segunda-feira, 19 de outubro de 2009

CINEMA: "Distrito 9" mistura ficção científica com denúncia social

Desde "Contatos Imediatos do Terceiro Grau", "Alien, o Oitavo Passageiro" até "ET-O Extraterrestre" e "Bladerunner-o caçador de andróides", de diretores como Steven Spielberg e Ridley Scott, fazia tempo que um filme de ficção científica realmente bacana passava no cinema. É caso de "Distrito 9", filme do diretor estreante, sul-africano, Neill Blomkamp.

Não estou aqui querendo postergar o legado de George Lucas, com a reedição da milionária franquia "Guerra nas Estrelas", com sua última trilogia da saga de Darth Vader e nem da trilogia Matrix, dos irmãos Wachowzki, pois se trata aí de um caso aparte, pois ambas as obras (Star Wars e Matrix) não são apenas filmes de ficção científica, mas verdadeiros ícones da cultura pop, que refletem o zeitgeist do cinema moderno. O que Blomkamp faz, com talento e perfeição, é retomar o velho tema dos filmes do gênero, que tratam do contato com extraterrestres, para expor sua crítica social sobre a exclusão daqueles que são tidos como diferentes (seja por raça,etnia,religião, condição econômica ou nacionalidade). O filme do sul-africano consegue reabilitar os chamados "bons filmes de Ets", depois que a reputação dos nossos vizinhos do espaço sideral foi seriamente manchada, com besteiras e palhaçadas patrióticas de filmes como "Independence Day", do péssimo diretor Roland Emerich.

Contando com as bençãos do oscarizado diretor neozelandês Peter Jackson (da trilogia "O senhor dos Anéis"), que assumiu a produção do filme, Blomkamp retoma o velho tema da chegada alienígena, não mais para tratar dos ETs como seres perigosos e invasores, mas justamente o contrário, pois, em "Distrito 9" os sacanas, na verdade, são os humanos! Ao invés de uma gigantesca nave espacial pairar sobre a Casa Branca, o Pentágono ou o Capitólio, ela vai parar justamente em Johanesburgo. Pois é! Johanesburgo?! Só faltava a nave descer em uma favela carioca, e o Et descer tocando samba em formato de orixá, como na música de Lenine, no disco "O ano em que faremos contato". Pois é justamente no céu da metrópole sul-africana que vai surgir uma nave repleta de seres no formato de insetos, chamados pejorativamente pelos humanos de "camarões", que, desnutridos e em péssimas condições, perderam-se de seu planeta e acabam estacionando na terra, onde são levados para um campo especial, nos arredores da cidade, chamado de Distrito 9, e acabam permanecendo por lá por vinte anos. Outra grande sacação do filme é que ele começa como se fosse um documentário, dando a impressão para a platéia de que o fato realmente existiu!

O filme toca então no delicado assunto do acolhimento de refugiados, do apartheid e da imigração, e de como esses seres na verdade são vistos com hostilidade e desprezo pelos cidadãos locais. Não demora para que os alienígenas confinados na área reservada transformem o local numa favela, pelos escassos recursos que são enviados pela cidade. Os "camarões" passam a procurar comida em lixões (com um especial apreço por ração para gatos, uma verdadeira especiaria para o voraz apetite dos seres de outro mundo), a viverem em condições insalubres e envolvidos na criminalidade, como toda boa favela que se preze. O tráfico de armas alienígenas, que só podem ser acionadas pelo dna desses seres é estabelecido em troca de comida, com uma gangue de nigerianos locais. Os conflitos e a forte tensão social acabam por eclodir em protestos pela expulsão dos aliens, e o governo, através de uma empresa terceirizada(a Multinacional United-MNU), decide optar pelo despejo dos forasteiros indesejáveis, que devem ser relocados para outro campo, distante da cidade, em condições similares aos dos antigos campos de concentração nazistas. É curioso ver como no filme, a África do Sul, outrora terra do apartheid, agora é uma nação moderna e "civilizada", composta tanto por brancos quanto por negros, e são justamente os negros que habitam a vizinhança das proximidades da comunidade dos Ets, os que mais reclamam da permanência de seus vizinhos indesejáveis.

É no decorrer dessa trama que surgem dois protagonistas distintos e bem singulares: de um lado, um humano, representado pelo covarde, carreirista e preconceituoso funcionário da MNU, Wilkus van de Merwe(excelentemente interpretado pelo ator Sharlito Copley); e de outro, um alienígena, na figura do comovente ET Chistopher,um cientista de sua raça, que mantém em segredo um laboratório clandestino, escondido em seu casebre, e que luta incessantemente para voltar para casa. Não demora para que, em função de um acidente, van de Merwe seja obrigado a rever suas crenças e se aproximar intimamente do drama dos aliens, construindo uma insólita amizade com Chistopher, sendo obrigado a uma angustiante tomada de decisão.

Com seu enredo original, o uso sábio de efeitos especiais que não pasteuriza os aliens, mas, ao contrário, enfatiza sua humanidade por detrás dos recursos de CGI, "Distrito 9" consegue ser uma ótima fábula sobre a exclusão social, mostrando como nossa sociedade lida com seus "aliens" habituais. Em diversos lugares do mundo (tanto na Europa ou nos EUA, como na América Latina e na África), convivemos com nosso contigente de excluídos, nossa cota de indesejáveis e classes potencialmente perigosas, que assim como os alienígenas do filme de Blomkamp, são tratados à margem e tidos como indivíduos inferiores, submetidos a todo tipo de degradação. O caso se aplica aos imigrantes ilegais, majoritariamente de origem hispânica nos Estados Unidos, assim como em relação aos africanos e árabes que decidem viver na Europa. No Brasil, a forma diferenciada com que é tratado o morador da favela pela polícia, em relação à classe média e aos moradores dos grandes condomínios, ou a forma pejorativa que nossa imprensa agora se volta para movimentos organizados no campo, criminalizando os trabalhadores sem-terra, revela que a discrepância grotesca entre seres, e a emergência de nossos fascismos, quando desprezamos a alteridade e negamos o mínimo de humanidade ao outro, corresponde exatamente ao que é retratado no filme do diretor sul-africano.

"Distrito 9" é bom, portanto, não por ser apenas um ótimo filme de ficção científica, mas aliar a isso o componente respeitável do drama social. Enquanto o filme não for estragado pela febre de continuações, que oportunisticamente, domina a indústria do cinema, posso dizer que este filme já é um forte candidato a um dos célebres filmes clássicos do gênero sci-fi, que surgiu no século XXI. E nesse caso, entre humanos e camarões, prefiro os camarões!!

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