quarta-feira, 20 de abril de 2016

POLÍTICA: O DIA EM QUE TODOS FOMOS FEITOS DE PALHAÇOS (OU, O VOTO DO TIRIRICA NO IMPEACHMENT DA PRESIDENTE)

Francisco Everardo Oliveira Silva, artista, político, compositor e humorista cearense, exerceu em um domingo, o dia 17 de abril de 2016, o papel que mais o celebrizou nacionalmente. Na votação na Câmara dos Deputados que autorizava o Congresso brasileiro a instaurar um processo de impeachment contra a Presidente da República, Dilma Roussef, Francisco Everardo preferiu votar como o Palhaço Tiririca. Ele não precisou usar as vestes coloridas que o notabilizaram na televisão ou em sua campanha para ser eleito deputado federal, ou o indefectível chapéu loiro e boné que caracterizam o seu personagem; mas, de cara limpa, paletó e gravata, não deixou de exercer um papel executado com maestria por, ao menos, um terço dos parlamentares que se encontravam diante do polêmico, conservador e fleumático Presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (réu em processo criminal por corrupção e outros crimes). Ao dizer "sim" ao afastamento de uma presidente democraticamente eleita, Tiririca apenas demonstrou ser o bobo de uma corte de palhaços, que disfarçados de legisladores, desempenharam um papel horrendo, numa ópera bufa que mais parecia um filme trash de terror.

Foram tantos apelos à família, à ética, ao Juiz Sérgio Moro (responsável pela "Operação Lavajato", polêmica ação policial e judicial que resultou na prisão de vários empresários poderosos e instauração de processos contra uma série de políticos de partidos que apoiavam a Presidente Roussef), xingamentos contra adversários e até uma homenagem a um falecido coronel do exército, responsável por montar um centro de torturas na ditadura militar (obra do reaçonário deputado de extrema-direita, Jair Bolsonaro), que a votação parlamentar de domingo pareceu uma espécie de freakshow da política nacional.  Para muitos, que assistiram a votação que culminou nos 342 votos necessários para instaurar o processo de afastamento da presidente, mesmo para os que apoiavam um golpe legislativo travestido de processo legal, parece que a lição foi dura, quando milhões de brasileiros puderam observar, por 30 segundos a cada voto, a olho nu e despidos de qualquer assessoria de marketing ou maquiagem, diversos homens e mulheres, eleitos para a Câmara Federal na função de representar o povo, sendo, simplesmente, eles mesmos: uma expressão do eleitorado que os elegeu.

Agora, sabemos que parte do eleitorado que compõe a nação brasileira é conservador, homofóbico, machista, autoritário, hipócrita, fundamentalista religioso, oligarca, clientelista, ufanista, xenófobo, com forte preconceito de classe, semialfabetizado, ou mesmo ignorante em muitos assuntos e temas. O episódio da votação de Tiririca apenas expôs como, um artista popular de humor rasteiro, idiotizado, e de qualidade duvidosa, que durante anos assombrou os adoradores do bom senso, em programas de TV em rede nacional, conseguiu chegar a um dos mais proeminentes postos do poder, chegando ao status de legislador, ao ganhar uma vaga de deputado no Parlamento brasileiro. Tal proeza foi conquistada pelo mesmo processo democrático defendido por democratas genuínos, revolucionários, humanistas, militantes políticos e sociais perseguidos pela ditadura, intelectuais e artistas engajados, religiosos comprometidos com causas sociais e toda a esfera de pensadores, juristas, profissionais liberais, sindicalistas e estudantes, que, trinta anos antes, estavam nas ruas clamando pelo fim de uma ditadura de 20 anos, por eleições diretas para presidente e por uma nova carta constitucional que resultou numa Assembleia Nacional Constituinte, e a promulgação da vigente Constituição de 1988. Se a luta dos movimentos sociais e partidos encampados por pessoas tão interessantes nos trouxe um país melhor e mais democrático, por que Tiririca e seu voto, junto com o de uma maioria oportunista ou equivocada comprometeu a própria democracia que eles, parlamentares, juraram tanto defender? O que deu errado?

Importante salientar de onde veio Tiririca e de onde partiu seu eleitorado, para compreender que, em 14 anos de lulo-petismo, os sucessivos governos democráticos e de esquerda, do ex-operário Luiz Inácio Lula da Silva e da ex-guerrilheira, Dilma Roussef, foram incapazes de propor autênticas reformas institucionais no país, que não passassem apenas por políticas graduais de inclusão social na economia. Consciências não foram modificadas, apesar dos bolsos sim. Aproveitando-se de momentos bem sucedidos no mercado internacional (com a crise da economia norte-americana e o crescimento do mercado chinês), países da América Latina como Brasil e Argentina esperavam lograr êxito com uma expansão dos commodities (principais matérias primas brasileiras) no comércio global e uma balança comercial provisoriamente favorável, esquecendo-se que reformas intensas teriam que ser feitas, principalmente para os menos favorecidos, estabelecendo-se uma verdadeira ruptura institucional com os mais ricos. Como os personagens do clássico filme Metrópolis, de Fritz Lang, Lula esperava, que com seu alto grau de carisma e articulação política, conseguiria conciliar para sempre os interesses do capital e do trabalho, numa aliança entre patrões e empregados que levasse a um país de brasileiros "que não desistiam nunca". 

Ao contrário disso, a fonte secou. Eleitores do deputado Tiririca são muitos daqueles beneficiados pelo boom econômico dos primeiros anos do século, que saíram da pobreza extrema, auxiliados por programas assistenciais, em sua maioria analfabetos, que conseguiram prover os filhos de certo grau de instrução, e, em alguns casos, chegaram a condição de formar uma nascente classe média baixa, que conseguiu até mesmo colocar os filhos na universidade, no mercado de trabalho e ter acesso a uma gama de bens de consumo, graças à flexibilização dos juros. Lula e Dilma fizeram em pouco tempo um exército de novos consumidores para o capital, mas não "novos ricos", numa estrutura frágil que poderia se romper (como se rompeu), na primeira grande crise econômica que o país passou a contrair. 

Hoje, eleitores de Tiririca sequer sabem o que é FIES (que pode ser confundida com a palavra "festa", regada a forró, funk ou as músicas sexistas e de conteúdo racista que Tiririca tanto expôs nas rádios e programas de televisão). O jargão prolixo, intrincado e aborrecido dos economistas foi incapaz de ser transmitido ao povão, através dos arautos do governo que cai, fazendo com que milhões aplaudissem a iniciativa midiática de um juiz autoritário e senhor de si, valendo-se de uma Polícia Federal composta por vários autoridades e agentes opositores do governo e comprometidos com uma ideologia de lei e ordem avessa ao garantismo constitucional, que passaram a tratar apoiadores do governo e seus representantes não como investigados ou réus, mas como culpados por todo tipo de corrupção que assolasse a República (e destruísse a empresa estatal mais bem sucedida do país, a petrolífera Petrobrás). 

O que dói mais talvez não seja o voto de Tiririca no Congresso Nacional, mas sim a forma como, dias depois, caçoou da nação, num momento de descontração captado por uma câmera de celular, que ganhou as redes sociais e o conhecimento público. No vídeo, o deputado bissexto e artista full time faz uma brincadeira com as homenagens que os deputados mais exaltados fizeram em seus votos. Daria até para rir, se não fosse motivo para chorar!! Ao escarnecer de sua própria função pública, e comprometer a importância do mandato parlamentar, Tiririca prestou um verdadeiro desserviço a todos que o achavam ao menos engraçado. Ao dizer que, ao expulsar Dilma do Palácio do Planalto, votando "sim", o deputado diz que votou "pelo coração", é o meu coração e o de muitos democratas que dói ao ver tanta inconsequência e alienação. Nunca estivemos tão mal representados. Ao compor um Poder Legislativo dos mais conservadores desde o golpe de 1964, o deputado Francisco Everardo demonstra porque, na primeira vez em que falou num microfone na Câmara, que na verdade estava ali o bom e velho Tiririca, a zombar com humor de tudo, até mesmo da própria República. Ali, expressando seu "sim" na Câmara dos Deputados, Tiririca demonstrou que, de político, ele não passa de um bom palhaço (ou seriam os dois conceitos a mesma coisa?).

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