Um blog em forma de almanaque, com comentários sobre cultura, política, economia, esporte, direito, história, religião, quadrinhos, a vida do próximo, o que você desejar, ou que os seus olhos se permitam a ler e comentar, contribuindo para as reflexões desse humilde missivista, neófito nos mares internaúticos, em meio a esta paranoia moderna.
domingo, 11 de outubro de 2020
quinta-feira, 8 de outubro de 2020
EDDIE VAN HALEN: Requiém para um Guitar Hero
Somos naturalmente mal acostumados à perda de nossos heróis. Quando eles partem deste mundo, simplesmente não acreditamos. Em nossa imaginação, no relato do mito, nossos heróis são como seres invencíveis, divinizados, com superpoderes, altamente poderosos, e que não poderiam jamais sucumbir. Daí o espanto, a comoção e a toda a tristeza mundial dos fãs ao saber da morte do guitarrista Eddie Van Halen, comunicada por seu filho, Wolfgang, no Instagram, no último dia 6 de outubro.
Eddie Van Halen morreu aos 65 anos, de complicações decorrentes de um câncer de garganta. Fumante compulsivo na juventude, era natural vê-lo nos shows fumando um cigarro, enquanto dedilhava loucamente sua guitarra, fabricada por ele mesmo. Van Halen parecia tão elétrico quanto suas guitarras, e parecia difícil ou quase inimaginável vê-lo sucumbir, principalmente diante de um câncer.
Mas por detrás dos ídolos, existem as pessoas, e estas são humanas, frágeis e falíveis, e, assim, Eddie Van Halen corresponde a mais um da triste lista das lendas do rock, que perde a luta contra o câncer e falece não na juventude, como ocorreu com Janis Joplin, Jimmy Hendrix, Brian Jones, Jim Morrison e Kurt Cobain; mas sim na terceira idade, vitimadas pela mesma doença cancerígena. É longa a lista, que vai de George Harrisson dos Beatles, Ronnie James Dio, Lou Reed, o baixista Chris Squire do Yes, até Lemmy Kilmister do Motorhead, passando pelo tecladista Jon Lord do Deep Purple, David Bowie, o baterista Neil Peart do Rush, recentemente, e, agora, Eddie Van Halen. É todo um século XX, da minha geração X, que vai embora. E com eles um pouco de um pedaço da história da música.
Edward Lodewijk Van Halen nasceu na Holanda, em Amsterdã, em 1955, no dia 26 de janeiro (mesma data de nascimento da minha mãe). Filho de um pianista, sua família migrou para os Estados Unidos quando ele tinha seis anos de idade, e, já naturalizado americano, vivendo na cidade de Pasadena, na ensolarada Califórnia, que tanto amou, juntamente com seu irmão Alex, Eddie formou, no final dos anos setenta do século passado, uma das maiores bandas de hard rock da história.
Em 1978, o cenário do rock'n roll estava praticamente morto na América. Se há pouco Elvis Presley havia morrido, obeso e decadente, de ataque cardíaco, após uma overdose de barbitúricos um ano antes, o punk devastava o continente europeu, o Led Zeppelin já passava por uma série de tragédias pessoais e encerrava suas turnês ao vivo, o Aerosmith estava se separando, com excesso de drogas e brigas internas, e o Lynyrd Skynyrd deixou de ser uma enorme promessa de country rock, após a carreira da banda, outrora promissora, ter sido literalmente destroçada e interrompida precocemente, em um trágico acidente de avião, onde morreu metade da banda e seu principal frontleader. Nesse cenário, nada animador, coube a um rapaz cabeludo e magricelo, hiperativo, que trocou ainda na infância o piano pela guitarra elétrica, para formar um grupo que viria ressuscitar o rock norte-americano, revolucionar o toque de guitarra, e fazer voltar a alegria dos grandes shows de arena. Com a banda batizada com o sobrenome de família, o Van Halen deixou de ser apenas um grupo, para se tornar um conceito, uma febre, uma onda, uma ideologia. Há pouco mais de quarenta anos atrás, 10 entre 10 adolescentes da área urbana, como eu, já tinham ouvido falar ou ao menos escutado algum dos riffs e das músicas eletrizantes da banda californiana. Hits inconfundíveis como Unchained, Runnin with The Devil, Eruption, Jamie's Cryin', Ain't Talkin' Bout Love e Dance the Night Away faziam com que adolescentes californianos, dos Estados Unidos e depois do mundo inteiro, saíssem da praia direto para as lojas de discos. O grupo novo que surgia fazia também, ao seu estilo, um tributo às velhas gerações do rock, regravando covers em versões totalmente eletrizantes, canções como You really got Me, do Kinks e Pretty Woman, do Roy Orbison.
Foi juntamente com o nascimento da MTV, que o Van Halen, já uma banda profundamente respeitada no meio musical na década anterior e na entrada da década de 80, com três discos (os ótimos Van Halen, de 1978, Van Halen II de 1979 e Women and Children First, de 1980), chegou ao auge no mesmo ano de lançamento do nome do seu quinto álbum, 1984 (o célebre disco com a capa politicamente incorreta de um anjo querubim segurando um cigarro). É nesse disco que a banda se popularizou nas rádios FMs, nas coletâneas de rock em vinil e em clipes na televisão a clássica música Jump. Nessa canção, fui apresentado ao endiabrado e atlético vocalista loiro, David Lee Roth, ao baterista possante Alex Van Halen, ao baixinho, corpulento e animado baixista Mike Anthony, e, claro, ao todo poderoso guitarrista, principal compositor e band leader, Eddie Van Halen. A célebre entrada triunfal dos teclados tocados por Eddie, que era uma virtuose tanto no piano quanto nas cordas, seguido da batida rítmica de uma música que até hoje é tocada em estádios pelo mundo todo, não me dá vontade de fazer outra coisa, senão do que "jump", literalmente pular ao som de um dos rocks mais animados que já escutei em toda minha vida.
Seguiram-se outros sucessos, como Panama, outra canção onde a guitarra de Eddie se destaca com um riff inconfundível, bem a marca de seu criador, I'll wait, Hot for Teacher e tantas outras. Em 1986, o Van Halen troca de vocalista, e entra como cantor o mais talentoso que o antecessor e multi-instrumentista Sammy Hagar. A fase com Hagar no Van Halen, para os fãs da banda, pode ser comparada as duas clássicas formações do Black Sabatth, com dois lendários vocalistas: Ozzy Osbourne e Ronnie James Dio. O Van Halen com Hagar cantando parecia mais melódico e pop, do que a fase rebelde com Lee Roth, mas em todas as fases, o que importava mesmo era sempre a guitarra de Eddie Van Halen. Se no Queen, a voz e liderança de Freddie Mercury era o que marcou a banda, no Van Halen o que valia era a performance, carisma, técnica e estilo do seu guitarrista. Se Neil Peart, no Rush, era simplesmente um baterista excepcional, um virtuose de seu instrumento acima de qualquer média, Eddie Van Halen não era diferente, sendo considerado o maior guitarrista de rock do mundo, após Jimmy Hendrix.
Como não dizer que o cara era bom, se foi ele quem ensinou Joe Satriani a tocar? Ao desenvolver a técnica do tapping (estilo de tocar em que o músico percute as notas da guitarra ao invés de só dedilhar) que não foi inventada por ele, mas foi sofisticada, Eddie Van Halen levou o rock a outro patamar. Ele dizia que, assim como Carlos Santana, tocar guitarra para ele era o ato mais sublime de prazer e alegria de uma vida, e ele fazia música para as pessoas com satisfação, pois o que importava era que elas sentissem algo ao ouví-lo tocar: de alegria, tristeza, ou mesmo tesão. Ele chegou a criar sua própria guitarra, unindo a sonoridade das duas maiores e mais icônicas fabricantes de guitarras do mundo: a Gibson e a Fender, criando a sua Frankenstrat. Com ela ele tocou em centenas de shows, e sua forma de tocar, valendo-se até de uma furadeira elétrica para produzir show, rendeu um lugar para ele e sua banda no prestigiado Rock'n roll of fame.
É claro que, como eu disse há pouco, todo o grande artista tem os seus fantasmas, e os de Eddie Van Halen foram o álcool, o cigarro e o vício em drogas pesadas como a cocaína. Tudo isso é contado na biografia não autorizada, Eruption, de Paul Brannigan, lançada em 2016, ainda não traduzida em português. Nela, também pode se ver que o controle criativo da banda deu a Eddie muita inimizades, com músicos sendo unânimes em afirmar que, trabalhar com ele com tranquilidade era quase impossível. O ex-vocalista, David Lee Roth, muito mais um ator de formação do que cantor, apesar de ser considerado até hoje, por muitos fãs, como o verdadeiro e maior cantor da banda, disse que Eddie Van Halen nunca gostou dele, e, mesmo tendo se reunido em turnê pela última vez em que se apresentaram ao vivo em 2015, no que resultou no álbum Tokyo in Dome-Live Concert, mesmo após a reunião, após os shows, eles nunca se ligaram. A saída do baixista Mike Anthony, após décadas na banda, sendo substituído pelo filho do guitarrista, Wolfgang, também não foi das menos traumáticas. Gênios podem ser muitas vezes incompreendidos, ou, simplesmente, são uns chatos mesmo, e talvez esse tenha sido o caso do genial (porém mortal) Eddie Van Halen.
De qualquer forma, fica para a história os solos de guitarra de Eddie Van Halen, seu sorriso, enquanto empunha nos braços seu instrumento musical, tocando absurdamente rápido e com extrema técnica, diante da caída de queixo de uma multidão inteira, enquanto se divertia nos dedilhados, brincando com as cordas como se aquilo fosse a coisa mais fácil do mundo. Eddie Van Halen foi, sem dúvida, o herói da guitarra definitivo, e depois dele, muitas, mas muitas gerações de guitarristas deverão se inspirar. Fico aqui, na minha nostalgia, ao me recordar dos momentos felizes que a música do Van Halen me propiciou, sabendo que as canções ficam, e ainda vão animar muita gente por muito tempo, pois o rock não morreu, e nem nunca morrerá. Ao som de Dreams, para mim Eddie Van Halen tornou-se um anjo, a nos convidar a voar higher and higher, leave it all behind.
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