sexta-feira, 27 de setembro de 2019

CASO GUSTAVO NEGREIROS: Liberdade de expressão ou o suposto direito de ser desagradável?

Gustavo Negreiros é um jornalista e famoso blogueiro potiguar, que até pouco dias atrás participava de um programa da rádio 96 FM, bem como era contratado da TV Tropical. Negreiros se comunica bem com seu público, não tem papas na língua, faz comentários críticos e aguçados, principalmente contra os adversários. O radialista gabava-se de ser uma das vozes minoritárias no Rio Grande do Norte contra a governadora petista, Fátima Bezerra, fazendo questão de se identificar como blogueiro de oposição. Seu blog na internet tem um largo acesso entre seus leitores e passou a ser um dos veículos de comunicação do eleitorado conservador ou de extrema-direita, do estado potiguar.

Conheço e admiro diversos jornalistas e comunicadores do Rio Grande do Norte, tanto de velhas quanto novas gerações. Cito aqui, publicamente, talentosos profissionais como Woden Madruga, Vicente Serejo, Osair Vasconcelos, o finado e saudoso amigo Carlos de Souza (falecido precocemente e que esteja agora entre os anjos, celebrando sua genialidade e espirituosidade com uma devida recepção no céu), Ana Ruth Dantas, Daniela Freire, Margot Ferreira, Ailton Medeiros, Roberto Guedes, dentre tantos outros. Gustavo Negreiros era bem conhecido entre esse meio, bem como nas suas posições políticas e ideológicas. Num regime democrático, onde o direito e conflito de opinião é salutar, e como sou contrário ao pensamento único, ter blogueiros e jornalistas com posições políticas diferentes do governo de ocasião é sempre bom, para fomentar o debate. O problema é quando o debate cede espaço à exibição do comentário grotesco e do mau gosto.

Por conceito de Estado de direito, pegando a célebre definição do jurista e filósofo norte-americano, Ronald Dworkin, entende-se um Estado onde tanto o governo quanto os cidadãos são obrigados a seguir regras públicas, até que elas sejam mudadas; ou seja, são estabelecidos limites tanto em relação aos governantes com os governados quanto em relação aos governados entre si. O direito vale para todos, sendo o limite do exercício do direito de um o começo da obrigação do outro e vice-versa. Em termos populares, é como se eu dissesse que todos tem direitos (inclusive o próprio Estado), mas ninguém pode abusar do direito que tem.

Transpondo essa questão conceitual para o mundo do jornalismo e das redes sociais, percebo que muitos comunicadores da chamada "Nova Direita" brasileira, agora se apegam ao tema do exercício da liberdade de expressão, como um direito fundamental, para justificar uma série de insultos a outrem, proferidos publicamente, disfarçados sob o apelido de pensamento crítico. Segundo eles, a esquerda e seus acólitos não admitiria a crítica, por ter sido governo no país por quase 16 anos e ter comprometido a mentalidade acadêmica, a imprensa e a comunidade artística durante décadas, num termo, que os seguidores de Olavo de Carvalho chamam, em sua teoria conspiratória, de "marxismo cultural". Ao revés, qualquer reação indignada de alguém tocado pelo insulto (epa!! digo, "pensamento crítico"!), seria mero "mimimi", apego ao politicamente correto, ou demagogia oriunda de esquerdopatia mesmo, uma vez que na sua cegueira ideológica e bolivariana, o suposto atingido não se permitiria enxergar que todos tem o direito hoje de serem grosseiros, como forma de demonstrar sua indignação aos corruptos tempos do petismo; pois, segundo essa visão, tudo o que tenha ou revele um pensamento de esquerda significa tudo de ruim que pode existir na história do mundo.

Creio que ao menos pensa (ou pensava até ontem) assim, o blogueiro Gustavo Negreiros em sua mordacidade, engenhosamente construída, a partir de seus comentários políticos, seja no seu blog ou nas suas falas na rádio. Talvez ele tenha como inspiração ícones jornalísticos do antiesquerdismo ou do antipetismo, como Diogo Mainardi, do Antagonista; ou tenha predileção por um certo e polêmico Augusto Nunes, da Jovem Pan. Ambos tem um estilo cáustico e irônico de comentar, não pesam as palavras, e, mesmo que seus críticos acreditem que eles digam absurdos, exercem seu papel de jornalistas ao comunicar, ao menos que seja ideologicamente de uma determinada forma e direcionados para um público que irá receber seus comentários como um bálsamo de sabedoria. Até agora, reitero, nada contra isso!! Numa democracia cada um fala para o seu público.

O problema é quando, eventualmente, um jornalista de renome ou grande audiência comete deslizes éticos, pois gafes supostamente imperdoáveis, cometidas diante de câmeras ou mediante um uso de microfone, parecem significar o atestado de óbito da carreira profissional, ao proferirem frases ou comentários infelizes durante um programa ou nos bastidores de um evento jornalístico. Foi assim que caiu em desgraça William Wack na Rede Globo, por comentário infeliz sobre raça durante uma transmissão de jornal em Washington, e foi assim como o apresentador e comediante Rafinha Bastos foi penalizado na televisão, no extinto programa CQC da Band, quando falou em rede nacional que "comeria" determinada cantora grávida e seu bebê. Momentos infelizes que revelam  a fraqueza humana, mas, principalmente, momentos que identificam propriamente o DNA ideológico de uma pessoa, quem ela realmente é ou quem ela se revela do seu próprio inconsciente. Numa palavra pomposa, suas idiossincrasias, ou, no popular, seu jeito de ser.  Todos temos, em larga ou menos escala, nossos esqueletos no armário; mas alguns parecem ter um guarda-roupa com ossadas inteiras!

Neste momento, a gafe cometida por Gustavo Negreiros saiu dos meios de comunicação locais e foi parar no noticiário nacional, quando foi anunciada sua demissão de dois veículos jornalísticos, após ter se referido maldosamente, num programa de rádio, à ativista sueca, ambientalista, Greta Thunberg, chamando-a de "histérica", "mal amada" e alegando que a sueca "estava precisando de sexo".  O jornalista ainda insinuou que a ativista seria consumidora de drogas, ao afirmar que a garota deveria fumar seu baseado de maconha e voltar para a Suécia. Após a repercussão da fala, cujas imagens foram viralizadas exaustivamente na internet, no mesmo dia, no site da Revista Fórum, foi revelado que o jornalista já havia se referido pejorativamente à ativista num comentário da TV Tropical, chamando a moça de "vagabundinha".  O detalhe é que Greta tem apenas 16 anos, é diagnosticada como portadora de um tipo de autismo, já recebeu diversos prêmios internacionais por conta de seu ativismo, ao pregar contra às mudanças climáticas resultantes da ação humana e é uma das indicadas ao Prêmio Nobel da Paz. Para seus críticos, principalmente para os conservadores e para aqueles que criticam a militância ambientalista, Greta é apenas uma inocente útil, um escudo humano para alguns, uma oportunista, ou, simplesmente, uma garota com problemas mentais que só quer aparecer. Seu protagonismo e a fama mundial deu-se também por conquistar a antipatia de chefes de Estado como Donald Trump, que se juntou ao coro de críticos, com comentários sarcásticos contra ela nas redes sociais, procurando desqualificar a jovem sueca, seja pela sua pouca idade, seja pelo problema de saúde que ela tem.

Entretanto, parece que ninguém até agora tinha se referido a Greta Thunberg de forma tão insultante quanto Gustavo Negreiros. Seus comentários grosseiros repercutiram tanto que a rádio cujo programa ele participava com seus comentários perdeu patrocinadores, diversos movimentos sociais e coletivos virtuais organizados iniciaram campanha contra sua falas na internet, viralizando o vídeo das frases infelizes, resultando em sua demissão, e o próprio jornalista foi obrigado a se retratar publicamente em seu blog. Durou pouco tempo o arrependimento. Após reconhecer que tinha se excedido e ter formulado comentários infelizes, o jornalista nordestino voltou a atacar seus desafetos, dirigindo todo seu ódio aos militantes de esquerda e ao governo estadual petista, como se fossem os reais causadores de seu infortúnio. Não demorou para dizer que estava sendo perseguido por uma patrulha ideológica, como se os insultos dirigidos contra Thunberg não tivessem partido de sua própria boca. Como eleitor devotado do presidente de extrema-direita, Jair Bolsonaro, Gustavo Negreiros só faltou utilizar frase que já ficou célebre entre os inimigos do petismo, militantes conservadores da Nova Direita brazuca, que diante das mais estapafúrdias situações ou para justificar qualquer barbaridade verbal, bradam em uníssono: "a culpa é do PT!".

A ativista adolescente já foi atacada nas redes sociais por ninguém menos que Eduardo Bolsonaro, deputado federal, candidato a embaixador nos Estados Unidos e filho do presidente brasileiro, ídolo político de Negreiros. O ódio dos Bolsonaro a Thunberg, bem como de Trump e de qualquer outro líder conservador que acredite que aquecimento global é lorota de esquerdistas, é justificável, principalmente depois que o Brasil se meteu numa enrascada diplomática histórica, com direito à briga com o presidente da França, por conta das questões das queimadas na Amazônia e a fala polêmica do presidente nas Nações Unidas, onde só faltou acusar os índios caiapós ou ianomâmis de serem os reais causadores dos incêndios florestais. Talvez por isso, o jornalista potiguar tenha se sentido à vontade para destratar a moça nos meios de comunicação, mesmo sem ter tido o cuidado de saber o mínimo de sua biografia. Afinal, como diz o jovem radialista da Jovem Pan, Caio Coppola, comentários agressivos seriam apenas exercício de liberdade de expressão. Será?

Liberdade de pensamento é um direito fundamental assegurado pela Constituição Federal no seu artigo 5º, inciso IV, que além de dizer que é livre o pensamento e vedado o anonimato, ainda se refere a uma consequência direta desse direito, que é a liberdade de expressão, prevista no artigo 220 do mesmo texto constitucional, ao tratar da comunicação, informando que nenhum pensamento ou expressão sofrerá restrição, na forma da Constituição.

Ocorre que expressar pensamento não se confunde com injúria, com o ato de insultar alguém, esse sim, um ato reprovável, tipificado como crime no Código Penal Brasileiro e uma conduta ilícita, que pode gerar indenização no âmbito civil. Se eu defendo um Estado de direito, e se nesse conceito eu defino esse Estado como uma situação jurídica em que todos tem limites (inclusive o próprio Estado), eu tenho também que impor limites ao exercício de um direito, no momento em que percebo que esse direito não está mais sendo exercitado, mas sim abusado. Qualificar o outro como fascista ou comunista, em termos pejorativos, pode até se dar no nível do acalorado debate político e ideológico, mas não pode servir como pretexto para a prática de ilícitos. No exercício da minha expressão, seja ela jornalística-profissional, artística ou meramente como opinião individual, tenho todo direito de ser agradável para umas pessoas e desagradável para outras, pois a Constituição também estabelece que é um direito fundamental meu fazer ou não deixar de fazer algo, senão em virtude de lei (art. 5º, inciso II). Assim, se algo não me é proibido é porque é permitido, e posso ser a pessoa mais desagradável do mundo para alguns, que discordam do jeito que eu penso, mas isso não me dá o direito de sair do limite, e prejudicar a honra ou imagem de outro alguém. Ao me manifestar criticamente quanto aos posicionamentos do jornalista Gustavo Negreiros, em nenhum momento me valho de minhas palavras para insultá-lo ou desmerecê-lo, utilizando quaisquer adjetivos que venham do feio ao bonito, mas posso, democraticamente, dizer que discordo dele politicamente e que a forma como exerce seu conservadorismo não seria a forma que eu acharia adequada ou elegante para conservadores se expressarem. 

Tudo parece ser uma questão de palavras, mas não é. Desde a polêmica linguística travada na filosofia no século XX entre Popper e Wittgenstein, com direito até a briga com atiçador, fica a discussão se palavras são apenas palavras que, quando tiradas do contexto, não revelam realmente o que o interlocutor queria dizer; ou se, ao contrário, as palavras são reais veículos de comunicação daquilo que é, daquilo que existe além daquilo que foi dito, ou que revelam exatamente aquilo que se quer dizer. De qualquer forma, na minha opinião, desqualificar o outro pelo insulto, menos do que um livre exercício do pensamento ou forma de expressão, é tão e simplesmente grosseria mesmo, falta de educação, e, no limite legal, até mesmo um delito. Extrapola-se o direito de ser desagradável no palco conflituoso do debate de ideias entre diferentes, na disputa entre adversários no jogo argumentativo. No meio jornalístico tem-se um agravante, pois se a ideia é informar, comunicar, não se informa nada, não há comunicação alguma, só bate-boca, só palavras de mau gosto proferidas com o único sentido de impactar, de causar (má) impressão para o ouvinte, mesmo que seja um ouvinte convertido ao credo político ou doutrinário do locutor.

Creio que tal episódio serviu como amargo aprendizado para o citado jornalista potiguar. Creio que o Rio Grande do Norte não pode se prender ao pensamento único, e necessita de vozes diferentes, que exponham suas críticas a governos, seja de direita, esquerda ou centro, da União, Estados ou municípios. Entretanto, sinto falta de vozes de oposição qualificadas, da união da eloquência, senso crítico e escárnio conservador que existia num certo Paulo Francis, que eu podia discordar ideologicamente, mas louvar suas tiradas altamente espirituosas. Acho que muitos de nossos comunicadores, independentemente do governo ou de partidos a que se vinculem, necessitariam ter maiores lições de sabedoria, e tais lições só ocorrem sabendo valorizar verdadeiramente a democracia. A democracia começa quando um não quer exterminar o outro, a partir de sua reputação, pela arte do diálogo no lugar da arte do insulto. Creio que tanto os apoiadores de Greta, como seus detratores, merecem isso!

domingo, 26 de maio de 2019

Carta aberta a um amigo que se tornou fascista

Querido amigo! Sei que para você pode parecer inesperado eu escrever estas linhas, e talvez não seja apenas você que pense isso, mas muitos amigos de outros amigos que podem se sentir identificados com o que escrevo. Não se trata de expor pessoas, mas de expor ideias, e, principalmente, a ideia de um país.
Você deve saber que muito se fala o quanto esse nosso Brasil está em crise, quase em ruínas, pois se encontra fraturado, dividido, talvez como nunca jamais estivesse em sua história (isso se eu não entrar no argumento histórico da divisão entre monarquistas e republicanos no século XIX), ao menos de forma tão radical.  Você deve ter percebido que após as eleições de 2018, a posse e o exercício de mais de 100 dias do mandato de um novo presidente, parece que ainda não perdemos o clima da campanha eleitoral.
Creio que eu e você vemos isso nas ruas, esporadicamente, ao se demonstrarem em manifestações de rua, convocadas pelas redes sociais, dois Brasis: um Brasil verde e amarelo, conservador, religioso, preocupado com progresso e altamente moralista, que se preocupa muito com o bolso e com as possibilidades de ascensão social. Em tese, esse Brasil é privatista, é liberal na economia, mas defende um Estado forte ao se voltar para o tema da segurança, defendendo uma repressão penal atroz e punição severa aos corruptos e autores de crimes violentos. Um Brasil que cultua a ordem, o respeito à autoridade, como era no tempo dos nossos pais, mais voltado para a família e defesa de valores familiares. É um Brasil militarista, que cultua as Forças Armadas como a principal instituição nacional e se volta para o passado, acreditando que uma ditadura nunca existiu e que a Guerra Fria ainda existe, pois os inimigos de verdade e destruidores da pátria seriam os comunistas. É um Brasil que fez opção por um líder autoritário, martirizado depois de uma facada em plena campanha eleitoral e pela demonização de um ex-presidente preso e de seu partido político. Geralmente, esse é um Brasil voltado mais para os shopping centers e sua prosperidade consumista, elegendo os Estados Unidos da América e Miami como uma espécie de "cidade luz", enquanto que o resto da América Latina se resumiria a uma autoritária Cuba ou uma decadente e destrutiva Venezuela. Por outro lado, amigo, você deve ter percebido também as manifestações de pessoas que simbolizam um outro Brasil: o Brasil do Estado social, do desenvolvimentismo, da integração latino-americana e da crítica ao gigante norte-americano, tratado como espoliador. Um Brasil mais plural, tanto nas crenças das religiões, quanto na identidade de gênero e opção sexual. Um Brasil, é verdade, que demoniza um tanto o capitalismo, ao menos no seu aspecto mais predatório, que defende um Estado interventor, que alavanque o desenvolvimento através de investimentos em educação, obras públicas e contratação de pessoal. Esse Brasil que você deve ter visto é um país metido a politicamente correto, que defende direitos humanos, que prega o respeito a minorias étnicas como indígenas e quilombolas e condena a homofobia. Um Brasil que, em manifestações de rua, trocou o verde e amarelo por outra cor, preferiu vestir as cores vermelha ou branca, que pode representar ideologias, partidos políticos ou religiões marginalizadas, ou de um arco íris que identifica uma orientação sexual, e que também caminha nas ruas, erguendo faixas e portando camisetas com estampas de revolucionários e líderes do passado. Trata-se de um Brasil que se agarra à memória de um passado autoritário nem tão distante e insiste em criticar uma velha e decadente ditadura militar. Esse Brasil que estou falando a você é o Brasil que ainda considera golpe um fraudulento e tendencioso processo de impeachment contra uma presidente democraticamente eleita e que não concorda que um ex-presidente, de tão popular, esteja preso por conta de um processo judicial injusto.  Um Brasil que critica a repressão policial e o autoritarismo, que ainda acredita na ressocialização dos autores de delitos e que acha que segurança se resolve preventivamente com mais escolas e menos fuzis. Um Brasil de sindicalistas, estudantes de escolas públicas e moradores de periferia que frequentam mais botecos do que casas de show. Esses dois Brazis são um mosaico do que somos e um pouco da história que vivemos em tantos anos de amizade. O que foi que deu errado?
Durante a eleição, preocupou-me quando você começou a postar vídeos em nossa rede social, lá de onde você mora depois que se mudou pra outra cidade, contendo informações falsas, que hoje chamam de fake news, ou que exortavam pessoas de verde e amarelo revoltadas ou com muito ódio, lotando um shopping center e cantando o hino nacional, defendendo um candidato como se ele fosse um mártir, uma espécie de "mito". Até aí, pensei em nossos tempos de juventude, do quanto você era identificado com as causas que eu pensava, apesar de eu nunca ter te obrigado a pensar do mesmo jeito, só pelo fato de torcemos pelo mesmo time e gostarmos das mesmas músicas.
Entretanto, o que me preocupou mesmo foi seu silêncio, quando eu descobri que o que nos distanciou não foi o tempo e nem a separação geográfica, mas sim a forma de ver a vida e a política. Sim, pois a política, apesar de parecer um assunto chato para muitos (e deve ser para você também), assim como as religiões, define muito quem somos e o que queremos ser. Fiquei triste e chocado, é verdade, por ter descoberto no teu silêncio, ao não me responder em quem iria votar, naquele fatídico domingo de outubro, que nós estávamos muito, mas muito distantes enquanto pessoas e brasileiros. Nos meses vindouros, vim descobrir, tristemente, que não se tratava apenas de uma opção que eu, democraticamente,  discordava da que você tinha ao apertar um botão numa cabine eleitoral. Vim descobrir o quanto você tinha mudado! Ou será que me enganei, e na verdade você sempre foi todo um caldeirão ambulante de recalques, ignorância e contradições?
Digo isso e peço, desde já, minhas desculpas se minhas tintas estão pesadas, mas, pelo que soube, você se portou com a indiferença daqueles que acham trágico, mas nada de mais e muita balbúrdia midiática, a comoção com repercussão nacional e internacional do assassinato a tiros de uma vereadora negra e defensora de favelados, da cidade onde você nasceu, por considerar que cidadãos de bem são assassinados todos os dias por marginais e a imprensa não diz nada, fazendo coro com aqueles que acham que a defesa dos direitos humanos (a principal bandeira da vereadora assassinada) é a defesa de bandidos. Entristece-me saber, amigo, que você acredita na reforma da previdência apresentada pelo governo que você ajudou a eleger, pois crê, assim como os que pensam parecido contigo, que tal reforma só é necessária para acabar com a mamata dos funcionários públicos, que assim como eu, teriam muitos privilégios, já que você teve que suar a camisa, sendo explorado no setor privado onde você conseguiu emprego, e nunca fez ou teve a oportunidade de passar num concurso público.
Mas tudo isso poderia passar batido se eu não soubesse que você defende um presidente e manifestantes que o apoiam, que destroem faixas em universidades, cuja única e singela mensagem é a defesa da educação. Claro! Como você nunca teve a oportunidade de chegar a uma universidade pública, talvez você ache que lá é só um espaço de professores esquerdopatas que tentam doutrinar cegamente seus alunos (por isso que você defende uma Escola sem Partido) e que os estudantes são todos uns desocupados, com raras exceções, que se preocupam muito mais em vestir camisetas e botons de partidos como se fossem times de futebol do que estudar e que se divertem em festas no campus, regados a cerveja e muita maconha, desperdiçando dinheiro público, enquanto você tem que ralar de ônibus todos os dias para arcar no fim da noite com o ensino pago, às custas da mensalidade que você tem que pagar.
Você tem amigos gays, assim como eu, e muitos são nossos amigos comuns, mas você deve achar hoje que é só mimimi, vitimização ou coitadismo demais falar em combater ou criminalizar a homofobia, até porque os gays já teriam direitos demais e você acharia insuportável a ideia de ter um filho homossexual; pois, afinal de contas, você o educou bem!!
Você deve ser contra as cotas na universidades, claro! Até mesmo porque, assim como no futebol, onde craques negros ou mestiços se destacam pelo talento próprio e nato com a bola nos pés, como Pelé e Neymar, a ascensão social de cada um deve ser vista somente pelos seus méritos e não por uma injustiça histórica ou desigualdade econômica, até porque, esse papo de desigualdade para atacar as injustiças é papo de derrotado, de quem não teve competência para se estabelecer., não é mesmo?!
Eu poderia até concordar com alguns de seus argumentos e tolerar outros, porém o que não me passa na garganta é você acreditar piamente que o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal devem ser fechados, pois seriam entidades inúteis, repletas de privilegiados e ladrões. Mais do que isso, como você acredita que bandido bom é bandido morto, você acha normal e necessário armar a população, e que a polícia esteja autorizada a abater bandidos sem responsabilização penal. Você deve achar que aqueles caras que uns chamam de milícias, na verdade são policiais que se voltaram contra a hipocrisia do Estado em defender bandidos, prestam um auxílio, fornecendo água mineral, TV a cabo e segurança privada mais barato, protegendo a comunidade dos marginaizinhos e é natural pagar uma gratificação para eles, já que ganham tão mal. Sobre armar a população, você considera um acidente ou uma exceção por problemas mentais ou má formação familiar, proliferarem atiradores em colégios, pois o problema está nas pessoas e não nas armas.
É, amigo! O que me entristeceu também foi saber que você deve compartilhar do preconceito regional, por achar que o Norte e Nordeste do país é inferior intectualmente ao restante do país ou que os nordestinos pobres são massa de manobra, de um governo de esquerda corrupto, que os financia com esmolas, apelidadas de bolsa-familia, por que a maioria do eleitorado da região não fez a opção pelo seu candidato.
O que eu penso que é pior, e o que verdadeiramente nos distancia, é saber que quem pensa diferente de você e critica a sua opção, pode ser minimamente chamado de chato, mas na hora da raiva de petralha ou comunista.
É nesse ódio ao outro que o teu candidato (na verdade, agora, teu presidente) espera crescer e mantém seu rebanho de apoiadores fervorosos, alegando que o país estava ingovernável porque alguns (como eu) não estariam dispostos a colaborar, como bom patriota.
Amigo! É por fazer parte de ambientes distintos que nos distanciamos, mas, principalmente, porque esses ambientes tornaram-se tóxicos demais para que se mantivesse nossa convivência. Nesse sentido, preocupa-me se, no Brasil de hoje, eu ainda posso chamá-lo de amigo!

Gates e Jobs

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Os dois top guns da informática num papo para o cafézinho

GAZA

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Até quando teremos que ver isso?