Foi na noite de uma quinta-feira, dia 29 de novembro, que eu soube do falecimento de José Pereira de Souza, mais conhecido como "Maguila", taxista, que no desempenhar de sua profissão não era apenas mais um motorista que escutava os "causos" de seus clientes, mas que se tornou o amigo de toda uma geração de boêmios.
Confesso que só fui saber de seu nome de batismo quando foi anunciado por sua família o seu velório. Até então, só o conhecia pelo apelido, que o tornou famoso entre os passantes e fregueses dos barzinhos em frente a Praça Ecológica, em Ponta Negra; especialmente o Wesley's Bar (antigo Gringo's). Eu soube que nos últimos meses Maguila padecia de um câncer, cheguei a ver uma foto sua no hospital, muito debilitado. Soube também de sua melhora, e de que já estava em casa, esperando visitas. Fiquei de visitá-lo. Promessa que nunca cumpri e me arrependo! E se não posso dar minhas condolências pessoalmente a sua família e amigos enlutados, no dia do seu enterro, por estar em outra cidade trabalhando, fica aqui minha pública homenagem.
Recordo-me de Maguila como aquele sujeito que revelava uma anedota no próprio apelido, pois se tratava de um sujeito de meia-idade, baixinho, franzino, magro como um graveto, de óculos e cabeleira grisalha e um bigodinho aparado, com aparência muito distante do seu homônimo famoso. Maguila compensava a esqualidez da fisionomia com uma abundância de simpatia, afeto e simplicidade. Era um cara divertido, e se divertia com os passageiros bêbados que pegava todas as noites na rua, percorrendo com seu táxi, em busca de clientes, nas noitadas natalenses. Antes mesmo da Lei Seca, já havia o Maguila. E com ele a certeza não apenas de um transporte seguro, que te levaria com tranquilidade até sua casa, mas também a garantia de uma boa conversa.
De tanto fazer ponto em frente ao bar do Wesley, ele acabou sendo a referência e o companheiro de fim de noite de toda uma geração, principalmente do meu grupo de amigos, frequentadores do estabelecimento, carinhosamente chamados de "diretoria". Cansou-se de ouvir as histórias (e lamúrias) de seus clientes, assim como eu, que contava os trocados no bolso e sempre tentava pechinchar nas corridas, pois no final da noite a grana do fim do mês já estava curta e gasta na última cerveja ou dose de whisky. Já não consigo contar quantas vezes Maguila me levou pra casa no 0800, pois eu já estava liso, sem um tostão no bolso, na época ele não passava cartão e, na pendência de carona dos amigos, ele se oferecia para me levar pra casa, dizendo que eu pagasse depois. O problema é que na maioria das vezes eu já estava tão cansado e biritado que não tinha a menor ideia de quanto lhe devia, ele não cobrava, e constrangido, eu encontrava com ele de novo, pedindo pra ele me cobrar, e ele me falava, dando uma risada, que eu desse o que pudesse, que nas próximas corridas eu compensava o valor da viagem. Maguila era taxista não porque necessitasse, mas porque gostava da profissão, exercida durante décadas. Diferente do Uber, onde hoje você vê muitas pessoas trabalhando como se fosse um bico, ou como um trabalho temporário, para um "pé de meia" para dias melhores, Maguila encarava rodar no seu táxi como um verdadeiro ofício, e por isso valia pena circular pelas ruas cada dia mais violentas de Natal, porque ele me dizia que era aquilo que ele gostava e sabia fazer.
Maguila não só ouvia, mas também tinha suas histórias pra contar. Não me esqueço nunca quando ele me contou de uma tentativa de assalto, quando pegou um passageiro suspeito e o deixou nas proximidades da Zona Norte, e assim que o sujeito desceu, ele puxou uma arma e anunciou o roubo, quando Maguila saiu em disparada no seu carro, e metros depois sentiu apenas uma forte dor no braço. Tinha sido baleado! Por uma questão de centímetros uma tragédia não tinha acontecido, e com o braço ensanguentado, ferido pelo projétil, teve o sangue frio de ainda chegar em casa, valer-se dos primeiros socorros e depois seguir para um hospital. Maguila fazia relatos da vida de um taxista que revelavam uma crônica diária de alegrias e tristezas, de cenas divertidas, mas também de infortúnios. Parecia uma das cenas do filme do cineasta Jim Jarmusch, "Uma noite sobre a terra", de 1990, onde taxistas, em cidades e histórias diferentes, viviam situações inusitadas. Para mim, Maguila representava não apenas um homem e um veículo, mas sim o representante de uma cidade e uma cultura que revelava o povo natalense. O taxista Maguila era a cara de Natal!
Vou guardar para sempre na memória e no meu coração a imagem e o sorriso do Maguila, sua simpatia, generosidade e humildade, revelando que taxistas não são apenas aqueles sujeitos estressados, mercenários ou mal educados, mas que também podem ser pessoas polidas, agradáveis e amigas, como em qualquer profissão que exija atender pessoas. Ele chegou a me dizer que só pararia de trabalhar quando não tivesse mais saúde para sair de casa no seu táxi, e parece que foi isso que realmente ocorreu. Vitimado pela doença, nosso pugilista do asfalto acabou tombando, mas não antes de deixar uma grande saudade e admiração para quem o conheceu e pôde compartilhar algumas horas de sua companhia. Creio que Maguila apenas partiu para mais uma viagem, agora no seu táxi celestial! Fico triste por não poder mais vê-lo, mas o terei sempre na memória, como tenho o de tantas pessoas queridas e amadas, que já passaram para outro plano de existência. Acredito que um dia nos veremos novamente, e, até lá, fico no aguardo, Maguila, de fazermos mais uma corrida!!