Nos anos setenta do século passado, diretores de cinema como Steven Spielberg, George Lucas, John Dante e Richard Donner criaram um novo estilo de filmes norte-americanos: os chamados blockbusters (ou filmes "arrasa-quarteirão"). São filmes de grande orçamento, grande elenco e grandes plateias, que inflavam o orçamento (e o lucro) dos grandes estúdios de cinema, lotando salas e teatros, fazendo a festa de todo um público infanto-juvenil e criando a geração nerd de hoje. Eram filmes como Tubarão, Star Wars e Os Caçadores da Arca Perdida (o primeiro de Spielberg, o segundo de Lucas e o terceiro resultante de uma parceria entre ambos os diretores). Mas foi Donner quem introduziu o universo das histórias em quadrinhos de super-heróis para o cinema, com uma nova estética, através do seu Superman.
Sou hoje, com orgulho, um desses velhos nerds. Assim como também são diretores trintões e quarentões como J.J.Abrahams (criador da série de TV, Lost), Robert Rodriguez e Zack Snyder. A este último coube dirigir o remake do super-homem nos cinemas, contando com o ar galante e esbelto do ator inglês Henry Cavill (da série Tudors e do filme "Imortais") fazendo o protagonista de superpoderes. São inúmeras as comparações com o superman original, do filme de Donner, quando o finado ator Christopher Reeve galgou o estrelato através de um filme que o marcou para sempre. Entretanto, além das diferenças serem grandes, a forma como os diretores de ambos os filmes (Donner e Snyder) abordaram a história do personagem mais famoso das HQs tem nuances que levam o fã a conhecer universos bem distintos de um mesmo personagem, talvez (ou não) mais adequado a seu tempo.
Em relação ao primeiro Superman, lembro-me claramente do primeiro filme, assistido no cinema em Belém do Pará, no antigo Cine Palácio, em 1979, quando fui com meus pais assistir ao antológico filme de Richard Donner, cuja estreia nos Estados Unidos se deu no ano anterior. Naquele tempo não existia internet e nem celulares, e a divulgação do filme se dava mais por comerciais na televisão. Naquela época eu já colecionava gibis, frequentando bancas de jornais e revistas, e já lia as histórias do Super-Homem. Ainda não existiam os cinemas kinoplex ou multiplex, com suas salas numerosas nos shopping-centers de hoje. Os cinemas eram de rua, em grandes prédios, construções suntuosas que abrigavam anfiteatros enormes, perante uma tela gigante, num auditório onde cabiam mil, duas mil, até três mil pessoas. Hoje em dia, recordo-me que cinemas desse tipo (como foram os extintos Cines Rio Grande, Nordeste e Rex, em Natal) só existem hoje no Brasil em Recife (Cine São Luiz) e no Rio de Janeiro (Cine Roxy); apesar de, na nossa vizinha Argentina, esses belos cinemas ainda fazerem parte do cotidiano cultural dos habitantes da capital, Buenos Aires.
Imagine-se então como um garoto de 8 anos, vendo pela primeira vez na vida, em uma tela, um cara alto, de roupa azul e capa vermelha, subindo os céus de uma fictícia cidade de Metrópolis, salvando a vida de um operário que acabara de cair de um edifício, segurando-o no ar no instante em que caía, segundos antes dele se esborrachar no chão, produzindo não só na multidão presente na cena dentro do filme, mas também nos espectadores de fora, de dentro do cinema, um grito de euforia coletiva e uma salva estrondosa de palmas, tamanha a emoção da cena. Essa era a emoção do primeiro Superman! No tempo em que as cabines telefônicas de rua eram trambolhos gigantescos, e dentro daquela caixa fosca de vidro, um engravatado Clark Kent poderia se esconder, para trocar de roupa em milésimos de segundos, até aparecer como seu alterego, detentor de superpoderes, voando pelos céus da cidade, enquanto a população embasbacada perguntava: "é um pássaro, um avião...?". A magia do Super-Homem era a magia dos filmes que traduziam em realidade, cores e movimento de cenas que nós, leitores de gibis, apenas víamos paradas em pequenas tiras de jornal ou em revistinhas compradas a dez cruzeiros nas bancas. Superman trazia à tona os nosso sonhos de ter superpoderes para fazer coisas boas diante de tantas guerras e maldade. O Super-Homem era nossa vontade de potência!!
A graça do filme se completava com as origens do herói, num distante planeta Kripton, mostrado com economia de detalhes, mas com a firmeza da atuação de uma lenda do cinema, como Marlon Brando, interpretando Jor-El, pai biológico do herói. O filme ainda tinha uma vilão imperdível, um Lex Luthor que demonstrou bem porque era considerado o maior arqui-inimigo do Super-homem, numa perfomance que demonstrou porque o filme era tão bom, não só por ser bem dirigido e pelos efeitos especiais (considerados os melhores de sua época); mas também pela atuação de seus atores. Lois Lane que o diga, a namorada do herói, interpretada por uma elétrica Margot Kidder, atriz canadense que depois do papel que a celebrizou, despencou ladeira abaixo no anonimato, drogas pesadas e tratamento psiquiátrico, enquanto que Reeve, protagonista do longa-metragem e ator principal, amargou a maldição dos intérpretes do "homem de aço", vindo a ficar tetraplégico ao cair numa competição de hipismo, morrendo anos depois numa cadeira de rodas.
Apesar do sucesso e das maldições, o primeiro Superman ficou na história porque acertou no ator que o interpretaria. Chistopher Reeve era a transmutação ideal do Clark Kent criado nas histórias em quadrinhos para o cinema. Por falar em HQ, o filme foi absolutamente fiel aos personagens de papel, com um plus de ter entre eles um elenco estelar. Jor-El, que somente aparecia no começo do filme e em poucas cenas, era interpretado por Brando, uma lenda do cinema. O vilão Lex Luthor era feito por um Hackman recentemente vencedor do Oscar, por sua atuação em Operação França. E a direção de Donner era acertada como um relógio. Não é à toa que, até hoje, o filme é considerado uma das maiores bilheterias do cinema e um dos maiores filmes de super-herói já feito na história (junto com Batman, de Nolan). O Superman encarna o ideal altruísta norte-americano, mas também representa uma figura mítica. Como nosso totem moderno, o super-homem (homônimo daquele da filosofia, retratado por Zaratustra, nas reflexões de Nietszche) é a imagem da divindade, uma espécie de "Cristo alienígena", que vindo de outro planeta sem os pecados humanos, acabou por ensinar a humanidade a ser melhor, fazendo bem ao próximo, através do uso de seus superpoderes, combatendo o mal. Quem não gostaria de ter um anjo alado protegendo-o, livrando-o de perigos e acidentes, pelo simples uso de uma superforça ou mediante sua visão de calor? O Super-Homem representa até hoje o que queremos de melhor para nós, uma visão idealizada e pueril da humanidade ideal.
Como então traduzir tudo isso, reflexão filosófica, ficção científica, sentimentalismo e puro entretenimento num filme novo, para as novas gerações? É aí que entra o "Homem de Aço" (Man of Steel). Depois do êxito de outras adaptações dos quadrinhos para o cinema, como 300 e Watchtmen, Zack Snyder chamou para si a responsabilidade de reviver o herói mais clássico do século XX para as novas gerações. Mas como tornar o super-homem novamente atraente, se os últimos filmes para o cinema foram um fracasso (vide Superman IV, em 1987 e Superman-o Retorno, de 2006)? Com o sucesso do Homem-Aranha, dos X-Men e do Homem de Ferro da Marvel, e a consagração do Batman, da DC, através da excelente refilmagem feita pelo diretor Chistopher Nolan, que recriou o personagem nos cinemas, faltava a outro herói icônico dos quadrinhos uma volta triunfal. O primeiro passo foi a obviedade, eliminando-se do título do filme e em todo o decorrer da história, o nome do personagem. Isso mesmo, pela primeira vez na história do cinema um filme de super-homem não teria o nome de super-homem em seu título. Além disso, o roteiro do novo filme afastou-se da fidelidade às primeiras histórias do personagem nos quadrinhos (como ocorreu no filme do Superman original), preferindo se prender a uma nova cronologia, e uma nova forma mais moderna de abordar cada personagem da biografia do herói, dando-lhe uma nova roupagem. Foi isso que aconteceu, por exemplo, tanto com os pais biológicos de Kar-El (nome kriptoniano do "homem de aço"), Jor-El e Lara, quanto com os pais adotivos terrestres de Clark, Jonathan e Martha Kent, interpretados no novo filme, respectivamente, por Russel Crowe (ótimo), Ayelet Zurer, Kevin Costner e Diane Lane (estes últimos, a grande ponta dramática do filme).
O foco do novo filme é mais existencial (como se tornaram também as histórias em quadrinhos do herói na última década), permanecendo por meia hora de filme um Clark Kent barbudo, andando como um viajante, um sem-teto superpoderoso pelas entranhas da América nua e crua, procurando se encontrar e praticando grandes atos no meio do caminho, após saber de seus pais adotivos que não era desse planeta. A chance de se redimir com seu passado é quando Clark descobre no Ártico uma nave alienígena congelada há milhares de anos, onde, através de um holograma, ele recebe uma mensagem de seu pai verdadeiro, que esclarece seu passado e seu propósito no universo. Logo, Clark descobre que seu nome verdadeiro é Kal-El e o motivo para ter uma força sobre-humana, ter todos os sentidos superaguçados, poder voar a longas distâncias, além de poder prender a respiração por várias horas embaixo d'água e ser praticamente indestrutível, diz respeito à radiação do Sol da Terra, muito mais forte do que o seu planeta natal, Kripton, destruído por uma hecatombe, depois que sua população consumiu predatoriamente todos os recursos naturais do planeta. Clark então tem que decidir de que mundo ele será cidadão. Se de seu planeta de origem, ajudando a recriar o seu povo, ou se da Terra, protegendo aqueles do planeta que o acolheu; apesar da desconfiança do governo e do exército americano. É o velho mito do imigrante querendo se integrar, que deve ter passado pela cabeça dos criadores do super-herói,os desenhistas Jerry Siegel e Joe Shuster, em 1938, numa América e numa Europa às vésperas da II Guerra Mundial, que ainda repudiava judeus e estrangeiros, por mais que eles fossem dedicados ao país para que vieram.
Destaque importantíssimo para o vilão, que na nova história não é mais o arqui-inimigo Lex Luthor, mas sim o general kriptoniano Zod, interpretado anteriormente nos anos oitenta, em Superman II, pelo premiado ator britânico Terence Stamp, e no novo filme é representado pela atuação do esforçado Michael Shannon. O vilão é um militar alienígena que ao tentar dar um golpe de Estado em Kripton, antes de sua destruição, acabou sendo derrotado e enviado para o exílio num grotão da galáxia chamado de Zona Fantasma, jurando a si mesmo encontrar no futuro o filho de Jor-El, responsável indireto por seu infortúnio e última esperança de Kripton; por carregar consigo o segredo para recriar sua civilização. Zod não está sozinho, e encontra-se acompanhado de sua esposa, a violenta e mortal Faora (a bela atriz alemã Antje Traue), além de uma turba de mercenários kriptonianos que vieram a Terra com o único objetivo de destruir o planeta e, consequentemente, o Superman.
Do lado dos mocinhos, a bonita ruiva Amy Adams tenta ser o par ideal do protagonista, interpretando uma repórter Lois Lane destemida e sempre pronta a auxiliar o amado, mesmo que seja embarcando numa nave alienígena, ou num ataque militar, voando com uma bomba, a atingir os inimigos do herói. Sobrou até para os personagens do Planeta Diário, o jornal de Metrópolis onde trabalha o bonachão chefe de Lois, onde encontramos um Perry White que de "white" ficou "black", ao ser interpretado pela primeira vez no cinema, na nova versão, por um ator negro: o competente e consagrado astro, Lawrence Fishburne. Entretanto, para os fãs mais radicais das histórias em quadrinhos, o roteiro de David Goyer, que contou com a colaboração do próprio Nolan, responsável pelo sucesso de Batman, parece que em alguns momentos da trama, ficou meio que uma forçação de barra, desrespeitando, inclusive, um dos princípios básicos do herói: quanto ao não emprego de sua superforça para matar. Porém, penso que isso foi um detalhe, a meu ver, observado pelos idealizadores do filme, diante de um universo de heróis que são retratados para as novas gerações com novas nuances, nem sempre tão satisfatórias ou elogiáveis. Ao tentar mostrar um super-homem mais humano (como se isso fosse possível, já que ele não é deste planeta), Man of Steel correu o risco de manchar a biografia do personagem nos cinemas. Mas foi um risco calculado, pois levou em conta não apenas a revisão da mitologia do personagem, como também criou novos mitos, a começar pelo novo significado do "S" estampado no peito, como emblema do uniforme do herói. Por falar em uniforme, até este mudou, desaparecendo um super-herói de calção para surgir um de calças, deixando-se para sempre a imagem motivo de piadas na internet das novas gerações, pela cafonice de se usar uma cueca vermelha por cima da calça azul.
Do lado dos mocinhos, a bonita ruiva Amy Adams tenta ser o par ideal do protagonista, interpretando uma repórter Lois Lane destemida e sempre pronta a auxiliar o amado, mesmo que seja embarcando numa nave alienígena, ou num ataque militar, voando com uma bomba, a atingir os inimigos do herói. Sobrou até para os personagens do Planeta Diário, o jornal de Metrópolis onde trabalha o bonachão chefe de Lois, onde encontramos um Perry White que de "white" ficou "black", ao ser interpretado pela primeira vez no cinema, na nova versão, por um ator negro: o competente e consagrado astro, Lawrence Fishburne. Entretanto, para os fãs mais radicais das histórias em quadrinhos, o roteiro de David Goyer, que contou com a colaboração do próprio Nolan, responsável pelo sucesso de Batman, parece que em alguns momentos da trama, ficou meio que uma forçação de barra, desrespeitando, inclusive, um dos princípios básicos do herói: quanto ao não emprego de sua superforça para matar. Porém, penso que isso foi um detalhe, a meu ver, observado pelos idealizadores do filme, diante de um universo de heróis que são retratados para as novas gerações com novas nuances, nem sempre tão satisfatórias ou elogiáveis. Ao tentar mostrar um super-homem mais humano (como se isso fosse possível, já que ele não é deste planeta), Man of Steel correu o risco de manchar a biografia do personagem nos cinemas. Mas foi um risco calculado, pois levou em conta não apenas a revisão da mitologia do personagem, como também criou novos mitos, a começar pelo novo significado do "S" estampado no peito, como emblema do uniforme do herói. Por falar em uniforme, até este mudou, desaparecendo um super-herói de calção para surgir um de calças, deixando-se para sempre a imagem motivo de piadas na internet das novas gerações, pela cafonice de se usar uma cueca vermelha por cima da calça azul.
Bem! Se o que interessa é lucro, na sua estreia, na primeira semana de apresentação nos cinemas dos Estados Unidos e Europa, o filme se pagou, dando ao estúdio Warner, responsável pelo longa-metragem, um lucro inicial de 170 milhões de dólares e a garantia de uma continuação, criando-se uma nova franquia. No Brasil ainda é cedo para saber se o filme terá a mesma boa recepção que tiveram Os Vingadores e Homem de Ferro 3, da Marvel ( o que acho difícil). Mas, se não conseguir se tornar um sucesso retumbante, com direito a Oscar, como foi com Batman-O Cavaleiro das Trevas, ao menos "O Homem de Aço" não vai passar a vergonha do fracasso total, como foi com o equivocado filme do Lanterna Verde ou o último do Wolverine ( o próximo filme do personagem, a estrear este ano, por falar nisso, quer redimir isso). Man of Steel é um filme bom, mas um bom mediano. Faltou a ele a emoção grandiosa do primeiro Superman, com suas cenas genuinamente feitas para serem uma "história em quadrinhos relatada na tela grande", ou um romance dramático, com direito a lágrimas e choro incontido, quando no final do filme original um indignado Christopher Reeve percorre aos gritos os céus do planeta Terra, mudando a velocidade do globo terrestre para voltar no tempo, e assim salvar sua amada Lois Lane, que minutos antes jazia morta, enterrada no seu carro, após cair em uma cratera durante um terremoto no deserto.Tal cena impactante gerou a música "Super-Homem", composta por Gilberto Gil, ao lado de seu amigo Caetano, que assim como eu, emocionaram-se com um genuíno blockbuster de qualidade, no final dos remotos anos setenta.
E por fim, em relação à música. Se não temos mais o hino do Superman, feito por John Williams, que por décadas marcou o personagem, agora temos a tocante música ao piano de Hans Zimmer a percorrer toda a história. Pra quem viu o primeiro Superman no cinema, sabe-se que a trilha sonora teve um papel primordial, ao carregar no nível de emoção na exibição de cada cena. Já no filme de Snyder a música tem papel secundário. De qualquer forma, vale a pena escutar a música no finalzinho do filme, já com os créditos finais. E lembrar dela numa das cenas mais tocantes e nostálgicas do filme, onde, em flashback, o Super-Homem relembra como foi sua infância, a relação e as lições de vida que obteve com seu falecido pai adotivo, Jonathan Kent. É de dar lágrimas nos olhos! É por ainda sentir o peito batendo mais forte, ao lembrar do sentimento daquele garoto de 8 anos, vendo um ser com superpoderes cruzando os céus de Metrópolis, que eu recomendo assistir ao "Homem de Aço". Como diz o personagem principal, o que importa ao chegar na sala do cinema é se desprender de todo o peso da realidade e encarar a emoção da fantasia, subindo aos céus com sua capa vermelha e um ar triunfante, gritando bem alto: "PARA O ALTO, E AVANTE!!".