Yoani faz parte da segunda geração de cubanos pós-revolução que não viu os camaradas de Fidel Castro e Che Guevara atravessarem a Sierra Maestra, derrotarem a ditadura corrupta de Fulgêncio Batista e testemunhar a chegada triunfante dos guerrilheiros até Havana. Seu blog, intitulado Generation Y, refere-se aqueles cubanos nascidos nos anos sessenta e setenta, que durante toda sua juventude viram os sonhos da revolução cubana desabarem diante da realidade de escassez, tolhimento da liberdade de expressão, totalitarismo e desconfiança das autoridades para qualquer proposta de renovação do regime, além da alienação quando ao mundo exterior de um país insular, literalmente "ilhado" no meio do Caribe, por conta de um nefasto embargo econômico promovido pelos Estados Unidos, há mais de 40 anos, e pelo fim das promessas de prosperidade e estabilidade social, com a extinção do poderoso aliado soviético e a consequente queda do Muro de Berlim.
O blog de Yoani trata de situações comuns e de pessoas comuns, anônimas, dentro do cenário cubano rodeado de míticos personagens históricos, que vão desde o lendário expoente máximo da revolução, Fidel Castro, passando por Che, até Camilo Cienfuegos e o patrono máximo da independência cubana, Jose Martí. São cubanos comuns vivendo uma vida normal de indivíduos que sofrem as consequências de uma economia decadente e um regime político decrépito, que não tem mais lugar com a emergência das modernas democracias globais, em pleno século XXI. Assim como o Irã de Mahmoud Ahmadinejad, ou a Coréia do Norte, de Kin Jong Il, Cuba hoje ainda vive das glórias do passado, lamentando o seu presente, pela absoluta incapacidade de um povo latino-americano, castigado por sucessivas explorações das nações estrangeiras (principalmente os EUA), de conseguir se reerguer e retomar o bonde da história.
Yoani causou a fúria do governo cubano e o consequente fechamento de seu blog, ao menos em Cuba, por não compartilhar da ideologia marxista-leninista divulgada aos quatros cantos na ilha caribenha e entoada a todo tempo nas cartilhas escolares, como se a história tivesse parado no fim dos anos sessenta do século passado. Acusada por seus detratores de "proganda antirrevolucionária" (pasmem!), Yoani apenas retrata a vida de quem convive, desde 1991, com comida racionada nos supermercados estatais, dependendo da libreta (espécie de cartela distribuída pelo Estado em cada lar,contendo a quantidade máxima de alimentos que podem ser comprados, a preços simbólicos, subsiados pelo Estado), sem ter o salário suficiente para comprar sequer um aparelho celular (cerca de 20 pesos cubanos ou R$ 35,00 mensais para o funcionalismo público em geral, e R$ 60,00, para o salário máximo de um médico) e que vive, em sua grande maioria, de bicos e atividades clandestinas à custa do turismo internacional (Cuba é um dos maiores cartões postais do verão caribenho).
A mesma revolução que trouxe saúde e educação para todos, erradicando o analfabetismo, a mortalidade infantil e transformando Cuba numa potência esportiva, com a maior quantidade histórica de medalhas de ouro em olimpíadas para um país latino-americano, é também a Cuba da penúria e da carência de demais bens e serviços para a maior parte da população, da geração de Yoani, que agora não requer mais condições mínimas de sobrevivência, como se fosse um país africano, mas sim busca seu desenvolvimento com o atendimento de necessidades básicas gerais, que não se tratam apenas de um prato de comida ou de um grupo escolar, com caderno, lápis e giz para alunos e professores. Socialismo não se confunde com socialização da miséria, e a imensa maioria dos cubanos, que não goza de altos cargos no secretariado do partido comunista, ou entrou nas graças do governo, não tem sequer casa com refrigeração, no rigoroso verão caribenho, pela impossibilidade completa de se comprar um ar-condicionado, ou se ter, ao menos, um televisor a cores ou um computador em casa.
São inquestionáveis, repito, os avanços sociais da Revolução Cubana, pelos setores beneficiados que já comentei, que serviram de exemplo durante vários anos para toda a esquerda da América Latina. Ocorre que no período histórico que vivenciamos agora, a intolerância de Fidel, e agora de seu irmão Raul, em abrir o regime, é inadmissível diante do rumo que adotou a civilização e pela expansão dos mercados, gerando o mundo globalizado que conhecemos hoje, com todo o seu ônus e bônus, como a globalização do capital e da consequente exclusão social, pelo selvagem neoliberalismo, mas ao mesmo tempo proporcionando o surgimento de novos canais de reivindicação e questionamento, com o advento da internet, o diálogo intercultural e eventos significativos como o Fórum Social Mundial. Hoje, artefatos tecnológicos como celulares e computadores, não são mais produtos supérfluos, derivados de uma ideologia pequeno-burguesa de consumo, insignificantes diante da resolução das mazelas sociais mais aterradoras da humanidade, como a doença e a fome, como bravateia, com orgulho, o governo cubano, por ter supostamente eliminado tais males de seu território. Hoje em dia, com a democracia digital, tornou-se cada vez mais necessário e até imprescindível o acesso a bens de consumo tecnológicos, a fim de proporcionar não apenas o diálogo de ideias, mas a eficácia de serviços que podem atender, segundo o ideal socialista, a todos, sem distinção de raça, credo ou classe social. O PC cubano, seguindo as orientações de seu grande e decrépito líder, Fidel Castro, parece estar sendo ainda aterrorizado pelo fantasma da Guerra Fria, considerando impossível ceder a qualquer concessão de abertura do regime, que importe em "largar o osso" do poder duramente conquistado em 1959, por achar que tal atitude corresponderia a um retrocesso, a uma capitulação diante do inimigo imperialista ianque, uma destruição da revolução. Mas, afinal, a revolução já não acabou mesmo?
Recordo de uma festa recente a que fui, quando encontrei determinada mestranda, que de forma não muito simpática, retratou sua passagem turística pela ilha de Fidel, resumindo numa expressão sua opinião a respeito de Cuba: "Cuba é uma m....!!" No argumento impublicável que tive que escutar, levando em conta não os aspectos ideológicos, mas sim a crítica de alguém que, assim como Yoani, viu que as coisas estão bem distantes do paraíso igualitário socialista, que pregavam os libertários guerrilheiros da Sierra Maestra, sinto que a realidade cubana hoje enseja uma crítica possível, que passa de longe dos argumentos simplistas ou oportunistas dos neoliberais de plantão. Naturalmente o argumento se refere não só aos casos de escassez e penúria já citados aqui, além de um sistema de transporte praticamente inexistente, já que a frota de carros cubana não é renovada, ao menos, desde os anos setenta; mas também ao crescimento assustador da prostituição e do contrabando de praticamente tudo: de cervejas a cigarros, no páis de Fidel. Segundo alguns amigos meus que já visitaram a ilha, é comum encontrar no meio da noite, nos simpáticos cafés e bares dos hotéis destinados a turistas, na orla marítima de Havana, belas e morenas moçoilas, também chamadas de gineteras, que exercem uma forma peculiar de prostituição; já que, em sua imensa maioria são mulheres formadas (muitas delas médicas), que para aumentar o orçamento, ou tão e simplesmente ter uma companhia que lhe pague um faustoso jantar e lhe compre vestidos ou jóias, oferece seu corpo e uma noite de sexo por básicos bens de consumo, inacessíveis ao inacreditavelmente paupérrimo padrão de vida do cidadão cubano médio.
A reportagem de Época revela que Yoani começou a ter problemas com a imigração cubana após ter passado uma temporada de quase dois anos na Suiça, e ter tentado retornar à ilha em 2004. Como Yoani não quis assumir o status de exilada, pela lei cubana, decidindo retornar ao seu país de origem, esta rasgou seu passaporte, e com isso, conseguiu voltar ao lar e ao convívio de seu filho pequeno, sendo perdoada pelo governo, mas impedida tacitamente de sair desde então. Está certo que diante de um governo tão tolaritário e com regras tão rigorosas, impondo restrições a ida e vinda de seus compatriotas ( em desacordo ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, assinado por Cuba), Yoani cometeu um vacilo, e com sua atitude deu também motivos para que o governo de Raul Castro agisse impiedosamente diante de seus pedidos de saída da ilha. Mesmo assim, motivos desarrazoados, pela desproporção entre o castigo e falta cometida.
Yoani segue discretamente com seu blog, sem poder sair de seu país e sem ter o direito sequer a um computador doméstico. Procurando cybercafés para, uma vez por semana, trazer suas anotações previamente redigidas num caderno, para ter tempo de efetuar suas postagens, sob a vigilância cerrada de seus censores, num totalitário cerceamento de pensamento e numa violação total à liberdade de expressão. Em outra época, não muito distante, talvez Yoani já tivesse sido presa e condenada, acusada de atividades contrarrevolucionárias e atentatórias ao regime, integrando a volumosa massa carcerária de presos políticos que ainda residem nos presídios da ilha. Se os tempos são outros, ao menos o tempo não passa para Yoani e seus concidadãos, que ainda tem que manter a boca faminta fechada, para não desagradar aos fiéis apoiadores do regime, tendo como consolo apenas o tédio de observar todos os dias as encantadoras ondas do mar de Havana, talvez tomando, às custas da libreta, um gole do popular rum distribuído na ilha, que, nesse caso, não tem o verdadeiro sabor de uma Cuba Libre. Boa sorte, Yoani!
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