quinta-feira, 29 de outubro de 2009

SEGURANÇA PÚBLICA: AFINAL, O QUE HÁ COM O RIO?

Vira e mexe, como bom fã da cidade maravilhosa, eu comunico a meus familiares minhas intenções futuras de voltar a morar no Rio, terra de minha infância, onde, apesar de não ter nascido carioca, cultivo ainda um apreço profundo, não só por suas belas paisagens naturais, mas também um carinho especial pelo seu povo, representado na figura do bom malandro "sangue bão", eternizado nos sambas de Noel e na Ópera do Malandro de Chico Buarque.

Rio de Janeiro, ex-capital da República. Rio, "purgatório da beleza e do caos", na canção de Fernanda Abreu. Sim, é fato que minha mãe tem calafrios, e quase que uma crise histérica, ao pensar na possibilidade de seu único filho homem viver num lugar que não é apenas mostrado como berço do Cristo Redentor, do belíssimo põr do sol nas pedras do Arpoador ou do bondinho atravessando o Pão de Açúcar, mas também é conhecido pela sua nêmesis: outro lugar, bem mais feio, bem mais frio, cinzento e aterrorizante, mostrado periodicamente nas telas de televisão, como um cenário apocalíptico de guerra entre policiais e traficantes, de balas perdidas, pessoas civis, inocentes, mortas ou feridas, crianças alvejadas com disparos de armas de fogo na cabeça, tumulto nas ruas, ônibus, carros e viaturas da polícia queimados, chamas de uma barbárie que lembra muito os filmes do Exterminador do Futuro.

O Rio que é mostrado pela mídia, de um helipcóptero da polícia explodindo, alvejado por traficantes, ou da morte do líder do Afroreggae, covardemente assassinado num assalto, mas, pior ainda, mais covardemente ainda injustiçado, quando os policiais que o deveriam acudir, deixam que ele morra agonizando, além de furtar os seus pertences, não corresponde ao Rio de Janeiro da minha infância, da minha inocência; onde eu, criança feliz, brincava de pedalinho junto com meus pais, sobre as águas da Lagoa Rodrigo de Freitas, ou da pureza pitoresca, com que meus olhos infantis viam o bairro de periferia onde morava com meus pais, envolto em minhas traquinagens com os moleques da rua, sempre sob a observação zelosa de minha mãe, além do apoio da vizinha, a amável Dona Elvira, uma senhora gorda com vários filhos, que não se privava de cuidar de mim, e me deixar brincar com seus filhos, meus brinquedos e amigos imaginários na sua varanda, quando meus pais não estavam em casa. O Rio do terror não corresponde ao Rio que eu conheci já adulto, quando retornei à cidade, homem feito, e conheci a solidariedade e o carinho de habitantes da cidade, tais como um sujeito chamado Américo, morador do Engenho Novo e comerciante bonachão, membro de uma Escola Samba, fanático por compor e cantar sambas-enredo, que tratavam de um povo trabalhador, sofrido, mas alegre na sua adversidade, "esperto", com todo o direito a "esses" e "erres" chiados e puxados, no típico sotaque carioca, mas preocupado com a segurança, assim como preocupado com o pão nosso que podia ou não vir a cada dia. A imagem do carioca que ficou nas minhas retinas era sim a do cidadão simples, urbano, adepto do chopp e fã de carnaval, mas que não parecia em nada com o povo assustado, aterrorizado, que aparecia e aparece quase todos os dias nas telas de TV, diante de nossos olhos, no Jornal Nacional.
O finado ex-governador Brizola, ele mesmo gaúcho, mas com uma alma ensolaradamente carioca, dizia, no ímpeto de seus rompantes populistas, quando era cobrado acerca da criminalidade na cidade, que "tudo era culpa da Globo". A violência passada pelos meios de comunicação era culpa da Globo, a explosão dos conflitos nos morros foi a Globo quem fez. E até a chuva abrupta, que estragava a praia do final de semana do carioca, era culpa da emissora do também falecido Roberto Marinho. Na preocupação de expor seu principal antagonista, o lendário governante apenas expunha as duas faces de um mesmo ser na cultura carioca: de um lado o governo, sempre ineficaz nas suas políticas de segurança; de outro, os meios de comunicação, capitaneados pela maior emissora de TV do país ( e uma das maiores do mundo), preocupada em transformar em notícia a ineficácia governamental.
Sim, pois até uma criança do ensino primário sabe hoje que o problema da violência urbana no Rio de Janeiro é, essencialmente, um problema gerencial. Não existe uma cultura da violência entre os cariocas. Não existe um "criminoso nato", a nascer em proporção geométrica, como pensava a ultrapassada teoria antropológica de Lombroso, a proliferar como uma praga, nas favelas e morros cariocas, pronto a crescer e desabrochar como um monstro, alimentando o narcotráfico e a bandidagem, ou escapando do crime para vivê-lo de outra forma, assumindo uma farda de policial, para então compor com sua quota-parte no sistema da violência. Criminosos não são o "Golem" da cultura da medo, como quer fazer pensar as nossas mais alarmistas políticas de segurança. Se o Rio de Janeiro hoje, passa por um cenário forjado de guerra, isso se deve à subcultura armamentista e bélica do ente Estatal, que, a pretexto de combater a violência, a aumenta, ao estabelecer um grotesco confronto entre policiais e traficantes.
O emprego do lema: "se vocês ferem um de nós, nós levamos uns dos seus para o hospital", ou, " se vocês levam um de nós para o hospital, nós levamos um dos seus para o necrotério", revela a selvageria de uma prática punitiva que transformou a polícia numa gangue, e os grupos de criminosos em exércitos. Enquanto bandidos se fartam de armamentos pesados, mais para atacar os grupos criminosos concorrentes, do que para atingir a polícia, a corporação policial se transforma em gangue, no momento que utiliza da mesma prática vingativa que se valem os bandos armados, quando um dos seus é ferido pelo grupo inimigo. A impressionante cifra de 60 pessoas mortas e feridas por ações da polícia em somente uma semana, logo após o triste episódio da queda do helicóptero da PM, atingido por traficantes, durante conflito entre bandidos no Morro dos Macacos, revela que muito mais por vingança, do que por justiça, atuaram os PMs cariocas, no sentido de desbaratar os reais responsáveis pelos horrorosos crimes praticados pelos perversos líderes do tráfico nos morros cariocas. Soma-se a isso a vergonha para uma corporação, a soma de fatos que apenas corroboram o distanciamento entre polícia e sociedade, e a banalização da violência, quando o coordenador do Afroreggae, o ativista social Evandro João da Silva, encontrou a morte em um caixa eletrônico no centro do Rio, após ter lhe sido negada assistência pelos policiais que deveriam salvá-lo e que abordaram seus algozes, permitindo não apenas que eles fugissem, mas que também entregassem o butim de seu saque hediondo nas mãos daqueles que, do alto de suas fardas, juraram "servir e proteger".
Evandro pode muito bem ter dado seu último suspiro, observando atônito, pelos seus olhos que logo parariam de expressar vida, o absurdo de uma polícia perdida, desfigurada, em crise de identidade. Uma polícia que reflete o Estado que tem, o Estado que a criou, armou e organizou. Um Estado que foi incapaz de recrutar, selecionar, formar e remunerar dignamente bons policiais, que atendem vítimas de assalto, não como se elas fossem mais um preto de bermuda, camiseta e chinelo, que teve a infelicidade de virar mais uma estatística nos óbitos de crimes violentos, mas sim como um ser humano, despido de condições de raça ou classe social, digno de proteção. Um Estado que foi incapaz de oferecer helicópteros blindados, ou roupas com proteção contra chamas, para seus policiais, que acabaram carbonizados entre os destroços da ineficiência governamental.


Conforme recente pesquisa do IBOPE, 36% da população fluminense vive hoje sob o risco de algum dia ser atingida por uma bala perdida. É quase o mesmo percentual de insegurança vivido por um israelense, afegão ou iraquiano de sofrer um atentado terrorista, enquanto está comendo sua esfiha ou tabule num restaurante no centro da cidade. Se a situação da violência no Rio é feia, não é menos feia que a crônica da morte anunciada de um Estado, outrora ocupado por populistas, generais, tecnocratas, tucanos, peemedebistas, brizolistas, petistas e Cezar Maias da vida. O Rio vai mal da segurança não porque seu alegre e malandro povo, fanático por samba, futebol, chopp e carnaval seja violento, mas sim porque, desde a saída da capital da República da cidade, o Rio, efetivamente, nunca teve um governo. Os esquemas pluralistas de gestão comunitária, ouvindo-se a população dos morros e dos bairros, centrada nas associações de moradores e rádios populares, nunca ecoaram nos palácios do governo, pois a comunidade nunca foi chamada a participar, e, sobretudo, influir, no âmbito das decisões administrativas sobre o desenvolvimento da cidade. A lógica autoritária de poder sempre foi a de lançar os programas governamentais de cima para baixo, onde, os "bacanas" e civilizados da Zona Sul ditavam o que fazer para os "suburbanos" moradores de periferia, como deixou escapar o Gabeira, na última campanha eleitoral para Prefeito. Para a complexidade de relações, no mosaico de mundos e submundos sociais que foram gerados na capital carioca, nunca se correspondeu a essas complexas relações, com um modelo de gestão compartilhada, com participação efetiva da sociedade civil, e, sobretudo, com um modelo baseado no emprego de recursos que fizessem com que a polícia não fosse apenas uma mera força reativa, de aplicação respectiva da força, mediante uma violência estabelecida, que acabou por transformar as polícias em gangues, como foi apresentado aqui, no ínicio deste comentário.
"O Rio de Janeiro continua lindo", apesar de tudo, mas com a cidade dotada de uma beleza triste, numa beldade que esconde uma profunda tristeza pela frustração de não ter encontrado ainda a resolução de seus problemas mais graves, que são, não o da insegurança, mas sim o da aplicação de efetivas políticas públicas que não só promovam a redução da desigualdade social, mas também se abram à participação popular. Não basta guris nas favelas bem alimentados e bem vestidos, com escolas e postos médicos, a salvo de traficantes, assim como não basta policiais bem pagos, bem armados e treinados, para que se tenha uma cidade tranquila, como aquela que se espera para o acolhimento da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016. O carioca necessita também ter direito à voz, falar por si próprio e não apenas por aqueles quem ele vota, de dois em dois anos, para retroalimentar o Legislativo Municipal ou Estadual. Ele precisa falar de si e cuidar de si, mediante mecanismos democráticos que garantam que ele não seja apenas consumidor de um serviço; como se só bastasse pagar um cara armado e de farda para garantir sua proteção (pois, as milícias já fazem isso, em muitos bairros da periferia carioca). O cidadão (eita palavrinha difícil em termos de Rio), necessita não apenas consumir o serviço prestado pelo Estado, mas sim ser o gestor da produção dessa segurança. Ele jamais conseguirá realizar essa utopia, se continuar a ser tratado como Evandro, agonizando no piso de uma agência bancária enquanto PMs se retiram, revelando a franca invisibilidade de mais uma vítima do descaso. Não há de se falar em segurança no Rio, enquanto o narcotráfico nos morros e favelas for visto como uma mera operação de guerra, com direito a cinematográficas ocupações de policiais fortemente armados, que, na calada da noite, estouram "bocas de fumo" e põem portas abaixo, sem cerimônia, pois, segundo essa prática, a vingança não precisa de mandado judicial.
É necessário armar as consciências mais do que os fuzis, pois somente assim o Estado recobrará sua credibilidade diante da barbárie, e o carioca pacato, ativo e brincalhão do Rio, voltará a cantarolar para turista ver, tocando seu sambinha em sua indefectível caixa de fósforo. Por enquanto, essas pessoas encontram-se escondidas, acabrunhadas dentro de suas casas, com medo de serem parte dos 36% daquelas que irão receber uma bala perdida. No meio dessa gente toda, fico pensando, onde estára o Américo? Cadê Dona Elvira? Onde está minha inocência perdida?

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

CINEMA: "Distrito 9" mistura ficção científica com denúncia social

Desde "Contatos Imediatos do Terceiro Grau", "Alien, o Oitavo Passageiro" até "ET-O Extraterrestre" e "Bladerunner-o caçador de andróides", de diretores como Steven Spielberg e Ridley Scott, fazia tempo que um filme de ficção científica realmente bacana passava no cinema. É caso de "Distrito 9", filme do diretor estreante, sul-africano, Neill Blomkamp.

Não estou aqui querendo postergar o legado de George Lucas, com a reedição da milionária franquia "Guerra nas Estrelas", com sua última trilogia da saga de Darth Vader e nem da trilogia Matrix, dos irmãos Wachowzki, pois se trata aí de um caso aparte, pois ambas as obras (Star Wars e Matrix) não são apenas filmes de ficção científica, mas verdadeiros ícones da cultura pop, que refletem o zeitgeist do cinema moderno. O que Blomkamp faz, com talento e perfeição, é retomar o velho tema dos filmes do gênero, que tratam do contato com extraterrestres, para expor sua crítica social sobre a exclusão daqueles que são tidos como diferentes (seja por raça,etnia,religião, condição econômica ou nacionalidade). O filme do sul-africano consegue reabilitar os chamados "bons filmes de Ets", depois que a reputação dos nossos vizinhos do espaço sideral foi seriamente manchada, com besteiras e palhaçadas patrióticas de filmes como "Independence Day", do péssimo diretor Roland Emerich.

Contando com as bençãos do oscarizado diretor neozelandês Peter Jackson (da trilogia "O senhor dos Anéis"), que assumiu a produção do filme, Blomkamp retoma o velho tema da chegada alienígena, não mais para tratar dos ETs como seres perigosos e invasores, mas justamente o contrário, pois, em "Distrito 9" os sacanas, na verdade, são os humanos! Ao invés de uma gigantesca nave espacial pairar sobre a Casa Branca, o Pentágono ou o Capitólio, ela vai parar justamente em Johanesburgo. Pois é! Johanesburgo?! Só faltava a nave descer em uma favela carioca, e o Et descer tocando samba em formato de orixá, como na música de Lenine, no disco "O ano em que faremos contato". Pois é justamente no céu da metrópole sul-africana que vai surgir uma nave repleta de seres no formato de insetos, chamados pejorativamente pelos humanos de "camarões", que, desnutridos e em péssimas condições, perderam-se de seu planeta e acabam estacionando na terra, onde são levados para um campo especial, nos arredores da cidade, chamado de Distrito 9, e acabam permanecendo por lá por vinte anos. Outra grande sacação do filme é que ele começa como se fosse um documentário, dando a impressão para a platéia de que o fato realmente existiu!

O filme toca então no delicado assunto do acolhimento de refugiados, do apartheid e da imigração, e de como esses seres na verdade são vistos com hostilidade e desprezo pelos cidadãos locais. Não demora para que os alienígenas confinados na área reservada transformem o local numa favela, pelos escassos recursos que são enviados pela cidade. Os "camarões" passam a procurar comida em lixões (com um especial apreço por ração para gatos, uma verdadeira especiaria para o voraz apetite dos seres de outro mundo), a viverem em condições insalubres e envolvidos na criminalidade, como toda boa favela que se preze. O tráfico de armas alienígenas, que só podem ser acionadas pelo dna desses seres é estabelecido em troca de comida, com uma gangue de nigerianos locais. Os conflitos e a forte tensão social acabam por eclodir em protestos pela expulsão dos aliens, e o governo, através de uma empresa terceirizada(a Multinacional United-MNU), decide optar pelo despejo dos forasteiros indesejáveis, que devem ser relocados para outro campo, distante da cidade, em condições similares aos dos antigos campos de concentração nazistas. É curioso ver como no filme, a África do Sul, outrora terra do apartheid, agora é uma nação moderna e "civilizada", composta tanto por brancos quanto por negros, e são justamente os negros que habitam a vizinhança das proximidades da comunidade dos Ets, os que mais reclamam da permanência de seus vizinhos indesejáveis.

É no decorrer dessa trama que surgem dois protagonistas distintos e bem singulares: de um lado, um humano, representado pelo covarde, carreirista e preconceituoso funcionário da MNU, Wilkus van de Merwe(excelentemente interpretado pelo ator Sharlito Copley); e de outro, um alienígena, na figura do comovente ET Chistopher,um cientista de sua raça, que mantém em segredo um laboratório clandestino, escondido em seu casebre, e que luta incessantemente para voltar para casa. Não demora para que, em função de um acidente, van de Merwe seja obrigado a rever suas crenças e se aproximar intimamente do drama dos aliens, construindo uma insólita amizade com Chistopher, sendo obrigado a uma angustiante tomada de decisão.

Com seu enredo original, o uso sábio de efeitos especiais que não pasteuriza os aliens, mas, ao contrário, enfatiza sua humanidade por detrás dos recursos de CGI, "Distrito 9" consegue ser uma ótima fábula sobre a exclusão social, mostrando como nossa sociedade lida com seus "aliens" habituais. Em diversos lugares do mundo (tanto na Europa ou nos EUA, como na América Latina e na África), convivemos com nosso contigente de excluídos, nossa cota de indesejáveis e classes potencialmente perigosas, que assim como os alienígenas do filme de Blomkamp, são tratados à margem e tidos como indivíduos inferiores, submetidos a todo tipo de degradação. O caso se aplica aos imigrantes ilegais, majoritariamente de origem hispânica nos Estados Unidos, assim como em relação aos africanos e árabes que decidem viver na Europa. No Brasil, a forma diferenciada com que é tratado o morador da favela pela polícia, em relação à classe média e aos moradores dos grandes condomínios, ou a forma pejorativa que nossa imprensa agora se volta para movimentos organizados no campo, criminalizando os trabalhadores sem-terra, revela que a discrepância grotesca entre seres, e a emergência de nossos fascismos, quando desprezamos a alteridade e negamos o mínimo de humanidade ao outro, corresponde exatamente ao que é retratado no filme do diretor sul-africano.

"Distrito 9" é bom, portanto, não por ser apenas um ótimo filme de ficção científica, mas aliar a isso o componente respeitável do drama social. Enquanto o filme não for estragado pela febre de continuações, que oportunisticamente, domina a indústria do cinema, posso dizer que este filme já é um forte candidato a um dos célebres filmes clássicos do gênero sci-fi, que surgiu no século XXI. E nesse caso, entre humanos e camarões, prefiro os camarões!!

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

ESPORTE: No país de La Negra, Maradona manda se f... seus detratores!

Confesso que gostei da classificação da Argentina para a Copa do Mundo, já no apagar das luzes da última rodada das eliminatórias, obtendo a tão sonhada (e até então ameaçada) vaga para o Mundial, sendo a quarta das 4 nações sul-americanas classificadas diretamente para a Copa (pela ordem: Brasil, Chile, Paraguai e Argentina). Não obstante a previsível "secada" nacional, de muitos que adorariam ver o fracasso histórico portenho e a consequente eliminação da seleção de Maradona da Copa do ano que vem, repito, sim, gostei de saber que Maradona e seus meninos vão estar marcando presença na África do Sul.

Atrevendo-me a uma insolência, e até mesmo um sacrilégio para muitos futebolistas, lá vai meu prognóstico de torcedor, e que repercuta em alto e bom som: CUIDADO COM A ARGENTINA! SE PERIGAR, ELES LEVAM A TAÇA DE CAMPEÃO NO ANO QUE VEM!! E que ninguém venha me dizer que estou delirando, que bebi demais ou que pela alta tarde da noite, meus neurônios já não funcionam o suficiente para fazer um bom julgamento. Sim! Acredito sim na capacidade de recuperação do escrete portenho, liderado por Dom Diego Armando, e antevejo a possibilidade do time se superar, caso consiga efetivamente avançar para as fases subsequentes do mundial, na já tão difícil chave que irão pegar, como consequência de sua tão custosa classificação. E digo isso com conhecimento de causa, com conhecimento de torcedor.


"Meninos eu vi!", e como diria a música de Chico Buarque, assim como a Argentina, eu também vi uma outra seleção, esta então verde-amarela, trôpega na fase final de um processo de eliminatórias que se iniciou já em 2000, e que correu o sério risco de não se classificar para o mundial do Japão e Coréia, porque possuia um time totalmente desentrosado, jogadores que basicamente não se entendiam, um entra-e-sai insuportável de técnicos (desde Emerson Leão, passando por Falcão e pela desistência do próprio Parreira, técnico herói da Copa de 94), até que a seleção canarinho chegasse às mãos de um técnico gaúcho, com seu bigode turrão típico dos pampas, sotaque indefectível e cara braba mais peculiar ainda, que tinha vindo anteriormente do êxito de equipes nacionais como o Grêmio e o Palmeiras. Sim, ele, a meu ver o melhor técnico vivo da seleção brasileira até então: Luis Filipe Scolari(também conhecido na Europa como Big Phil). E não venham me falar do Zagallo!!!



No futebol, Scolari é especialista em transformar galinhas-mortas em verdadeiros puro-sangues, e foi assim que ele pegou uma seleção brasileira alquebrada, desmoralizada, desacreditada e com sua autoestima lá embaixo, dirigindo um time que, assim como a Argentina hoje, só logrou êxito na classificação na última rodada das eliminatórias, e sob forte vaia da descrença geral, embarcando para Seul totalmente humilhada, mas retornando para os braços da nação com a glória da vitória, carregando nas mãos a tão sonhada taça do pentacampeonato mundial.



Para os que tem memória de passarinho, e acreditam que a realidade argentina é bem diferente da nossa naquela época (mesmo que naquele período os favoritos eram os argentinos, no lugar inverso que hoje ocupamos, sendo a primeira seleção a se classificar), mesmo com Scolari, nas últimas rodadas das eliminatórias, ainda carregávamos desesperados o fardo de talvez, pela primeira vez na história, não participar de uma Copa do Mundo, por total, completa e absoluta incompetência de nossa comissão técnica, jogadores e dirigentes. Estávamos naquela época, no início de 2002, ainda com o sabor amargo da derrota para a França na final do mundial anterior, e pela célebre "amarelada" de um Ronado Fenômeno, até hoje nunca bem explicada. Pois foi épica aquela campanha em que vi e fiquei surpreso, não apenas por ver um país inteiro acordado, às 3 ou 4 horas da madrugada (dada a diferença do fuso horário naquela competição), ligados às TVs de todo país para assistir os jogos da seleção, mas também por ver a notável capacidade de superação de Scolari e seus pupilos, ganhando jogo após o jogo, sem ter que recorrer na segunda fase ao expediente medonho dos pênaltis, ganhando todas as partidas em campo, dentro dos 90 minutos de jogo, chegando até a final, com a glória sentida nas chuteiras de um reabilitado Ronaldo, que usando um penteado a "la Cascão", deixou a ver navios a outrora inexpugnável barreira germânica de um dos maiores goleiros do mundo, o sisudo Oliver Khan. Naquele dia na final, umas dez horas horas da manhã de um domingo, vibrei, ainda residindo em São Paulo, por ver uma verdadeira batalha futebolística entre dois monstros, de um lado: Ronaldo Nazário, no ataque da seleção brasileira, do outro, Khan, no canto oposto, na defesa da seleção da Alemanha, favorita naquela época nos balcões de aposta. Foi muito bom ver aquele 2 X0 para o Brasil, a alegria nas ruas e a festa que se seguiu no Brasil inteiro, e que participei na Avenida Paulista. E foi melhor ainda ver isso numa final de Copa de Mundo, onde, enfim, pudemos mostrar ao mundo porque o futebol brasileiro era tão mítico, e porque merecíamos nesse esporte a alcunha de melhores de mundo.


Uma outra seleção, talvez menos talentosa e de títulos duvidosos, mas tão lendária e cercada de uma aura romântica como a nossa, é nossa eterna cara-metade latina, a seleção da Argentina. Ver como eu vi uma copa de 1986, no México, onde outrora fomos campeões mundiais com Pelé em 70, ser palco das estripulias de um marrento Maradona, então no auge de seu vigor como jogador, com direito até a gol de mão, no polêmico jogo com a Inglaterra, mostrou o quanto éramos parecidos e ao mesmo tempo diferentes dos argentinos. Se nos valemos de um samba de Noel para narrar nossas desventuras futebolísticas como a amargurada e precoce eliminação de nosso dream team, com Zico e Sócrates na Espanha em 82, os argentinos se valiam de um tango de Gardel para narrar a triste derrota para os alemães na Copa de 90 na Itália, quando os alemães levaram no fim a taça de campeão do mundo, meses após a queda do famigerado muro de Berlim, disputando a final com a Argentina de um Maradona e Caniggia, que, antes disso, tinha eliminado o Brasil por 1 x0 ainda nas oitavas de final. O gosto de ver a frustração de Maradona naquela final só não foi maior pelo desgosto que tínhamos naquela tétrica seleção comandada por Lazaroni (mas, putz, uma seleção cujo técnico tem azar no nome não poderia mesmo dar bom resultado, não achas?).


Mas se a triste seleção de 90 tinha Lazaroni como técnico, foi esta mesma seleção que nos trouxe um desacreditado Dunga, até então vítima de piadas de grupos como o Casseta e Planeta, e finalmente redimido como jogador ao assumir as braçadeiras de capitão, na vitoriosa seleção de 94, com Romário e Bebeto no ataque. Na ocasião, emocionou- me a atitude de Dunga, parodiando o célebre gesto de Bellini em 1958, quando conquistamos nossa primeira Copa do Mundo, erguendo vitorioso a taça nas mãos, ao lado de um choroso Romário. Tá certo que em 94, nos Estados Unidos, só ganhamos no sufoco, tínhamos um técnico altamente retranqueiro (Carlos Alberto Parreira) e só pudemos comemorar nos minutos finais dos pênaltis, agradecendo até hoje a Deus, todos os santos e a Roberto Baggio, que errou feio o chute na cobrança final, dando a Itália de mão beijada o titulo para o Brasil. Mas, pô, afinal de contas, fazia exatos 24 anos que o Brasil não ganhava um Mundial. Já tava na hora!


Mas voltando a Argentina, que é o que me interessa agora, não me canso de comparar (e adoro comparações, já que este blog trata de conexões), das semelhanças do périplo brasileiro com o argentino. Nossas semelhanças e diferenças históricas e culturais com os vizinhos argentinos podem muito bem ser lidas no excelente livro dos historiadores Boris Fausto e Fernando Devoto(respectivamente um brasileiro e um argentino), que escreveram a duas mãos Brasil e Argentina-um ensaio de história comparada, da editora 34. Fora os contextos históricos, políticos, econômicos, culturais ou sociais, o que nos interessa é o futebol, e fora nossa rivalidade histórica, pudemos presenciar o quanto os argentinos perseguiram o sonho brasileiro de serem campeões mundiais de futebol, talvez tão ou mais acalentado por eles do que pelos brasileiros. Juntamente com o Uruguai, a Argentina foi uma das primeiras nações sul-americanas a ter contato com o mundo da bola, e antes que o Brasil pensasse em criar seus clubes, eles já possuíam equipes formadas e organizavam campeonatos regionais. Os argentinos acabaram por ter seu próprio messias da pelota, Diego Armando Maradona, enquanto que nós celebrizamos e nos tornamos célebres por parir em nossa pátria, mãe gentil, Edson Arantes do Nascimento, o Pelé. E se Pelé para nós sempre foi o rei, Maradona para los hermanos es dios, no?!
O mesmo Maradona incessantemente criticado pela imprensa esportiva de seu próprio país, e que foi antecipadamente julgado como o responsável pelo fiasco argentino, talvez o pior técnico da história recente daquele país, é aquele a quem os argentinos poderiam até perdoar tudo, desde o abuso de drogas e álcool até agressões a jornalistas, mas nunca, verdadeiramente nunca, que a seleção Argentina falhasse, não conseguindo ir ao Mundial.
Na primeira coletiva após a vitória contra o Uruguai, no estádio Centenário, batendo os anfitriões por 1 x0 e melando o sonho uruguaio da Copa, Maradona saiu da amargura e do silêncio das derrotas passadas e voltou a assumir seu estilo fanfarrão e meio histriônico, mandando literalmente à m.... aqueles que o criticaram na condução da seleção argentina, proferindo, sem cerimônia, palavrões impublicáveis diante das câmeras. Era o desabafo final do "el pibe de oro", como já foi chamado, que agora respira do sufoco de tanta cobrança e pressão. Só não sei se depois dessa vitória o homem não tenha novamente uma recaída e procure uma carreira de pó, para aliviar sua ansiedade, mas suponho que agora, diante de uma Buenos Aires em festa, o baixinho é capaz, ao menos por alguns meses, de sobreviver às críticas, remontando seu time com a assessoria do eterno técnico Bielsa, tentando estruturar o futebol-arte platense, tão conhecido e tão concorrido com o dos brasileiros. Enquanto isso, apesar das comemorações, os argentinos ainda choram a morte de outro ícone, a cantora revolucionária Mercedes Sosa, que assim como Evita, Gardel, Maradona, Perón ou Alfonsín, simbolizavam a cara da pátria argentina. Sosa, chamada meigamente como "La Negra" por seus admiradores, por conta de sua aparência indígena e dos longos vestidos negros que sempre usava no palco, simbolizava uma geração que combateu ferozmente a sangrenta ditadura portenha, e que foi responsável, juntamente com músicos brasileiros como Chico Buarque e Fagner, por algumas das mais belas canções do cancioneiro popular latino-americano. Sabedora da importância da cantora para a formação cultural da Argentina, a presidente Cristina Kirchner decretou luto oficial por 3 dias, após a morte de La Negra. Choram os argentinos por Mercedes, ao mesmo que festejam pela seleção e por Maradona. Resta saber até onde vai durar a capacidade de resiliência (ou sorte mesmo) de Dom Diego, e até que ponto a história argentina no futebol não tardará a ganhar novamente os contornos de um tango, iniciado no desespero, mantido sob a esperança e findo na tragédia, mas que sempre retorna das cinzas. Ai,ai,ai, nesse sentido, penso que todo futebolista argentino é meio botafoguense! Quem é torcedor do time, sabe do que estou dizendo. Avante hermanos!! Que vença o melhor!! Por enquanto, naturalmente, nós.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

LITERATURA E POLÍTICA: Por que Yoani não pode sair de Cuba?

Os meios de comunicação impressos desta semana, particularmente a Revista Veja e Época, deram espaço especial ao drama da escritora e blogueira cubana Yoani Sánchez, de 34 anos. Yoani foi convidada a vir ao Brasil, para ser prestigiada no lançamento de seu livro De Cuba, com carinho, publicado aqui pela Editora Contexto, a ser lançado este mês, em São Paulo. Entretanto, a escritora está praticamente proibida de sair do país, uma vez que já teve seu visto de saída negado sete vezes, desde o ano passado, por dificuldades burocráticas. No mês de maio ela não pôde comparecer ao lançamento de seu livro na Itália, na Feira do Livro de Turim, sempre sob os mesmos motivos. Mas, afinal, porque Yoani tem dificuldades de sair de Cuba e porque uma pacata mãe de família de Havana causa tanto incômodo ao governo de Raul Castro?


Yoani faz parte da segunda geração de cubanos pós-revolução que não viu os camaradas de Fidel Castro e Che Guevara atravessarem a Sierra Maestra, derrotarem a ditadura corrupta de Fulgêncio Batista e testemunhar a chegada triunfante dos guerrilheiros até Havana. Seu blog, intitulado Generation Y, refere-se aqueles cubanos nascidos nos anos sessenta e setenta, que durante toda sua juventude viram os sonhos da revolução cubana desabarem diante da realidade de escassez, tolhimento da liberdade de expressão, totalitarismo e desconfiança das autoridades para qualquer proposta de renovação do regime, além da alienação quando ao mundo exterior de um país insular, literalmente "ilhado" no meio do Caribe, por conta de um nefasto embargo econômico promovido pelos Estados Unidos, há mais de 40 anos, e pelo fim das promessas de prosperidade e estabilidade social, com a extinção do poderoso aliado soviético e a consequente queda do Muro de Berlim.

O blog de Yoani trata de situações comuns e de pessoas comuns, anônimas, dentro do cenário cubano rodeado de míticos personagens históricos, que vão desde o lendário expoente máximo da revolução, Fidel Castro, passando por Che, até Camilo Cienfuegos e o patrono máximo da independência cubana, Jose Martí. São cubanos comuns vivendo uma vida normal de indivíduos que sofrem as consequências de uma economia decadente e um regime político decrépito, que não tem mais lugar com a emergência das modernas democracias globais, em pleno século XXI. Assim como o Irã de Mahmoud Ahmadinejad, ou a Coréia do Norte, de Kin Jong Il, Cuba hoje ainda vive das glórias do passado, lamentando o seu presente, pela absoluta incapacidade de um povo latino-americano, castigado por sucessivas explorações das nações estrangeiras (principalmente os EUA), de conseguir se reerguer e retomar o bonde da história.
Yoani causou a fúria do governo cubano e o consequente fechamento de seu blog, ao menos em Cuba, por não compartilhar da ideologia marxista-leninista divulgada aos quatros cantos na ilha caribenha e entoada a todo tempo nas cartilhas escolares, como se a história tivesse parado no fim dos anos sessenta do século passado. Acusada por seus detratores de "proganda antirrevolucionária" (pasmem!), Yoani apenas retrata a vida de quem convive, desde 1991, com comida racionada nos supermercados estatais, dependendo da libreta (espécie de cartela distribuída pelo Estado em cada lar,contendo a quantidade máxima de alimentos que podem ser comprados, a preços simbólicos, subsiados pelo Estado), sem ter o salário suficiente para comprar sequer um aparelho celular (cerca de 20 pesos cubanos ou R$ 35,00 mensais para o funcionalismo público em geral, e R$ 60,00, para o salário máximo de um médico) e que vive, em sua grande maioria, de bicos e atividades clandestinas à custa do turismo internacional (Cuba é um dos maiores cartões postais do verão caribenho).
A mesma revolução que trouxe saúde e educação para todos, erradicando o analfabetismo, a mortalidade infantil e transformando Cuba numa potência esportiva, com a maior quantidade histórica de medalhas de ouro em olimpíadas para um país latino-americano, é também a Cuba da penúria e da carência de demais bens e serviços para a maior parte da população, da geração de Yoani, que agora não requer mais condições mínimas de sobrevivência, como se fosse um país africano, mas sim busca seu desenvolvimento com o atendimento de necessidades básicas gerais, que não se tratam apenas de um prato de comida ou de um grupo escolar, com caderno, lápis e giz para alunos e professores. Socialismo não se confunde com socialização da miséria, e a imensa maioria dos cubanos, que não goza de altos cargos no secretariado do partido comunista, ou entrou nas graças do governo, não tem sequer casa com refrigeração, no rigoroso verão caribenho, pela impossibilidade completa de se comprar um ar-condicionado, ou se ter, ao menos, um televisor a cores ou um computador em casa.

São inquestionáveis, repito, os avanços sociais da Revolução Cubana, pelos setores beneficiados que já comentei, que serviram de exemplo durante vários anos para toda a esquerda da América Latina. Ocorre que no período histórico que vivenciamos agora, a intolerância de Fidel, e agora de seu irmão Raul, em abrir o regime, é inadmissível diante do rumo que adotou a civilização e pela expansão dos mercados, gerando o mundo globalizado que conhecemos hoje, com todo o seu ônus e bônus, como a globalização do capital e da consequente exclusão social, pelo selvagem neoliberalismo, mas ao mesmo tempo proporcionando o surgimento de novos canais de reivindicação e questionamento, com o advento da internet, o diálogo intercultural e eventos significativos como o Fórum Social Mundial. Hoje, artefatos tecnológicos como celulares e computadores, não são mais produtos supérfluos, derivados de uma ideologia pequeno-burguesa de consumo, insignificantes diante da resolução das mazelas sociais mais aterradoras da humanidade, como a doença e a fome, como bravateia, com orgulho, o governo cubano, por ter supostamente eliminado tais males de seu território. Hoje em dia, com a democracia digital, tornou-se cada vez mais necessário e até imprescindível o acesso a bens de consumo tecnológicos, a fim de proporcionar não apenas o diálogo de ideias, mas a eficácia de serviços que podem atender, segundo o ideal socialista, a todos, sem distinção de raça, credo ou classe social. O PC cubano, seguindo as orientações de seu grande e decrépito líder, Fidel Castro, parece estar sendo ainda aterrorizado pelo fantasma da Guerra Fria, considerando impossível ceder a qualquer concessão de abertura do regime, que importe em "largar o osso" do poder duramente conquistado em 1959, por achar que tal atitude corresponderia a um retrocesso, a uma capitulação diante do inimigo imperialista ianque, uma destruição da revolução. Mas, afinal, a revolução já não acabou mesmo?
Recordo de uma festa recente a que fui, quando encontrei determinada mestranda, que de forma não muito simpática, retratou sua passagem turística pela ilha de Fidel, resumindo numa expressão sua opinião a respeito de Cuba: "Cuba é uma m....!!" No argumento impublicável que tive que escutar, levando em conta não os aspectos ideológicos, mas sim a crítica de alguém que, assim como Yoani, viu que as coisas estão bem distantes do paraíso igualitário socialista, que pregavam os libertários guerrilheiros da Sierra Maestra, sinto que a realidade cubana hoje enseja uma crítica possível, que passa de longe dos argumentos simplistas ou oportunistas dos neoliberais de plantão. Naturalmente o argumento se refere não só aos casos de escassez e penúria já citados aqui, além de um sistema de transporte praticamente inexistente, já que a frota de carros cubana não é renovada, ao menos, desde os anos setenta; mas também ao crescimento assustador da prostituição e do contrabando de praticamente tudo: de cervejas a cigarros, no páis de Fidel. Segundo alguns amigos meus que já visitaram a ilha, é comum encontrar no meio da noite, nos simpáticos cafés e bares dos hotéis destinados a turistas, na orla marítima de Havana, belas e morenas moçoilas, também chamadas de gineteras, que exercem uma forma peculiar de prostituição; já que, em sua imensa maioria são mulheres formadas (muitas delas médicas), que para aumentar o orçamento, ou tão e simplesmente ter uma companhia que lhe pague um faustoso jantar e lhe compre vestidos ou jóias, oferece seu corpo e uma noite de sexo por básicos bens de consumo, inacessíveis ao inacreditavelmente paupérrimo padrão de vida do cidadão cubano médio.
A reportagem de Época revela que Yoani começou a ter problemas com a imigração cubana após ter passado uma temporada de quase dois anos na Suiça, e ter tentado retornar à ilha em 2004. Como Yoani não quis assumir o status de exilada, pela lei cubana, decidindo retornar ao seu país de origem, esta rasgou seu passaporte, e com isso, conseguiu voltar ao lar e ao convívio de seu filho pequeno, sendo perdoada pelo governo, mas impedida tacitamente de sair desde então. Está certo que diante de um governo tão tolaritário e com regras tão rigorosas, impondo restrições a ida e vinda de seus compatriotas ( em desacordo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, assinado por Cuba), Yoani cometeu um vacilo, e com sua atitude deu também motivos para que o governo de Raul Castro agisse impiedosamente diante de seus pedidos de saída da ilha. Mesmo assim, motivos desarrazoados, pela desproporção entre o castigo e falta cometida.
Yoani segue discretamente com seu blog, sem poder sair de seu país e sem ter o direito sequer a um computador doméstico. Procurando cybercafés para, uma vez por semana, trazer suas anotações previamente redigidas num caderno, para ter tempo de efetuar suas postagens, sob a vigilância cerrada de seus censores, num totalitário cerceamento de pensamento e numa violação total à liberdade de expressão. Em outra época, não muito distante, talvez Yoani já tivesse sido presa e condenada, acusada de atividades contrarrevolucionárias e atentatórias ao regime, integrando a volumosa massa carcerária de presos políticos que ainda residem nos presídios da ilha. Se os tempos são outros, ao menos o tempo não passa para Yoani e seus concidadãos, que ainda tem que manter a boca faminta fechada, para não desagradar aos fiéis apoiadores do regime, tendo como consolo apenas o tédio de observar todos os dias as encantadoras ondas do mar de Havana, talvez tomando, às custas da libreta, um gole do popular rum distribuído na ilha, que, nesse caso, não tem o verdadeiro sabor de uma Cuba Libre. Boa sorte, Yoani!

sábado, 3 de outubro de 2009

ESPORTE: Olímpiadas de 2016 no Rio de Janeiro e os desafios para o seu sucesso.

Confesso que me entusiasmei ao presenciar na TV, no dia 02 de outubro de 2009, às exatas 13:50 horas, um fato histórico: o Rio de Janeiro foi escolhido como sede das Olimpíadas em 2016, superando rivais de peso e primeiromundistas como EUA (Chicago), Tóquio (Japão), Madri (Espanha), tornando o Brasil o primeiro país latino-americano a sediar uma Olímpiada. Não é pouca coisa, mesmo!!!


Já temos a Copa do Mundo em 2014, e depois da ressaca do futebol, todos os olhos se voltam para a Olimpíada. Os jogos olímpicos não são apenas um grande evento esportivo, mas também representam o jogo de forças na geopolítica global, e podem ser decisivos em apontar historicamente novas potências mundiais, como ocorreu, por exemplo, na edição recente dos jogos em Pequim, quando a China, pela primeira vez na história, superou a supremacia tradicional dos norte-americanos, tornando-se a nação recordista de medalhas. Investir numa olimpíada significa investir na melhoria da qualidade de vida da população, com o aumento de condições de acesso à educação e ao esporte e mais investimentos em obras de infraestrutura, como transporte, segurança, comunicações, moradia, turismo e preservação ambiental. A cidade que abriga os jogos deve ter a condição de acolher numa mesma semana milhões de pessoas, vindas de todas as partes do mundo, num ambiente limpo, seguro, viável e com boas condições de acomodação, para que, no futuro, possa aumentar a circulação de moeda no país, com a vinda de investimentos maciços de empresas e instituições estrangeiras.
Com todas suas mazelas, apesar de tudo, o Rio continua sendo a Cidade Maravilhosa. Seus crônicos problemas de metrópole como a pobreza e a violência urbana são inquestionáveis, assim como a capacidade de resiliência do povo brasileiro, acostumado as intempéries, mas que agora não quer mais se ver identificado como terceiromundista. A autoestima da nação canarinho foi ativada de vez com a escolha do Rio de Janeiro como sede das Olimpíadas, e com o bom senso dos governantes, é possível trazer com os jogos um processo de efetiva transformação social na metrópole fluminense. Compete apenas que o poder público faça a sua parte e que o orgulhoso povo carioca também contribua para o êxito do evento em sua cidade.
O Rio de Janeiro não foi escolhido aleatoriamente como sede de uma olimpíada, e nem apenas por sua exuberante beleza natural ou pelo fortíssimo lobby do governo e do comitê olímpíco brasileiros. Afinal, foi a terceira candidatura da cidade, e somente teve êxito porque a cidade aprendeu com os erros apontados em suas candidaturas anteriores. Assim como Lula só chegou à presidência em sua quarta campanha, conseguindo se tornar hoje o presidente mais popular da história (segundo a revista Newsweek), o Rio só foi credenciado em definitivo como sede dos jogos olímpicos por uma conjugação de fatores que envolveram transparência na divulgação de recursos para as obras de infraestrutura, a vantagem do país já ter sido credenciado a sediar uma Copa do Mundo em 2014, o ineditismo e a sedução de realizar um evento dessa magnitude na América do Sul, a parceria bem sucedida entre o governo federal, o governo do estado do Rio e a Prefeitura carioca, além da falta de apoio popular para as candidaturas de outros poderosos concorrentes, como Chicago e Tóquio. O universo (ou para quem acredita, Deus) parecia conspirar a favor, como realmente conspirou, confirmando, após um breve suspiro de ansiedade do presidente do Comitê Olímpico Internacional, Jacques Rogge, ao abrir o bendito envelope que continha o nome do vencedor, aquilo que queriam ouvir as milhares de pessoas concentradas nas escaldantes areias da praia de Copacaba: a escolha do Rio de Janeiro como sede mundial dos jogos olímpicos de 2016. Viva Rio!!! Podem rufar os tambores da bateria da Escola de Samba do Salgueiro.

No salão do evento, no momento de anúncio da próxima sede das Olimpíadas, em Copenhage, Dinamarca, um entusiasmado presidente Lula, acompanhado do governador do Estado, Sérgio Cabral, além do prefeito da cidade, Eduardo Paes, comemoravam a vitória do Rio, junto com um staff provocadamente formado por brasileiros ilustres e conhecidos mundialmente, como Pelé, o ex-tenista campeão mundial Guga, e o escritor Paulo Coelho. Não deu pra Obama, apesar de sua magnitude como representante da candidatura mais poderosa do planeta, com a reprovação de Chicago ainda na primeira rodada de votação, e nem pra Zapatero, primeiro-ministro espanhol, que viu naufragar a esperança de reacender a histórica rivalidade entre Barcelona (ex-sede de uma Olimpíada) e os madrilhenos, com a derrota de Madri no final, superada pelos brasileiros. O clima do anúncio da cidade vitoriosa na escolha do COI parecia de uma final de Copa do Mundo. Assim como na escolha do país sede da Copa ano passado, este ano deu Brasil de novo na Olimpíada.
Como não sou pessimista, e não costumo entoar o coro dos chatos ou recalcados de plantão, que só falam no prejuízo dos gastos da empreitada e no triplamente superfaturado investimento dos Jogos Panamericanos passados, que, segundo dizem, só beneficiou a Barra da Tijuca, acho sim que a Olimpíada no Rio tem tudo pra dar certo. Tem que dar certo! Só com a despoluição da Lagoa Rodrigo de Freitas, já estamos na vantagem. Como disse o sociólogo Rubem César Fernandes da ONG Viva Rio, em recente reportagem da revista Época(edição n.5931): "o alinhamento dos governos, o investimento privado, a pacificação do morros, a Copa e as Olimpíadas, tudo dá a perspectiva de uma década de avanço". Aprendemos na nossa trôpega caminhada passada de desmandos totalitários, governos demagógicos e reaçonários, ditadura, e crises econômicas, que o Brasil vem se tornando uma potência mundial justamente por nossa habilidade, nossa ginga cariocamente herdada de superar os obstàculos, sempre com uma boa dose de esperança latina e bom humor carnavalesco. Por isso, como diria a célebre canção de Gil: " O Rio de Janeiro continua lindo". Tóquio, Chicago e Madri, aquele abraço!!!

Gates e Jobs

Gates e Jobs
Os dois top guns da informática num papo para o cafézinho

GAZA

GAZA
Até quando teremos que ver isso?