Foi no dia 20 de agosto deste ano, um domingo pela manhã, que morria Jerry Lewis, aos 91 anos. As homenagens são muitas e merecidas no mundo das artes e dos espetáculos. Afinal de contas, conforme o personagem interpretado do mesmo nome dele, sequestrado por Robert de Niro, no filme do diretor Martin Scorsese, Lewis era o verdadeiro "Rei da Comédia".
O título não é exagerado, considerando três décadas de trabalho exaustivo, na produção de dezenas e dezenas de filmes que exploraram como ninguém o chamado humor físico, classificado limitadamente por outros como "comédia pastelão". Jerry Lewis foi um dos maiores comediantes do século XX, assim como Mel Brooks, e Jacques Tati, mas a profundidade de sua arte ia além da comédia e beirava o perfeccionismo, aproximando-o de outros gênios do cinema como Charles Chaplin, que se iniciou comediante.
Nascido Joseph Levitch, em Newark, Nova Jersey, filho de imigrantes, judeus russos, que também eram artistas, começou a atuar cedo, já aos cinco anos de idade, fazendo imitações e dublagens. Não demoraria para que aquele jovem magricelo e desengonçado se tornasse um dos maiores comediantes do mundo. A grande verdade é que, como personagem, Jerry Lewis foi um dos ícones da cultura pop. Seu Professor Aloprado, onde reinventava de forma divertida "O médico e o monstro" é apenas a mostra de alguns dos filmes eternizados no imaginário cinematográfico, bem como o personagem tímido que, com suas trapalhadas, conquista a atenção das garotas de um pensionato em O rei das mulheres.
Não obstante todo o seu talento, massificado no mundo inteiro e divulgado à exaustão no Brasil pelos filmes reprisados na Globo, no " Festival Jerry Lewis", a obra do artista era considerada mediana nos Estados Unidos, mas elevada à condição de obra de arte na França, onde até hoje os filmes dele são estudados nas universidades. O fato significativo é que, por detrás de cenas aparentemente simples, com roteiros simplórios, envolvendo abajures, vassouras ou garrafas, na verdade existia um estilo meticuloso de filmagem, com números de interpretação repetidos à exaustão, com altas doses de perfeccionismo (a cena do artista regendo uma orquestra imaginária no filme O Mensageiro Trapalhão, é um exemplo disso). Se no Brasil, crianças como eu, do final dos anos 1970 tínhamos os Trapalhões de Renato Aragão como nossos heróis nacionais, sem dúvida Jerry Lewis era o grande rei. Não havia como um molequinho mulato, gordinho, de óculos e meio nerd, de frente a uma TV não se identificar com aquele tipo abobalhado, mas altamente sensível, da maioria dos personagens interpretados por Lewis.
Em seus primeiros filmes, da década de 1950, um Lewis jovem, de vinte e poucos anos, fazia dupla com um galante cantor Dean Martin. As aventuras dos dois eram as delícias de sessão da tarde de crianças como eu, que adoravam ver na TV esses filmes reprisados, mostrando as travessuras de um pirralho atrapalhado e seu amigo galanteador, numa América muito mais inocente do que hoje (ou ao menos o que parecia ser). Naqueles filmes, Lewis aparecia como suposto coadjuvante de seu parceiro galã, mas o grande astro dos filmes era realmente Lewis, com suas cenas impagáveis. Restava a Martin fazer os números musicais e cenas românticas, numa clara forma de atingir a audiência feminina para esses filmes. No fim, tratava-se de uma astuta estratégia de marketing de Lewis, que, além de ator era um jovem e ambicioso roteirista, que aproveitava a dupla com Martin para expandir sua obra, lotando cinemas, com seu público diversificado.
Ao final da década, cansado de ser subvalorizado apenas como um rosto e voz bonitas, Dean Martin rompeu a parceria e o gênio criativo de Jerry Lewis ampliou-se nas décadas seguintes, principalmente nos anos sessenta e setenta, para inúmeros personagens e performances históricas. Às vezes em experiências bem sucedidas, outras nem tanto, permanecendo ou mudando de estúdios, a criatividade de Lewis ainda rendia cenas hilárias e originais no cinema. Em uma delas, em um dos seus filmes nos anos setenta, Lewis interpreta um personagem que é confundido com um agente secreto, e passa a escapar de assassinos de aluguel, disfarçado até mesmo de dançarino japonês Kabuki. Com seus trejeitos, Jerry Lewis deixou não apenas uma legião de fãs, mas também de discípulos que aproveitaram seu legado, com novos artistas de outras gerações, que, de certa forma, perpetuariam seu trabalho no humor, como Billy Cristal, Eddy Murphy, o comediante inglês Rowan Atkinson (o Mr. Bean) e Adam Sandler. Porém, talvez dos comediantes de hoje o que mais se aproximou da forma de fazer rir como Lewis foi Jim Carrey. As caras e bocas do ator de "O Máscara", "O Mentiroso" e "O Pentelho", trazem em suas performances o DNA da obra de Lewis.
Assim como Carrey, Jerry Lewis não tinha uma vida totalmente feliz apesar da grana e do sucesso, e teve seus altos e baixos nas suas relações pessoais, principalmente nos casamentos. De temperamento explosivo, tendo uma relação com fortes tendências edipianas, face sua relação com a mãe um tanto quanto ausente, numa infância pobre em Nova Jersey, Lewis teve vários relacionamentos, apesar do casamento de 40 anos com a primeira mulher, até se casar com a ex-atriz e dançarina Sandy Dee, que se tornou uma espécie de segunda mãe, mais como esposa. Além disso, diagnosticado com uma série de problemas de saúde, o ator lutou durante anos contra enfermidades cardíacas, pulmonares e diabetes, além do vício em medicamentos por conta das fortes dores musculares que sentia nas costas. Por conta das medicações, Jerry Lewis também teve problemas de sobrepeso, levando-o a uma obesidade mórbida que o tirou de cena temporariamente de cena, no final dos anos 90.
Incrivelmente, no novo século, já bastante idoso e recuperado o peso da juventude, o velho comediante ganhou novo vigor, passou a fazer pontas em filmes (até no brasileiro Até que a sorte nos separe 2, com o ex-gordo humorista Leandro Hassum) e virou filantropo, passando a arrecadar dinheiro para pesquisas sobre distrofia muscular, quando chegou a arrecadar a expressiva cifra de seis bilhões de dólares. Tal proeza lhe rendeu um prêmio humanitário em 2009 na Cerimônia de Entrega do Oscar. Foi a única vez que Jerry Lewis foi reconhecido por Hollywood, já que a Academia, avessa à comédias e tendo comediantes apenas como apresentadores e não premiados, nunca premiou o seu maior gênio com uma estatueta.
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