sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

ECONOMIA: A Europa não é mais o que era antigamente, o problema é voltar a ser pior do que era.

Estamos acostumados, em nossa cultura, a usar o jargão: "cada um com seus problemas", e, assim, considerar que os problemas dos outros são somente dos outros e não nossos problemas também. Ao menos em relação ao que ocorre na Europa, isso se revela um ledo engano. Vivemos num mundo globalizado, e como num "efeito borboleta", o que acontece a milhares de milhas daqui, como o tsunami no Japão do ano passado,  provocando um risco de desastre nuclear em Fukushima, pode ter repercussões graves, no comércio de sapatos em Franca, no interior de São Paulo, por exemplo, ou na manutenção da produção de barris de petróleo no litoral do Bahia, no pólo de Camaçari. Tudo o que abala a economia de lá, acaba por ter repercussões diretas aqui, e um exemplo cabal disso é o recente expediente dos países ricos (ou ex-ricos?) de pedir dinheiro emprestado aos países emergentes, dentre eles o Brasil.

O Euro, a moeda única européia, está em crise; mas não é apenas a moeda, mas sim a Europa inteira. A reação em cadeia da economia capitalista, com suas crises sucessivas e a última grave derrocada
 dos países ricos, em função da decadência que passa a Grécia, e o consequente efeito dominó da crise, derrubando a economia dos países restantes, como Espanha, Portugal, Itália e França, anuncia um período de recessão, indefinição e muita insegurança para toda a comunidade européia. A incerteza quanto a sobrevivência do Euro pode significar a incerteza quanto à manutenção de uma Europa unida, depois de tantos séculos (ou até um milênio) de guerras, conflitos e disputas comerciais entre os diversos países da Europa, que outrora, tinham cada um sua moeda própria.

No início da Era Moderna, no conceito de Estado nacional, o princípio da soberania pressupunha a existência de um exército e moeda nacionais. Até a última década do século XX, acostumamo-nos nas aulas de história e geografia a descrever os países da Europa por suas moedas. Lembro-me bem quando era adolescente, que nas minhas aulas eu gostava de ler a edição anual do Almanaque Abril, onde eu memorizava a moeda de cada país, para diferenciá-lo dos outros. Assim, a Inglaterra tinha a sua libra esterlina, a Itália a lira, enquanto que na Alemanha a moeda nacional era o marco alemão, a França dispunha de seus francos, e na Espanha se usava a peseta. Por conta do vil metal, todas essas nações lutaram em guerra umas contra as outras, e foi preciso duas grandes guerras mundiais, que praticamente devastaram a Europa, para que os povos europeus, com suas diversas etnias e idiomas se sentassem juntos nas mesas de negociação, firmassem tratados internacionais, para que então, das ruínas surgisse uma nova entidade que representasse os interesses de uma Europa Unida. Nascia a União Européia, a partir do Tratado de Maastricht, em 1992, e dali nascia também a promessa de que os dias de conflito e destruição ficariam definitivamente para trás, enquanto uma nova Europa se via surgir.

Vi recentemente um comovente drama histórico chamado Feliz Natal (Joyeux Noel), com um elenco estelar de jovens astros do cinema europeu, de diversas nacionalidades. O filme conta os reais e inusitados episódios da confraternização entre soldados britânicos, franceses e alemães na I Guerra Mundial, no dia de Natal, quando os contendores saíam das trincheiras, largavam as armas, numa trégua firmada no front, e diante de um capelão rezavam, cantavam músicas de Natal, bebiam entre si e até jogavam bola, trocando fotografias dos familiares e confidenciando correspondências, como se a Guerra, naquele momento não existisse. O filme retrata fielmente uma Europa que até existia no começo do século passado, que não tinha uma moeda única. Uma Europa em guerra que contrastava com a Europa idealizada pelo filósofo Imanuel Kant, na sua obra A Paz Perpétua, escrita dois séculos antes, em que o filósofo pressagiava o surgimento de uma comunidade internacional, formada uma federação européia de nações, com o próposito de estatuir uma monarquia universal, com um governo e moeda únicos, mas que sabia respeitar a língua e as diversidades culturais de todos os povos que compunham aquela democrática comunidade de interesses. A União Européia nasceu como a concretização do ideal de Kant, e para que ela se mantenha, é fundamental que sua moeda permaneça forte, para unir povos que, outrora, eram inimigos e destruiam uns aos outros.

Se Marx ou Trotsky não conseguiram levar adiante o seu sonho de uma comunidade universal, dotada de uma mesma economia socialista, unindo as nações pela abolição dos meios de acumulação do capital, como defendia Trotsky na sua "Revolução Permanente", ao menos o capitalismo globalizado está tentando unir os diferentes por conta da economia. É cíclico que crises violentas do capital ocorram, como previu Karl Marx, mas também é previsível que o fracasso da moeda européia pode resultar na volta dos nacionalismos, e no retorno de um sentimento muito ruim na Europa, como o totalitarismo. Os novos velhos perigos que surgem para a Europa são o fortalecimento dos neofascismos, com a extrema direita italiana da Liga do Norte, os partidos de ideologia totalitária se desenvolvendo na Holanda e na Escandinávia, assim como o fortalecimento de discursos xenófobos de conteúdo racista, que agora culpam os imigrantes árabes e africanos (e não mais os judeus) como responsáveis pela crise, recessão e desemprego, que assola um em cada três cidadãos europeus em pleno colapso da economia em países como a Espanha e Portugal. Até a Grã-Bretanha foi chamada, e muito a contragosto da fleuma britânica de não querer se envolver nas confusões da Europa continental, o jovem primeiro-ministro conservador, David Cameron, foi obrigado a ir contra seu partido e seu próprio governo, na atual crise cambial, anunciando o apoio da Inglaterra ao pacto firmado pelos países da zona do Euro, como forma de manter a sobrevivência da moeda.

Pois é! Se nos meses que antecederam a Revolução Francesa, com uma economia européia em colapso, Maria Antonieta teve a audácia de sugerir que o povo faminto comesse brioches ao invés de pão, parece que no Palácio do Eliseu, um mais do que preocupado Sarkosy, aliado da Kayser teutônica Angela Merkel, vai ter que recorrer a sua badalada esposa, Carla Bruni, para lhe cantar uma de suas canções folk  ao violão, enquanto a economia da França parece desmoronar, como uma Roma em chamas diante de um Nero a tocar sua harpa. Talvez a cena fosse mais sugerida para Berlusconi na Itália, mas como o capo italiano já saiu de cena, pulverizado por uma dezena de processos de corrupção e abusos sexuais, resta ao povo europeu ver até onde vai dar a ópera bufa que se tornou a manutenção do Euro, e até onde o velho continente, surrado de guerras, vai suportar mais uma visita à lona, na perdição do capitalismo mundial. O mundo assiste aturdido ao desmoronamento da Europa.

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