Não um grupo de jovens nerds, e sim uma potente banda de rock. |
Caras como eu, que já passaram dos 40 anos, gostam de rock e ouviram um pouco de tudo da infância até a vida adulta, em ao menos quatro gerações, ficam meio ranzinzas ou rabugentos diante de novidades. Eu canso de escutar amigos da mesma idade, meio saudosistas, dizendo que nunca se fará música igual ou melhor a que foi feita nos anos oitenta ou noventa do século passado, ou que o rock'n roll já morreu; ao menos o rock brasileiro. Afinal, já faz quase 30 trinta anos do primeiro Rock in Rio, em que o Brasil revelou ao mundo bandas antológicas que fizeram a cena musical (e as FMs) do país inteiro anos antes, no final da ditadura, apresentando roqueiros que hoje já morreram ou encontram-se cinquentões, como Barão Vermelho, Legião Urbana, Ira, Plebe Rude, Capital Inicial e Paralamas do Sucesso. Com a chegada dos anos 2000, com a cantora Pitty, os moleques do Restart e bandas mais adolescentes e inexpressivas, como NX Zero e Fresno, além do fim da MTV Brasil no começo da segunda década desse século, parecia que nada de novo e realmente interessante parecia restar no front do rock nacional. Parecia, apenas parecia!
Confesso que eu havia me juntado há alguns anos ao coro dos descontentes dos jovens rockers e groupies das antigas, que agora viraram senhores ou senhoras pais ou mães de família, não muito atentos aos músicos mais jovens que despontavam no cenário musical nacional nos últimos dez anos. Porém, nunca é tarde para acreditar que enquanto há vida há esperança, e enquanto existir rock and roll haverá vida inteligente na terra. Das bandas estrangeiras, eu já tinha escutado excelentes grupos de artistas recentes da última era, com cantores e instrumentistas que ainda estão na faixa dos 20 ou 30 anos, como Interpol ou Muse. Porém, no Brasil, depois do manguebeat dos pernambucanos do Nação Zumbi na década de noventa, o rock setentista e meio Ramones dos gaúchos do Cachorro Grande, e a pegada meio rock, reggae e hip-hop dos cariocas do Rappa, tocados nos últimos anos, eu ainda não tinha visto uma banda de rock tão boa, quanto os potiguares do Far from Alaska, a grande sensação das bandas lançadas no último ano.
É certo que, para os que conhecem, o Rio Grande do Norte não é apenas a terra de belas paisagens paradisíacas de praias tropicais, dunas e Mata Atlântica, com imagens capturadas à exaustão em portfólios de agências de turismo ou novelas da Rede Globo, ou lugar onde se escuta somente forró, pagode ou grupos de axé-music, como os que lotam a cidade no mês de dezembro, por conta do Carnatal, uma das maiores micaretas (carnavais fora de época) do país. A terra do escritor Luís da Câmara Cascudo, do cantor brega Carlos Alexandre, da modelo internacional Fernanda Tavares e da atriz global Titina Medeiros, também é berço seminal de grandes bandas de rock, pop e blues que marcaram a cena cultural da cidade nos últimos trinta anos. Desde a época de bandas como Fluidos, Modus Vivendi e Canto Calismo, nos anos oitenta, até Alfândega, General Junkie, Flor Bela Espanca, Zaratustra, Cantus do Mangue, Deadly Fate, Jus Causae, Jane Fonda e tantos outros bons grupos na década seguinte, Natal viu bares, festivais e campus de universidades repletos de bandas novas, dos mais diferentes estilos, que já tocaram em rádios, apareceram em matérias de jornais, deram entrevistas em programas de televisão e até tiveram clipes reproduzidos pela MTV. É de Natal o Du Souto, uma das mais competentes e criativas bandas surgidas no Brasil na cena musical dos últimos anos, formada por músicos experientes como Paulo Souto e Gustavo Lamartine, egressos do antigo General Junkie, que já se apresentaram no programa do Jô Soares na Rede Globo e estão prestes a viajar em turnê internacional. Entretanto, pouca atenção eu dava para as novas bandas, de músicos com idade para serem meus filhos, até ter escutado o Far From Alaska.
O Far From Alaska em plena atividade. |
Formado por Emmily Barreto nos vocais, Chris Botarelli nos teclados, Edu Filgueira no baixo, Rafael Brasil na guitarra e Lauro Kirsch na bateria, o grupo formado em Natal/RN foi fundado em 2012, lançando um EP chamado Stereochrome, que já deu boa repercussão para quem o escutou. Eles foram vencedores no mesmo ano de um festival, que lhes garantiu participar nacionalmente do Planeta Terra, grande evento televisionado, com bandas nacionais e internacionais, patrocinado entre outros por grandes companhias de telefonia como a Claro e a Vivo, realizado em São Paulo, e que contou, entre outras, com atrações como a famosa banda britânica dos anos noventa, Garbage. Conhecendo no backstage a carismática e simpática vocalista do grupo, Shirley Manson, os músicos potiguares conquistaram uma influente garota propaganda, pois ao escutar o som da banda, Manson divulgou o Far From Alaska nas redes sociais, catapultando a garotada a um automático estrelato pela internet. Do esforço de seus integrantes, surgiu dois anos depois seu primeiro álbum, disponibilizado para venda no I-Tunes, e com uma excelente resenha crítica na conceituada revista de música, Rolling Stone. Na Copa do Mundo deste ano, realizada no Brasil, e durante os jogos que ocorreram em Natal, os músicos também foram convidados para tocar na Fan Fest, e deram seu recado como uma das mais promissoras novas bandas a surgir no horizonte do rock brasileiro nos últimos anos.
Shirley Manson: a musa do Garbage gostou do som da banda natalense. |
É dum reducionismo extremo definir a banda de Natal como indie, apesar de ser esse o epíteto usado em muitos meios de comunicação para definir a sonoridade do grupo. No wikipédia é possível ver que o grupo é definido como uma banda meio stoner, meio hard rock. Eu diria que, antes de tudo, o Far from Alaska é uma excelente banda de rock, com todos os componentes que caracterizam o gênero. Está lá os vocais femininos bem definidos de Barreto, que às vezes faz recordar uma Joan Jett de um Runaways revivido, assim como as guitarras a la Black Sabbath de Rafael Brasil, a cozinha operada pela bateria competente de Kirch e o baixo encorpado e bem marcado de Filgueira. Valendo-se do uso de sintetizadores operados por Chris Botarelli, o grupo consegue fazer um som original, valendo-se de suas raízes rockeiras, mantendo uma alternância entre músicas ligeiras e outras mais viajantes, que combinam referências que vão do progressivo até o pós-punk. Optando por compor e cantar todas as suas músicas em inglês, o Far from Alaska não fez mais do que adotar a posição globalizada de fazer rock'n roll no idioma universal da terra de Shakespeare, que legou a humanidade outras feras da arte, como os Beatles, os Stones, The Who e Led Zeppellin, para ficar só por aí entre os clássicos do gênero.
Lançado em julho de 2014, Modehuman é o primeiro álbum oficial da banda natalense, combinando faixas já tocadas em Stereochrome com novas aquisições. Escutar esses garotos é uma experiência saborosa de ouvir, como se ainda fosse novidade, um bom e velho disco de rock. Impossível não balançar a cabeça ao som de Greyhound, um dos singles do disco, aliando a potência vocal de Miss Barreto com o peso dos instrumentos de seus companheiros de banda, que faria um vovô Tonny Iommi sorrir de gratidão, ouvindo o som de sua cadeira. Outra canção superlegal é Dino Vs Dino, uma divertida mistura de blues rasgado com hard rock, lembrando um pouco Queens of Stone Age, ótima para se tocar ao vivo. Só falta o Dave Grohl do Foo Fighters aparecer para dar uma canja com a molecada! Mama segue a mesma pegada (o que talvez faça com que alguns críticos definam a banda como stoner). Agora talvez uma das grandes (e arriscadas) experiências estéticas do grupo seja a canção-título de seu primeiro EP, Monochrome, um verdadeiro hino psicodélico, com direito a vários efeitos durante uma viagem sonora que ultrapassa os sete minutos de canção, combinando em seu som a singeleza de grupos mais antigos como Yes, ao peso de nomes fortes do heavy metal recente, como Mastodon. Óbvio que, comercialmente falando, para se aventurar numa proposta de, já no primeiro disco, fazer uma música com mais de quatro minutos, os músicos tiveram que ter colhões (e saias) para isso. O que demonstra que, apesar de pouca idade, os jovens componentes do Far From Alaska revelaram ter sido bem produzidos, e confiaram na aposta de fazer um som que é, ao mesmo tempo, simples e adoravelmente complexo.
Aguardo ansiosamente os próximos capítulos da saga dos músicos natalenses do Far From Alaska. Creio que eles tem tudo para brilhar em outras paragens, valendo-se do inglês bem cantado que utilizam e da universalidade da linguagem do rock. Se, há mais de vinte anos antes, os mineiros do Sepultura conseguiram fazer quase o impossível, brilhando internacionalmente como banda de heavy metal, a ponto de ficarem situados no panteão das históricas bandas do gênero, na mesma posição de bandas como o Iron Maiden e Metallica, por que não investir no Far From Alaska como uma das futuras grandes bandas do novo milênio? Ora, para mim eles já conseguiram surpreender o Brasil, saindo da pitoresca Natal para ou ouvidos de gente como o pessoal do Garbage. Para conquistar o mundo agora, basta só mais um pouquinho de sorte e umas gotas de ambição, pois talento, eles já tem de sobra. Boa sorte, garotos!!