo sobrenome. Desta forma, por gerações, aqueles que compartilhavam do nome Maia, Alves ou Rosado ocupavam cargos que outrora eram distribuídos entre os Mariz ou os Maranhão, culminando com o fato de que na última eleição proporcional, realizada há quatro anos antes, os 8 (oito) representantes eleitos para a bancada federal de deputados, tinham sobrenome que revelam algum tipo de parentesco ou vínculos de ascendência, descendência ou casamento com algum chefe político local ou seu familiar, driblando a vedação constitucional e a legislação eleitoral. Atualmente, outra oligarquia que acabou se formando foi as do Faria, representados pelo pai, Robinson, governador do estado, e Fábio, o filho, deputado federal, ambos do PSD, partido de Gilberto Kassab, que cravou uma faca nas costas da presidente Dilma Rousseuf num golpe travestido de impeachment.

Tais grupos passaram a ser legitimados por diversos tentáculos espalhados, ou ramificados no interior da administração pública. Dentre os agentes políticos, poucos não tinham alguma vinculação com um representante dessas poderosas famílias. O RN notabilizou-se pelos seus oligarcas, assim como em outros estados do Nordeste, que, em alguns casos, conseguiram romper com isso e apresentar algum grau de desenvolvimento, tais como a Paraíba, Pernambuco, Bahia, Piauí e Ceará. Até o Maranhão passou a conhecer dias melhores desde que o clã Sarney foi apeado do poder pela força das urnas, sendo o estado hoje administrado pelo governador do Partido Comunista, Flávio Dino. Já no RN, até por conta de seu arraigado coronelismo, tradicionalmente o Poder Executivo foi ocupado por um Alves ou um Maia, e até mesmo a falecida ex-governadora Vilma de Faria, que tentou no começo dos anos 2000 firmar-se como terceira via, era associada ou foi durante anos casada com o ex-senador Lavoisier Maia e teve como padrinho político o senador e ex-governador José Agripino Maia. Já no clã dos Alves o golpe em sua estrutura política foi severo, com a prisão do ex-deputado, ex-presidente da Câmara e ex-candidato a governador, Henrique Alves, do PMDB, outrora oponente de Robinson na eleição. O eleitor do Rio Grande do Norte teve que lidar com duras alternativas eleitorais no ano de 2014: eleger aquele que acabou se tornando um dos piores governadores da história do estado, ou votar em um oligarca que hoje encontra-se preso, envolvido em vultosos escândalos de corrupção, sem a menor previsão de quando irá sair da cadeia. Henrique é representante do mesmo clã político latifundiário e dono de meios de comunicação que, durante décadas, valeu-se da estrutura do poder público para bancar os projetos pessoais de seu ambiente familiar, em prejuízo dos interesses populares.

Mas e os outros poderes em relação a isso? Na sanha de conquistar apoios, legitimar e manter seus próprios privilégios e interesses, numa aliança espúria, representantes do Poder Executivo acabaram por vender regalias aos membros dos outros poderes, inflando a folha de pagamento do Estado, com uma série de adicionais, gratificações e auxílios incorporáveis à remuneração. Com isso, magistrados, procuradores, auditores e deputados estaduais passaram a ganhar o equivalente a jogadores de futebol profissional, em times de primeira divisão. Os repasses institucionais eram feitos com escancarada prodigalidade, a ponto de beneficiar deputados e desembargadores com profícuas verbas para seus gabinetes. Ao mesmo tempo, até por conta do modelo previdenciário existente, muitos servidores com altas remunerações acumuladas passaram a se aposentar, inflando ainda mais os gastos do Poder Executivo. Na iminência desses desajustes e sem ser feito nada para corrigir esses populismos, o estado foi continuamente se endividando, comprometendo a folha de pagamento, e sem ter como recorrer mais aos recursos existentes na previdência.

O atual governador nas redes sociais administrando o prejuízo.
A bola de neve foi avolumando até se transformar em avalanche. Décadas de desperdício de dinheiro público no pagamento de gratificações e adicionais criados propositadamente com a intenção de beneficiar apaniguados entre os poderes, ausência de uma cobrança efetiva de tributos de grandes fortunas de segmentos responsáveis pelo financiamento privado de campanhas eleitorais, uma política econômica voltada para atender os interesses do agronegócio, em detrimento do desenvolvimento local, tudo isso pode ser colocado num liquidificador e resultar numa terrível gororoba, formada por policiais insatisfeitos, repartições vazias, servidores sindicalizados em greve e a população, principal destinatária dos serviços públicos, abandonada, sem acesso a hospital, escola ou uma viatura policial.

O futuro não parece nada alentador para os potiguares, mas muito menos para o seu funcionalismo. Se 2018 promete mais recessão, só resta ao servidor e a servidora endividado pensar numa nova opção de emprego, já que há dois anos vê seu meio de subsistência minguando num espaço de meses cada vez maior. A crise do funcionalismo é a crise de um Estado por completo e essa crise não é boa pra ninguém, nem para quem está encastelado em sua mansão ou apartamento de luxo, nem para quem vive somente num casebre. Aguardemos ainda os próximos capítulos de um conto de terror chamado governo Robinson Faria!



                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                

COMPORTAMENTO: Por que os artistas se matam tanto?

Era para eu ter escrito essa postagem há alguns meses atrás este ano, logo após ter tomado conhecimento do trágico suicídio do cantor norte-americano Chris Cornell, após um show de sua banda, uma das lendas do grunge, o Soundargen. Eis que no mês seguinte, no aniversário da morte de Cornell fui surpreendido por outro suicídio: a morte de Chester Bennington, vocalista do Linkin Park, morto, assim como Cornell, por enforcamento. O cantor do Soundgarden tinha 52 anos e três filhos, e Bennington, 43, e quatro filhos. Ambos experimentaram o sucesso, venderam milhares de discos com suas bandas, suas vozes eram reconhecidas nas rádios do mundo todo e ninguém pode dizer que algum deles estivesse atolado em dívidas ou passando necessidades materiais. "Foi as drogas!", muitos dirão, até porque ambos os vocalistas tiveram um passado nebuloso de uso de drogas pesadas. "Foi a depressão!", outros podem dizer, uma vez que tanto Cornell quanto Bennington lutavam há anos com seus demônios internos, tiveram infâncias difíceis em disfuncionais famílias proletárias da costa oeste americana, e, geralmente, relatavam toda sua dor e seu pranto nas letras de suas músicas. Será que foi apenas isso?

Na verdade, entre a vontade e a ação, senti-me tocado a finalmente escrever umas linhas de texto neste blog, quando, passando numa livraria, vi alguns textos do poeta russo Vladimir Maiakovski, e me surpreendi com uma foto dele morto, aos 32 anos, jovem, bonito, elegante em seu terno branco, mas com uma expressão de lamento, com os olhos fechados e a boca aberta num último gesto, como que ao proferir o último grito, enquanto uma mancha de sangue escorria de seu casaco, revelando que o artista havia dado um tiro no próprio peito. Entre Maiakovski na Rússia da década de trinta, Torquato Neto no Brasil dos anos setenta e Cornell a Bennington em pleno século XXI, pude notar a semelhança de que todos eram jovens, todos tinham família, todos tinham sua obra, mas diante de um mundo que, para eles, era tão caótico, parece que não conseguiram segurar a onda.

Ao mesmo tempo, ao escrever este texto me recordo da frase atrevida de Gene Simmons, vocalista e baixista da antológica banda Kiss. Quando Kurt Cobain, do Nirvana, matou-se, em 1994, Simmons publicou uma nota na imprensa, onde só lamentava que o cantor do grunge não tivesse deixado um bilhete, deixando toda sua fortuna para ele. Apesar da indelicadeza típica de um membro do Kiss, Simmons comentou logo após a polêmica frase que não admitia que alguém não segurasse a onda do sucesso e da fama, já que era aquilo que ele (bom rockeiro capitalista e eleitor do Partido Republicano) sempre quis quando resolveu ser músico nos anos setenta, quando, segundo ele, nos tempos de pobreza tinha uma banda miserável que não dava grana sequer pra comprar um bife.

Na verdade, Simmons e Cobain são de universos e gerações distintos da cena do rock, e apesar de ambos terem contribuído, ao seu modo, para a história da música, o suicídio de Cobain tem muito mais haver com outros personagens célebres da vida musical, como os próprios Cornell e Bennington, seus contemporâneos. Somados a eles, nessa macabra estatística, podemos citar o cantor Ian Curtis, líder e vocalista do lendário Joy Division, banda inglesa pós-punk do final da década de setenta, que se enforcou aos 23 anos, há mais de trinta anos, quando sua banda já tinha se tornado antológica, dias antes de embarcar para aquela que seria a primeira turnê norte-americana do grupo de Manchester. Epilético, com acesso a álcool e drogas, e uma vida doméstica complicada, Curtis foi mais um que sucumbiu, pendurado em uma corda, a ingressar na triste lista de bons artistas que tiraram a própria vida. Assim como os vocalistas do Soundgarden e do Linkin Park, Ian Curtis também tinha família, deixando uma filha orfã. Seriam essas pessoas todos uns fracos egoístas, que, deliberadamente, deixam filhos sem pais??

Mas o que leva essas à solução final e mais trágica? Fora os efeitos deletérios da dependência química e o consequente mal estar físico e psicológico, o que levaria esses bem sucedidos músicos a não ver mais sentido em respirar e tirar a própria vida? Creio que seria muito simplismo dizer que gestos tão tristes como esses seria apenas um ato de egoísmo. Na verdade, se formos contabilizar aqueles que se foram como integrantes de uma geração perdida, concebida na segunda metade do século passado, alguns anos após o surgimento do rock, teremos uma tese sociológica e literária sobre esse fato: trata-se de uma geração de mal do século.

Historicamente, o mal do século é um movimento do século XIX, que se desenvolveu nas letras e nas artes de uma Europa e, posteriormente, de uma América que vivia a ressaca do romantismo. Segundo a definição de Massaud, o mal do século pode ser definido como uma estética de: “Pessimismo extremo, em face do passado e do futuro, sensação de perda de suporte, apatia moral, melancolia difusa, tristeza, culto do mistério, do sonho, da inquietude mórbida, tédio irremissível, sem causa, sofrimento cósmico, ausência da alegria de viver, fantasia desmesurada, atração pelo infinito, “vago das paixões”, desencanto em face do cotidiano, desilusão amorosa, nostalgia, falta de sentimento vital, depressão profunda, abulia, resultando em males físicos, mentais ou imaginários que levam à morte precoce ou ao suicídio”.

Tivemos no Brasil diversos representantes dessa estirpe, como Álvares de Azevedo e Casimiro de Abreu, mas talvez Goethe seja um dos maiores expoentes desse movimento artístico, com seu clássico romance: "O sofrimento do jovem Werther", que  incitou uma onda de suicídios em toda a Europa, devido ao destino do seu protagonista, chegando a ser mesmo considerada durante anos uma obra maldita ou proibida. Pois é, meus amigos! Tristeza não é sentimento fácil e pior ainda é falar dele ou cantar sobre isso. Se, há dois séculos atrás, um coletivo de jovens artistas via o fracasso da revolução industrial, com a pujança capitalista dos grandes proprietários de um lado, a confrontar com a miséria e a exploração de milhares de assalariados e desempregados do outro lado, num cenário de guerras, perseguições e conflitos, na segunda metade do século XX, após os primeiros alegres acordes da guitarra de Chuck Berry, os rebolados de Elvis, e a rebeldia intrépida da invasão britânica, que trouxe os Beatles e os Rolling Stones, o rock das décadas seguintes nunca foi o mesmo, sacudido pelo som pesado e sombrio do Led Zeppelin e Black Sabbath ou de discos falando sobre discos voadores ou  gnomos, no rock progressivo de bandas como Genesis ou Pink Floyd.Era o fim da flower generation e as mensagens de paz, amor e esperança do movimento hippie, cuja inocência foi encerrada abruptamente pela chacina da família Manson. Era tempo agora da música popular, especialmente o rock, voltar-se em suas letras para um lado mais sombrio, escuro, depressivo, como que chegando ao fundo da alma, explorando toda a tristeza e o desencanto com aqueles tempos. Para contribuir para o clima geral de pessimismo traduzido em musicalidade, poemas e estilo, surgiu o punk, e com ele atitudes totalmente niilistas, de "não estar nem aí pra todo o mundo" ou de "foda-se o mundo", por meio dos rocks de protesto do Sex Pistols ou do The Clash.

Foi ouvindo as músicas desses grupos que surgiram cantores como Kurt Cobain, Chris Cornell e Chester Bennington.  Já imersos numa cultura pessimista de autodestruição, esses artistas foram criados em ambientes que apenas pulverizaram em forma de arte sentimentos que já estavam sendo carregados com eles desde tenra idade. No caso de Cornell, sabe-se que era um garoto solitário, filho de um farmacêutico e de uma contadora, que abandonou a escola na adolescência após uma forte depressão que o impossibilitava, inclusive, de sair de casa. Chris gostava de leitura e tinha apreço especial pelos poemas de Silvia Plath (outra artista que se suicidou jovem). Nesse sentido, a música foi a válvula de escape natural para quem já alimentava muitos monstros internos, e tais criaturas já eram descritas, de forma semelhante ou em mensagens cifradas em letras de música sobre o desencantamento do mundo e das pessoas, diante de uma sociedade industrial e tecnológica em crise, como nas músicas do Joy Division. Chester Bannington, por sua vez, teve também sua cota de dor transmitida por meio das letras de suas músicas. Vítima de bullying e abuso sexual na infância, Chester buscou durante anos no álcool e nas drogas as fugas para seus dramas pessoais, e sempre teve o vocalista do Soundgarden, quase dez anos mais velho, como grande ídolo e referência, já que provinham do mesmo ambiente. Desta forma, é mais aceitável para alguns reconhecer que o suicídio do amigo músico foi o catalisador final de um processo mórbido que já havia se iniciado há anos no inconsciente do músico norte-americano, e que culminou com sua morte, da mesma forma que seu ídolo, cerca de um mês antes. No contexto de músicas que falavam do absurdo da indiferença, do reconhecimento da impotência, da exaustão de ser quem é, e da tristeza quanto à insensibilidade do mundo, não é tão estranho pensar agora que intérpretes que levam sua arte a sério, podem levá-la até às ultimas consequências, transformando em realidade, o que antes era apenas esboçado nas letras de suas músicas.

Encerro, assim, estas linhas, ao tratar da trágica morte desses célebres artistas, reproduzindo em português os versos do refrão da canção Numb, umas das clássicas do Linkin Park, cantada na saudosa e lancinante voz de Chester Bennigton, que eu espero tenha encontrado a paz que nunca encontrou em vida, junto ao seu amigo Chris Cornell, desejando eu que mais almas tão atormentadas não nos deixem tão cedo, ao menos não antes de deixarem algo de bonito, que talvez não consigam ver em suas próprias vidas, como a beleza de suas canções.

Eu me tornei tão indiferente
Não posso sentir você aí
Me tornei tão cansado
Muito mais consciente
Estou me tornando isto
Tudo o que eu quero fazer
É ser mais como eu sou
E menos como você é

terça-feira, 17 de outubro de 2017

CRISE POLÍTICA:A hipótese coxinha!!

Um fantasma ronda o Brasil: o fantasma da extrema-direita. Em milhares de espaços, seja nos protestos de rua ou nas redes sociais, nos comentários dos meios de comunicação ou nos escaninhos de juízes, procuradores e tribunais, um manto de extremismo político golpista e ignorância parece tomar conta das instituições nacionais, num momento de aguda crise da República.

A crise não foi fomentada agora. Ela começou bem antes, como uma crise de mercado lá nos tempos do governo Bush, que na fase áurea do  primeiro mandato de Lula, não passava de uma " marolinha". Chegou no governo de Dilma Rousseff, suas dificuldades de lidar com o Parlamento, rodeada de aliados conspiradores, a começar pelo seu vice-presidente, Michel Temer, que não demorou para apeá-la do poder, logo após Dilma ter obtido a reeleição, mediante um controvertido processo de impeachment. É! Faz um ano que a esquerda brasileira, petista ou não, gritava a plenos pulmões:"é golpe!"; e não adiantou uma multidão de sindicalistas, militantes estudantis ou dos movimentos sociais, intelectuais e funcionários públicos com salários atrasados invadirem às ruas, vestidos de vermelho, ameaçando uma greve geral que nunca ocorreu de verdade, e que apesar dos carros de som e bandeiras, interrompeu o trânsito das grandes cidades em dia de semana, sem conseguir resultados efetivos. Tais protestos acabaram se tornando rarefeitos até desaparecer por completo, permanecendo a multidão muda diante de um asqueroso presidente que, para se livrar de processos, corrompe com maior cara de pau deputados venais, sem compromisso ideológico algum, a não ser com seus próprios interesses, fazendo uma sessão da Câmara dos Deputados parecer um filme de horror. Onde estão nossos manifestantes? Cadê a greve geral? Onde estão aqueles dias que abalaram o mundo? A revolução, para onde foi? Os derradeiros protestos dos movimentos sociais em Brasília pareciam mais uma manifestação de nostalgia aos saudosos anos oitenta pós-ditadura, do que um processo de ruptura revolucionária que levaria à queda de um governo golpista. Os tempos são outros.

A crise prosseguiu e se alimentou do descrédito, da perda de identidade dos partidos e legendas políticas. Afundado no pragmatismo político até o pescoço e incapaz de realizar profundas mudanças sociais e institucionais que acenassem com uma ruptura, Lula e o petismo no governo preferiram aliar-se aos mais poderosos, a reforçar velhas e espúrias táticas de poder pautadas no fisiologismo, no patrimonialismo e na corrupção. De um dia para outro, através das autoritárias e polêmicas medidas judiciais adotadas pelo arrogante juiz federal Sérgio Moro, nos rumos da chamada Operação Lavajato, políticos e empresários até então intocáveis conheceram o xilindró e a execração política. Tido inicialmente como um movimento que tendia a só criminalizar o PT, num lapso de parcialidade, o maremoto judicial que redefiniu a política brasileira acabou atingindo todos os partidos, quando próceres do PSDB, principal adversário dos petistas e partido nêmesis do petismo (porque não dizer seu irmão siamês), também foi atingido por denúncias e processos, senão por iniciativa de procuradores de Curitiba, ao menos por meio de decisões no Supremo Tribunal Federal.  Enfim, Aécio Neves, outrora galante adversário de Dilma na campanha presidencial e até então queridinho de 10 entre 10 celebridades artísticas antenadas com a classe média conservadora e arrivista, também conheceu a desgraça; da pior forma e pior do que Dilma; pois, assim como a ex-presidente, o senador de Minas Gerais foi flagrado em áudios comprometedores, divulgados em rede nacional, proferindo frases impublicáveis, e praticamente reconhecendo a prática de crimes, que hoje seus advogados insistem em dizer aos mais incautos que não existiram. E o badalado "coxismo" dos batedores de panela da era Dilma, onde ficou?

Ao brincar com o título deste artigo, fiz uma brincadeira com o título do livro do renomado pensador de esquerda francês, Alan Badiou. Em seu livro, "A Hipótese Comunista", Badiou reflete que, não obstante o fim da União Soviética (com uma Revolução Russa que completa 100 anos este mês), a queda do Muro de Berlim em 1989 e o fortalecimento do neoliberalismo, com o atual processo de globalização que se consolidou neste século, é cedo dizer o capitalismo triunfou de vez, seria o fim da história e deveríamos sepultar todas nossas utopias de esquerda, por ter sido tudo mera enganação autoritária. O próprio termo "comunista" ganharia no século XXI conotações bem diversas daquela da época da Comuna de Paris, no século XIX, ou da Revolução bolchevique de 1917. Comunista seria, antes de tudo, mais um atributo do que um substantivo ou uma qualificação política. Um atributo ou adjetivo moral, intelectual e estético, para alguém que acredita efetivamente num projeto de transformação comum de toda a humanidade.

Mas no que reside o "coxismo", que também pode ser definido como um atributo político e não apenas um pitoresco apelido dado pelos militantes de esquerda brasileiros aos seus algozes de direita, adversários preferenciais no jogo de palavras tão típico de nosso jocoso idioma português?

A própria palavra "coxinha" merece algumas considerações etimológicas, levando-se em conta que o termo atribuído a Reginas Duartes, Lucianos Hucks e Alexandres Frotas da vida, não se refere apenas ao saboroso acepipe de padaria que se constitui no terror da dieta de muitos. Estabelece a crônica política que o termo tem origem em São Paulo e se encontrava associado historicamente à violência policial, especialmente da Polícia Militar paulista, orientada durante anos por governos tucanos do PSDB. Mas como é isso?

É simples e ao mesmo tempo curiosa a origem do nome. É sabido que até por seu enorme contingente, a Polícia de São Paulo é uma das mais mal pagas do país. Numa metrópole violenta e com um altíssimo custo de vida, era comum muitos policiais fardados, trabalharem além do expediente com suas viaturas, prestando assistência a comerciantes, donos de bares, lanchonetes e cantinas, de bairros tradicionais como Pompeia e Vila Madalena, afugentando durante a noite mendigos, pedintes ou quaisquer indivíduos considerados suspeitos de se aproximar desses locais, valendo-se da truculência, seja por meio de ameaças ou por meio de agressões físicas mesmo, algumas até resultando em morte. Como meio de pagamento, por terem "desaparecido" com os indesejáveis que afastavam a freguesia, muitos desses policiais recebiam dos seus contratantes um prato de coxinhas, como forma de agrado, pelos "bons serviços prestados".

Nas primeiras manifestações populares de junho de 2013, quando começaram a irromper no país uma série de protestos de rua, reunindo milhares de pessoas, estimuladas pelas redes sociais, em São Paulo e no Rio de Janeiro surgiram rapidamente notícias de abusos de autoridade e atos de violência policial, revelando num primeiro momento uma corporação ainda despreparada para grandes tumultos em vias públicas, resultando em atos de destruição, reações de vandalismo de manifestantes e atos de agressão até em jornalistas. Foi nesse contexto que aquelas pessoas, mais reacionárias, que apoiavam a ação da polícia, elogiando as agressões na internet, por considera-las atos de manutenção da ordem, para combater a ação de "esquerdistas", passaram a ser rotuladas pelos agredidos de "coxinhas". A palavra "coxinha deixou, então, de ser empregada para uma única categoria social (os policiais militares do governo Alckmin) e passou a ser atribuída a todas as pessoas compreendidas dentro de certo espectro político e ideológico 

Importante salientar que as "marchas de junho", como foram definidas as manifestações populares de 2013, não eram integradas apenas por militantes de esquerda, e, ao contrário, na sua primeira versão representavam uma massa informe composta de gente de todas as matizes e preferências ideológicas. Foi justamente no cerne da crise que se sucedeu e recrudesceu no governo de Dilma Rousseff, a partir da descoberta de casos de corrupção na Petrobras e com o surgimento da Lavajato, que as manifestações de rua geraram um dos representantes máximos da estética coxinha e da Nova Direita brasileira: o MBL.

O Movimento Brasil Livre, representado nacionalmente por um de seus líderes, o estudante paulistano Kim Kataguiri, é uma espécie de lado negro ou cara-metade invertida da União Nacional de Estudantes. Formado em sua maioria por jovens de classe média identificados com o neoliberalismo, o grupo não tem consistência ou firmeza programática, vale-se muito mais de jargões caros aos oposicionistas do petismo, e sua falta de consistência ou profundidade teórica é substituída pelo seu alto poder de articulação e polarização em momentos cruciais da política e da cultura nacional, como forma de mobilizar a opinião pública, especialmente a de linha conservadora e de direita. Um exemplo disso foi a recente polêmica envolvendo discussões sobre gênero e homoafetividade, que resultou na retirada da exposição "Queermuseu" no Santander Cultural em Porto Alegre e a mobilização contra uma exposição no Museu de Arte de São Paulo, onde um artista nu reproduzia uma tela retratando bichos,  e teve uma foto sua reproduzida nas redes sociais, ao ser tocado nos pés por uma criança, o que gerou acusações moralistas de incentivo à pedofilia. O MBL vale-se da agenda política voltada desde o pensamento neoliberal até o agronegócio, passando pelo fundamentalismo religioso, a fim de abrir espaço para sua pauta oportunista de Estado mínimo. O que confere maior identidade aos seus raivosos militantes, que espalham impropérios contra seus adversários nas redes sociais, é seu arraigado antipetismo e antiesquerdismo, características básicas de tudo o que se define por "coxinha".

Em síntese, ser "coxinha" implica, portanto, num compromisso de classe com as elites políticas e econômicas dominantes, num arrivismo social típico de integrantes da classe média que tem a ambição da ascensão de se tornarem ricos e poderosos. Sobretudo nas passeatas setorizadas que apoiavam o impeachment de Dilma Roussef e a prisão do líder maior do Partido dos Trabalhadores,  o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, os militantes que se apresentavam como patriotas nas passeatas, vestindo camisas verde e amarelas como se estivessem num jogo da Copa do Mundo, em vários domingos nos centros urbanos (diferentemente de seus adversários "vermelhos", que protestavam em dias de semana), passaram a simbolizar o típico comportamento, linguagem e formas de ser de um "coxinha".  O coxismo dos integrantes de coletivos como o MBL e o "Revoltados on line" ficou marcado por frases de efeito pseudomoralistas de combate à corrupção, ao mesmo tempo em que seus líderes tinham suas manifestações financiadas por políticos e partidos que assumiram o poder com a derrocada de Madame Roussef, e que acabaram também sendo processados e condenados por corrupção. A prisão de Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara que iniciou o processo de impeachment da ex-presidente e a atual situação jurídica de Michel Temer, o presidente golpista mais impopular da história republicana recente (com somente 3% de aprovação), além de ser o primeiro mandatário em exercício na Presidência a ser denunciado criminalmente, ambos do PMDB, revelam o quanto jovens militantes da Nova Direita mostraram-se incoerentes na sua cruzada moralizadora, uma vez que todos esses citados senhores, ao menos uma vez foram apoiados pelo MBL. 

A novidade atual, para os remanescentes dos festejos coxinhas após a dramática queda de Dilma, é o surgimento de candidatos que outrora eram uma anedota política e agora ganharam contornos de seriedade, como o deputado de extrema-direita Jair Bolsonaro, truculento defensor da ditadura e de torturadores, que ocupa atualmente o segundo lugar nas intenções de voto na candidatura à presidência. Cita-se também dentro do esquema ideológico preferencial dos coxinhas para o ano que vem, a possível candidatura do atual prefeito de São Paulo, João Dória, um playboy, novato na política e ex-apresentador de televisão, que ao largar seu mentor, o governador e também candidato ao palácio presidencial, Geraldo Alckmin, revelou todo o seu oportunismo ao abandonar a gestão da metrópole que o elegeu, visitando o país em ostensiva campanha eleitoral, distribuindo biscoitos oriundos de alimentos vencidos para os mais pobres, além de ordenar uma confusa, abusiva e inexpressiva expulsão de usuários de droga na "Cracolândia" paulistana, além de tentar imitar o presidente norte-americano Donald Trump, no uso histriônico das redes sociais, publicando vídeos insultando seus desafetos.

O coxismo é, entretanto, um subproduto da esquerda brasileira, e  não um produto genuíno de uma direita organizada no Brasil. Na verdade, no período recente da história da república, quando Lula chegou ao poder, superando os tucanos após três eleições mal sucedidas, o que se viu foi uma reorganização ou arregimentação de setores reacionários que sempre estiveram presentes na sociedade brasileira, mas permaneceram adormecidos nos anos politicamente corretos de uma unidade nacional, forjada em tempos fortuitos de prosperidade e avanços sociais, com crédito no bolso, geração de empregos e filhos de trabalhadores pobres chegando nas universidades, criando um clima de otimismo externado na propaganda ufanista dos tempos áureos da presidência lulista, onde se lia o jargão governamental, de que "sou brasileiro e não desisto nunca". 

Entretanto, como um efeito colateral da ressaca econômica que se sucedeu com a sucessão de Lula por Dilma, o advento galopante do desemprego, a desaceleração da economia com o retorno do susto inflacionário e uma persistente recessão, que quebrou estados com governantes endividados e enrolados em práticas de corrupção, o que se viu no Brasil, principalmente com os protestos de 2013, foi a formação rápida e contínua de um contingente despolitizado, mas oportunista, que se valendo de jargões reacionários da velha direita, pré-golpe de 1964, começaram a pregar uma volta ao passado, como se o tempo da ditadura ou de governos alinhados com o neoliberalismo fossem melhores do que os vividos sob a égide de governos da esquerda. 

O que une, portanto, os coxinhas neoliberais com os conservadores é menos um projeto teórico fundado num ideal político específico de sociedade, mas muito mais um esboço de sociedade onde o Estado somente atuaria na sua faceta policial, suprimindo liberdades (ao menos dos mais pobres), sob o pretexto de um combate implacável à corrupção e a criminalidade. Nos demais aspectos, o "milagre econômico" resultaria num novo laissez faire, onde os ricos teriam preservado o direito de ficar mais ricos, e os pobres somente seriam pobres porque não tiveram competência para se tornarem ricos. Jogadores de futebol que disputaram e venceram Copas do Mundo, como o hoje senador Romário e Ronaldo "Fenômeno", assim como o craque da seleção brasileira e aspirante a melhor do mundo, Neymar (todos eleitores de Aécio Neves), seriam as celebridades máximas de representatividade do ideal de prosperidade coxinha.

Finalizando essa análise da Nova Direita apelidada de coxinha, segundo a filósofa do século XX, Hannah Arendt, o totalitarismo vale-se de uma propaganda que seduz, sobretudo, a ralé. Por ralé não se entenda uma categoria social específica, determinada pela sua condição econômica, mas sim todo um segmento de pessoas alinhadas às camadas médias da sociedade, dentre os formadores de opinião, que presos ao senso comum e às soluções fáceis das crises políticas, acabam por chancelar o discurso e candidaturas fascistas, que não tem o menor pudor de rasgar diplomas legais que assegurem direitos democráticos e a supressão de liberdades, em prol de um discurso de segurança e prosperidade. Foi assim que alemães e italianos seguiram, respectivamente, o nazifascismo na Europa do século passado, causando uma II Guerra Mundial, e parece ser assim o caminho da direita brasileira, ao propor desde o fechamento de museus por conta de seu fundamentalismo religioso ou moral burguesa, supostamente judaico-cristã, passando pela alusão à candidaturas de personagens com o perfil de Bolsonaro, até mesmo a proteção de generais saudosos de tanques e baionetas fechando parlamentos, que pregam abertamente o desrespeito à Constituição, sem sofrer punição alguma, durante reuniões gravadas de maçons. Tudo isso pode-se revelar o destino final do coxismo.

A esquerda brasileira é confusa, contraditória, até mesmo ingênua em alguns momentos e autora de crassos erros históricos; mas sempre se preocupou em discutir teoricamente seus ajustes de curso. A direita no Brasil, entretanto, ao menos no período republicano, sempre foi anti-intelectual, pragmática e oportunista ao extremo, sem um referencial que lhe desse profundidade, nem que fosse por meio de um ideário religioso, católico, conservador e tradicionalista. Na verdade, os opositores da esquerda em sua maioria (com honrosas exceções) preferiram um processo midiático de colagem para desacreditar seus rivais ideológicos na esquerda política, onde as falhas e erros graves de muitos de seus líderes (inclusive por práticas de atos de corrupção), foram superdimensionadas pela militância de direita, a fim de pregar neles o rótulo de "pais da corrupção", ou autores de "tudo de ruim que acontece na vida nacional". Diferente da Europa com sua Democracia Cristã ou nos Estados Unidos, por meio do Partido Democrata, a direita brasileira, assim como todas as suas congêneres latino-americanas, sempre foi mais oligárquica, agrária, fisiológica e reativa, do que uma direita técnica, propositiva, liberalista e gerencial. Esse ainda é o grande problema do debate político no Brasil e um obstáculo enorme a sua incipiente democracia. Ao invés do saudável debate entre opostos, ainda veremos durante um bom tempo verdadeiras brigas verbais (quando não físicas) entre integrantes de uma esquerda despreparada e membros de uma direita burra e valentona. Talvez esse seja o grande legado da militância coxinha.


sexta-feira, 1 de setembro de 2017

IN MEMORIAN: Jerry Lewis-o rei dos comediantes

Foi no dia 20 de agosto deste ano, um domingo pela manhã, que morria Jerry Lewis, aos 91 anos. As homenagens são muitas e merecidas no mundo das artes e dos espetáculos. Afinal de contas, conforme o personagem interpretado do mesmo nome dele, sequestrado por Robert de Niro, no filme do diretor Martin Scorsese, Lewis era o verdadeiro "Rei da Comédia".

O título não é exagerado, considerando três décadas de trabalho exaustivo, na produção de dezenas e dezenas de filmes que exploraram como ninguém o chamado humor físico, classificado limitadamente por outros como "comédia pastelão". Jerry Lewis foi um dos maiores comediantes do século XX, assim como Mel Brooks, e Jacques Tati, mas a profundidade de sua arte ia além da comédia e beirava o perfeccionismo, aproximando-o de outros gênios do cinema como Charles Chaplin, que se iniciou comediante.

Nascido Joseph Levitch, em Newark, Nova Jersey, filho de imigrantes, judeus russos, que também eram artistas, começou a atuar cedo, já aos cinco anos de idade, fazendo imitações e dublagens. Não demoraria para que aquele jovem magricelo e desengonçado se tornasse um dos maiores comediantes do mundo. A grande verdade é que, como personagem, Jerry Lewis foi um dos ícones da cultura pop. Seu Professor Aloprado, onde reinventava de forma divertida "O médico e o monstro" é apenas a mostra de alguns dos filmes eternizados no imaginário cinematográfico, bem como o personagem tímido que, com suas trapalhadas, conquista a atenção das garotas de um pensionato em O rei das mulheres.

Não obstante todo o seu talento, massificado no mundo inteiro e divulgado à exaustão no Brasil pelos filmes reprisados na Globo, no " Festival Jerry Lewis", a obra do artista era considerada mediana nos Estados Unidos, mas elevada à condição de obra de arte na França, onde até hoje os filmes dele são estudados nas universidades. O fato significativo é que, por detrás de cenas aparentemente simples, com roteiros simplórios, envolvendo abajures, vassouras ou garrafas, na verdade existia um estilo meticuloso de filmagem, com números de interpretação repetidos à exaustão, com altas doses de perfeccionismo (a cena do artista regendo uma orquestra imaginária no filme O Mensageiro Trapalhão, é um exemplo disso). Se no Brasil, crianças como eu, do final dos anos 1970 tínhamos os Trapalhões de Renato Aragão como nossos heróis nacionais, sem dúvida Jerry Lewis era o grande rei. Não havia como um molequinho mulato, gordinho, de óculos e meio nerd, de frente a uma TV não se identificar com aquele tipo abobalhado, mas altamente sensível, da maioria dos personagens interpretados por Lewis.

Em seus primeiros filmes, da década de 1950, um Lewis jovem, de vinte e poucos anos, fazia dupla com um galante cantor Dean Martin. As aventuras dos dois eram as delícias de sessão da tarde de crianças como eu, que adoravam ver na TV esses filmes reprisados, mostrando as travessuras de um pirralho atrapalhado e seu amigo galanteador, numa América muito mais inocente do que hoje (ou ao menos o que parecia ser). Naqueles filmes, Lewis aparecia como suposto coadjuvante de seu parceiro galã, mas o grande astro dos filmes era realmente Lewis, com suas cenas impagáveis. Restava a Martin fazer os números musicais e cenas românticas, numa clara forma de atingir a audiência feminina para esses filmes. No fim, tratava-se de uma astuta estratégia de marketing de Lewis, que, além de ator era um jovem e ambicioso roteirista, que aproveitava a dupla com Martin para expandir sua obra, lotando cinemas, com seu público diversificado.

Ao final da década, cansado de ser subvalorizado apenas como um rosto e voz bonitas, Dean Martin rompeu a parceria e o gênio criativo de Jerry Lewis ampliou-se nas décadas seguintes, principalmente nos anos sessenta e setenta, para inúmeros personagens e performances históricas. Às vezes em experiências bem sucedidas, outras nem tanto, permanecendo ou mudando de estúdios, a criatividade de Lewis ainda rendia cenas hilárias e originais no cinema. Em uma delas, em um dos seus filmes nos anos setenta,  Lewis interpreta um personagem que é confundido com um agente secreto, e passa a escapar de assassinos de aluguel, disfarçado até mesmo de dançarino japonês Kabuki. Com seus trejeitos, Jerry Lewis deixou não apenas uma legião de fãs, mas também de discípulos que aproveitaram seu legado, com novos artistas de outras gerações, que, de certa forma, perpetuariam seu trabalho no humor, como Billy Cristal, Eddy Murphy, o comediante inglês Rowan  Atkinson (o Mr. Bean) e Adam Sandler. Porém, talvez dos comediantes de hoje o que mais se aproximou da forma de fazer rir como Lewis foi Jim Carrey. As caras e bocas do ator de "O Máscara", "O Mentiroso" e "O Pentelho", trazem em suas performances o DNA da obra de Lewis.

Assim como Carrey, Jerry Lewis não tinha uma vida totalmente feliz apesar da grana e do sucesso, e teve seus altos e baixos nas suas relações pessoais, principalmente nos casamentos. De temperamento explosivo, tendo uma relação com fortes tendências edipianas, face sua relação com a mãe um tanto quanto ausente, numa infância pobre em Nova Jersey, Lewis teve vários relacionamentos, apesar do casamento de 40 anos com a primeira mulher, até se casar com a ex-atriz e dançarina Sandy Dee, que se tornou uma espécie de segunda mãe, mais como esposa. Além disso, diagnosticado com uma série de problemas de saúde, o ator lutou durante anos contra enfermidades cardíacas, pulmonares e diabetes, além do vício em medicamentos por conta das fortes dores musculares que sentia nas costas. Por conta das medicações, Jerry Lewis também teve problemas de sobrepeso, levando-o a uma obesidade mórbida que o tirou de cena temporariamente de cena, no final dos anos 90.


Incrivelmente, no novo século, já bastante idoso e recuperado o peso da juventude, o velho comediante ganhou novo vigor, passou a fazer pontas em filmes (até no brasileiro Até que a sorte nos separe 2, com o ex-gordo humorista Leandro Hassum) e virou filantropo, passando a arrecadar dinheiro para pesquisas sobre distrofia muscular, quando chegou a arrecadar a expressiva cifra de seis bilhões de dólares. Tal proeza lhe rendeu um prêmio humanitário em 2009 na Cerimônia de Entrega do Oscar. Foi a única vez que Jerry Lewis foi reconhecido por Hollywood, já que a Academia, avessa à comédias e tendo comediantes apenas como apresentadores e não premiados, nunca premiou o seu maior gênio com uma estatueta.

Fica aqui minha homenagem em prol de minhas singelas lembranças, de alguém que me fez sorrir durante minha mais pueril juventude. Se a perda de Roberto Bolaños, o nosso eterno Chavez e Chapolin, foi tão dolorosa no ano passado, agora estendo esse lamento para o momento vindouro, feliz por saber que esses grandes artistas viveram muito, a ponto de morrer por causas naturais, mas manifestar minha tristeza de saber que astros talentosos como Jerry Lewis são únicos, e não se fazem mais. Que minhas lágrimas transformem-se em gargalhadas, ao revisitar as cenas do grande e maravilhoso Jerry Lewis!!!

Gates e Jobs

Gates e Jobs
Os dois top guns da informática num papo para o cafézinho

GAZA

GAZA
Até quando teremos que ver isso?