quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

SÓCRATES(1954-2011): Um Brasileiro!

Mais uma vez, aproveito o blog para escrever sobre obituários de gente famosa, mas de gente que, sempre de alguma forma, marcou minha trajetória de vida, como a de outras pessoas. Não sou corintiano, mas sou amante de futebol (e de muitas outras coisas, como meus bons amigos e leitores do blog bem sabem) e após um bocado de dias sem escrever (um mês, pra ser exato), decidi colocar na web minhas impressões sobre esse fantástico ex-jogador, articulista de jornais e revistas, militante político e personalidade  do esporte brasileiro, que agora se foi. Com vocês, minha homenagem ao Doutor Sócrates!!


(retirado de cafecomnoticias.blogspot.br)
 Sócrates  Brasileiro Sampaio de Souza Vieira de Oliveira, já tinha no nome uma equipe de futebol de salão montada. Nascido em Belém do Pará, há 57 anos, Sócrates veio de uma Belém que eu conheci na minha infância, pois como filho de um militar, vivi com minha familia num conjunto residencial da Marinha, próximo ao aeroporto, no começo dos anos oitenta, época em que comecei a me encantar com a mágica seleção brasileira da Copa de 1982, na Espanha. Torneio que teria como um dos craques a figura do doutor, um Sócrates no auge do vigor físico, habilidade e da fama, que junto com Zico e Falcão formou uma das melhores equipes de futebol da seleção canarinho da história. Uma equipe campeã moral, que no final não levou nada, mas encantou o Brasil e o mundo com os passes mágicos desses craques eternos, e com o antológico passe de calcanhar, marca registrada de Sócrates, que com sua criatividade fez ou ajudou a fazer muitos gols. Pena que a Itália de Paolo Rossi nos fez chorar! Pena que uma seleção tão brilhante, de futebol tão bonito, não conseguiu emplacar e levar para casa o título mundial. Aquele tempo se foi, mas Sócrates ainda permanceu por muito tempo no imaginário popular e na vida cultural e política nacional, até falecer este mês por distúrbios de saúde associados ao alcoolismo (mazela de tantas craques, que já vitimou Garrincha no passado), e ter deixado uma legião de leitores, da revista Carta Capital, orfãos do seus textos (dentre eles, eu). Que pena que Sócrates foi embora tão cedo. Cedo, porque 57 anos não é nada para a eternidade, e não é nada para quem se eternizou no coração e no orgulho nacional, com a alegria de  quem brincava com a bola, fazendo a alegria da torcida nos seus tempos de jogador. Um tipo magro, alto, imenso, mas de pés tão pequeninos e um jeito tão desengoçado, que fazia tremer a zaga do time adversário, toda vez que se aproximava da grande área. Sócrates permanecerá eterno. O doutor sempre será eterno!!

Doutor da bola, doutor na vida. Já no final dos anos setenta, Sócrates era uma exceção à regra, diante de tantos jogadores oriundos de famílias pobres, de baixa escolaridade ou nenhuma instrução, que tinham aversão a uma sala de aula, ao ter uma dedicação ao esporte inversamente proporcional ao estudo. Sócrates era estudante universitário, quando começou a jogar no interior de São Paulo, no Botafogo de Ribeirão Preto, cidade onde sua família,egressa do Pará, viria a residir e se radicar, revezando os treinos no clube com as aulas de medicina, na faculdade de medicina local, pertencente a USP. A dedicação aos estudos era semelhante à dedicação ao futebol,e já despontando como um craque mais talentoso nos gramados, do que nas mesas de cirurgia, não demorou para que Sócrates ingressasse no time que o consagraria, tornando-se um dos ídolos eternos do Corintians Futebol Clube. Foi no Timão que Sócrates, acompanhado de seus companheiros Palhinha e Casagrande, revolucionaram o futebol brasileiro com a criação do movimento chamado Democracia Corintiana, onde os jogadores, organizados politicamente como se fossem um partido político, reuniam-se em assembleía, ditavam as regras para a direção do clube, tiravam ou escolhiam treinadores, encerraram as autoritárias "concentrações", onde os jogadores ficavam enclausurados, impedidos de sair dos treinos, e definiam até horários dos jogos e treinamentos, numa forma de mobilização que lembrava a ebulição política da época, com a ocupação de praças e ruas, pelos movimentos sociais, exigindo o fim da ditadura e a realização de eleições diretas para presidente.


(retirado de abril.veja.com.br)
 Foi no movimento das Diretas-Já, que Sócrates mais se notabilizou como cidadão e ator político, e não apenas como jogador. Filiado ao PT, partido com quem sempre se identificou, e ídolo de Lula, então sindicalista, fundador do partido e futuro presidente da república (um corintiano fanático), o famoso jogador fez história com seu emocionado discurso no comício das  Diretas, dizendo em alto e bom som que se a Emenda Dante de Oliveira, que previa eleição diretas para presidente da república, em 1984, fosse aprovada, ele não iria mais para o exterior, saindo do Brasil a convite de um clube italiano, uma vez que queria permanecer para ajudar a reconstruir a democracia no país. Que pena que as coisas deram errado. A emenda não passou e o Brasil teve que esperar mais um ano pelo fim da ditadura, com a eleição de Tancredo Neves para o colégio eleitoral, e, nesse ínterim, um experimentado Sócrates tentaria a sorte na Europa, defendendo, por um  curto tempo, a camisa da Fiorentina, para depois retornar ao Brasil e ainda jogar pelo Flamengo, pelo Santos, até encerrar  a carreira no mesmo Botafogo de Ribeirão Preto, onde começou a dar os primeiros chutes, em sua histórica trajetória futebolística. Sócrates ainda jogou a Copa de 1986, no México, onde mais uma vez sentimos o gosto da decepção, ao perder para a França (Ahh! A França, sempre a França!), na disputa de pênaltis, nas quartas de final do Mundial.  Naquela época, um Sócrates contundido, exausto, mais ainda talentoso, viu se perderem as chances do Brasil conquistar mais um titulo, ao perder um pênalti decisivo, que levaria à seleção canarinho para as semifinais. Mas é de alegria e tristeza que se vive o futebol. É de momentos de glória e também de profunda dor que se forja um torcedor. Senão, não teria graça o futebol, não é mesmo?!


(retirado de webnode.com.br)
 Nos últimos anos, além de trabalhar como técnico de futebol, Sócrates se valeu de sua persona pública para trabalhar em projetos sociais, participar de eventos políticos (com direito até a elogios ao presidente venezuelano Hugo Chavez) e a escrever artigos na imprensa nacional, principalmente na revista Carta Capital, donde se tornou articulista, revelando um senso crítico que nunca o abandonou, além das garrafas de cerveja, cigarros e samba que sempre o acompanharam; pois afinal, acima de tudo, Sócrates era um brasileiro!



(retirado de vocedeolhoemtudo.com.br)
 Brasileiro de origem humilde, desapegado dos bens materiais e mais adepto de uma boa conversa de mesa de bar, entre comentários críticos à política e o futebol, do que frequentar os grandes salões do jetset do capitalismo da bola. Além de jogador, eu estimava o Sócrates que se fez enquanto pessoa, angariando mais amigos do que desafetos, apesar do seu jeito às vezes turrão de dizer as coisas "na lata" para seus interlocutores, sem se preocupar com eufemismos. Sócrates poderia se tornar uma fera para jornalistas, como também poderia ser uma doçura de afeto, reconhecendo com mansidão na imprensa nacional os seus vícios e o alcoolismo que acabou levando-o à morte. Desde o começo do ano, com suas idas e vindas ao hospital, Sócrates despertou a comoção pública e o afeto indivisível de todo o país, calando até mesmo seus antagonistas na CBF, irritados com a forma sempre crítica com que Sócrates denunciava a cartolagem no futebol. Afinal, Sócrates era um ícone, não um "zé-mané" pago a preço de ouro para ficar calado, ou promover cartolas investigados pela Justiça, acusados de corrupção. O drama de Sócrates serviu para denunciar os riscos do consumo excessivo de álcool, mas também serviu para demonstrar que uma pessoa vale pelas opções que adere e pelas suas escolhas. E Sócrates escolheu viver da forma como queria, sendo brasileiramente um cara simples, com todas suas qualidades e defeitos, tomando sua cervejinha no final do dia, na esperada mesa de bar. Por seu passado de atleta, Sócrates não teve como vilão doenças de coração ou de pulmão,  males que afetam os beberrões e fumantes, mas sim  uma doença do fígado, castigado por tantos anos de excesso e de birita. Na sua última refeição, o doutor passou mal, e antes que fizesse seu último diagnóstico, foi direto para o hospital, não mais voltando de lá vivo, mas escrevendo sua página na história, e nos corações de todos os torcedores de futebol.


(retirado de esporteuol.com.br)
 Sócrates simbolizava um tipo de futebol arte e um estilo de atleta ético, engajado políticamente que marcou época, mas que será muito difícil de encontrar nos dias de hoje, devido à mercantilização do futebol e uma indústria de fabricação de craques, que hoje transforma ex-atletas em homens de negócio (vide o que aconteceu com Ronaldo). Nada contra, mas também nada a favor, para quem tem um pensamento minimamente crítico, como tinha Sócrates. De qualquer forma, Sócrates deixa uma lacuna, mas também deixa uma lição de vida e ser humano na história do futebol e da política nacional. Definitivamente, é alguém que vai deixar saudade! Adeus, Sócrates!

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