terça-feira, 24 de dezembro de 2013

CRÕNICA SENTIMENTAL: Amores Perros

Quem assistiu ou leu o livro best seller Marley e Eu, com certeza deve ter se comovido com a história do cãozinho Marley, um labrador cuja vida é contada pelo seu dono, de seu nascimento até sua morte. O cinema já se valeu muitas vezes do apelo canino, transformando em heróis animais como o Rin-Tin-Tin ou Lassie. Em Vidas Secas, obra-prima literária de Graciliano Ramos, nos comovemos com a trágica morte da cadela Baleia, assim como no filme Sempre ao seu Lado, nas salas de cinema multidões choravam aos borbotões, com as cenas do ator Richard Gere com um cachorro da raça Akita, interpretando um personagem duma história real, ocorrida no Japão, onde mesmo com a morte de seu idoso dono, o cãozinho da história continuava todos os dias a esperá-lo na estação de trem, aguardando que ele chegasse do trabalho. Até mesmo em tintas menos singelas, o filme Amores Perros, do diretor mexicano Alejandro Gonzales Inãrritu, relevava a inusitada relação de um matador de aluguel com um cão rottwelleir, usado por seus antigos donos em uma rinha de cães. Em todas essas dimensões cinematográficas podemos ver a mesma coisa: o homem ama seus animais.

Mas, afinal, o que tem esses animais que, em sua irracionalidade, comprovada por biólogos, são simples seres dotados de instinto, que não falam ou raciocinam, que se aproximam dos humanos muitas vezes em busca apenas de água e comida, mas são tão queridos e tão bem tratados que, em muitas casas, são tratados quase como parentes? A morte recente de Leopoldo, cãozinho de estimação de minha mãe, revela o quão emocionante é o gênero humano. O quanto somos capazes de fazer coisas absurdas e até mesmo cruéis em prol de um interesse maior (a cura dos problemas de saúde de uma coletividade ou simplesmente o avanço da ciência), fazendo experiências genéticas e dissecando cães da raça Beagle ou enviando cachorrinhas para o espaço, como fizeram com a finada cadela russa Laika, permitindo com seu sacrifício que surgissem os astronautas e as missões espaciais; ao mesmo tempo que somos capazes de fazer festas de aniversário para nossos bichinhos de estimação, ou montarmos verdadeiros complexos hospitalares veterinários para tratar dos males de saúde desses bichinhos, como também chegamos a construir cemitérios para esses animais, com direito a lápides e cruzes, honrando sua memória, relevando que o respeito aos mortos não se dá apenas aos humanos.

Eternizado no blog, Léo ainda vive!
Léo (como era apelidado) pertencia outrora a minha irmã, e quando esta partiu há mais de dez anos para trabalhar em São Paulo, deixou Leopoldo ainda filhote aos cuidados de minha mãe. Ela tinha duas opções: entregar o filhote para outra pessoa assumir seus cuidados ou ela mesma assumir a responsabilidade (e os aborrecimentos) de ter um animal em casa, num apartamento pequeno, onde viviam apenas um casal maduro e uma jovem adolescente (minha irmã caçula). Inicialmente relutante, tanto minha mãe como meu pai acabaram se apegando ao bichinho, e, assim como John, dono de "Marley", contou em seu livro, pude presenciar como testemunha daqueles tempos como Léo mudou o ambiente familiar. Tornou-se aquele poodle preto mais um membro (peludo) da família, e assim como Marley e seus donos, nesses quase 14 anos de vida Léo viveu, junto com meus pais, grandes aventuras.

Fico imaginando o tempo médio da vida de um cão, e do quanto um intervalo de tempo que dura praticamente uma década e meia em nossa história de vida implica em tantas transformações. Do tempo em que vi Leopoldo brincar ainda filhote no pátio da casa de minha irmã, até seu falecimento, velado morto dentro de uma caixa, na garagem da casa de meus pais, muitas coisas aconteceram em minha vida, culminando para eu me tornar o homem que sou hoje. Viajei e morei em lugares diferentes indo a outras regiões e países, conheci novas pessoas, estabeleci novos estudos, tive encontros e desilusões amorosas, fiz novos e valorosos amigos, passei por sérios problemas de saúde, recuperei-me, aprimorei minha formação acadêmica acumulando pós-graduações, escrevi artigos, dissertação, teses, publiquei um livro, vi pessoas queridas morrerem enquanto outras nasceram, assisti a três Copas do Mundo, envelheci, e finalmente encontrei o amor, casando-me e constituindo minha própria família. Durante todo este tempo estava lá o cãozinho Leopoldo, carregado pela coleira pela minha mãe, em seus passeios matinais com seu bichinho de estimação, deixando-o correr pelo condomínio onde morava, brincando com outros animais ou pessoas, importunando os vizinhos, urinando na calçada, em postes ou mesmo no pneu dos carros de outros moradores, mas mesmo assim conquistando toda uma vizinhança. O que pude perceber, pela pequena quantidade de pessoas que se aproximou dele e lhe rendeu uma última homenagem, em sua morte, como num pequeno velório, onde pessoas familiares iam e vinham para consolar minha inconsolável mãe.

Dizem que os bichos não tem alma. Ao menos é isso que aprendemos nos catequismos, nos estudos bíblicos ou nas escolas dominicais. Creio que isso seja apenas uma meia verdade. Acredito que o amor e todos os bons sentimentos que sentimos por esses animaizinhos é o que os torna genuinamente humanos e eternos, pois se a alma persiste quando o corpo se vai, é a alma do afeto e do amor que tivemos por nossos bichos de estimação que perdura, como lembrança de que ainda somos seres dotados de amor. Na Bíblia, em  Provérbios 12.10, lê -se: " O justo olha pela vida dos seus animais; porém as entranhas dos ímpios são crueis". Em Gênesis 8:16-17, quando Noé sai da arca, com todos os animais que ele havia protegido durante o dilúvio, Deus abençoa a espécie humana, assim como todos os animais, dizendo: " Sai da arca, tu, e juntamente contigo tua mulher, teus filhos e as mulheres de teus filhos.  Todos os animais que estão contigo, de toda a carne, tanto aves como gado e todo réptil que se arrasta sobre a terra, traze-os para fora contigo; para que se reproduzam abundantemente na terra, frutifiquem e se multipliquem sobre a terra."

Em 2011, Léo ainda aprontava no Natal daquele ano.
Não sei se um dia, em um outro plano espiritual,  voltarei a rever o caõzinho Léo, que tantas alegrias deu a minha família, especialmente a minha mãe. Somente sei que, assim como se diz na passagem bíblica em Mateus 25: 32-45, acredito que tudo o que fazemos aos nossos "pequeninos", sejam pessoas ou animaizinhos, alegra a Deus. Minha mãe assumiu a responsabilidade de cuidar de um cachorrinho que tinha ficado sem lar, quando sua primeira dona foi embora, e com isso não apenas teve que assumir várias obrigações de alimentação, moradia e cuidado de um animal, mas também pôde exercer o amor em sua plenitude para uma das criaturinhas de Deus que mais necessitava. Acho que é desta forma que admiro minha mãe, e a todos os donos de animais que não são apenas pets, simples mascotes ou brinquedos vivos que servem para nos alegrar, mas também são seres de um mundo criado por Deus que necessitam de nosso afeto e proteção. Em minha fé agradeço a Deus pelos anos em que pude presenciar o cãozinho Léo pulando, latindo e farejando na residência dos meus pais e nas viagens que fez conosco, assim como agradeço o aprendizado de amor que o tempo em que minha família esteve com ele proporcionou, dando-lhe muito carinho e acolhida no tempo em que ele necessitou. Será um Natal mais triste passar uma ceia em família sem os latidos ou resmungos de Leopoldo, mas também será um Natal feliz, por comemorar um tempo tão bonito em que pudemos constatar o quanto que "o melhor amigo do homem" foi, para nós, realmente um amigo. Adeus (ou até breve) Léo!!

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