quarta-feira, 6 de agosto de 2014

RELIGIÃO E POLÍTICA: Os evangélicos e Israel (ou COMO A TRAGÉDIA PALESTINA SERVIU PARA DIVIDIR POLITICAMENTE ESQUERDA E DIREITA NO BRASIL)

A tragédia do povo palestino na Faixa de Gaza, refém da força bruta do Estado de Israel, infelizmente, não é novidade. Ao menos de cinco em cinco anos ou até menos vemos na TV a dura realidade do povo palestino, principalmente de suas crianças, dizimadas pela força militar israelense, a pretexto de combater militantes muçulmanos extremistas, que querem a todo custo a destruição de Israel.

Dessa vez, o pretexto do governo do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, para invadir Gaza e dar um verdadeiro banho de sangue na região, foi o de combater os terroristas palestinos do Hamas, responsáveis pela morte de três adolescentes israelenses, sequestrados, assassinados e enterrados no deserto, após terem saído de uma aula de ensino religioso durante a noite. O crime em si foi bárbaro e brutal, mas a reação desproporcional de Israel encheu os olhos de quem viu incessantes bombardeios de mísseis oriundos de Israel, que destruíram bairros inteiros, hospitais, escolas, deixando um rastro de terror que pode ser visto à exaustão no Youtube, para quem tem estômago suficiente para ver isso. São corpos carbonizados, enterrados ou mutilados de crianças, velhos, mulheres, enfermos, numa contabilidade macabra da morte de mais de mil pessoas da população civil de Gaza, a pretexto de vingar a morte de três adolescentes. Será que matar mais de mil palestinos justifica a morte de três israelenses?

É claro que quem lê este blog e tem um posicionamento mais favorável a Israel vai achar que eu estou sendo parcial demais, e injusto em demasia com os israelenses, vendo apenas um lado da moeda. Soldados israelenses também foram mortos (muitos deles alvo de "fogo amigo", atingidos por balas ou morteiros do próprio exército israelense), e o Hamas também tem seu grau de responsabilidade nas mortes, pois, segundo o governo de Israel, a segurança e a vida de milhares de cidadãos israelenses encontra-se comprometida pelas bombas e mísseis lançados pelo grupo islâmico, através de esconderijos subterrâneos. Israel alega que está em guerra, e na guerra o objetivo é derrotar, aniquilando o inimigo. O problema é que desde a Convenção de Genebra, após a II Guerra Mundial, convencionou-se entre os povos que os ataques a população civil, além de intoleráveis, são verdadeiros crimes, cabendo a responsabilização dos governantes por crimes de guerra. Quem vai responsabilizar Netanyahou por esse massacre? Israel alega que o Hamas utiliza pessoas inocentes como escudos humanos, manipulando suas mentes a ponto de fazer com que elas sejam atingidas de propósito pelas armas de Israel, sob a alegação de que morrerão como mártires. De um lado e de outro judeus e muçulmanos procuram explicar o massacre, enquanto que na comunidade cristã também é possível ver quem adota uma posição mais favorável e outra mais contrária a Israel. Até que ponto pessoas com alguma fé religiosa ou posicionamento político irão compreender uma realidade tão caótica?

No Brasil, depois que começou a ação militar israelense e cenas horríveis de crianças mortas ou mutiladas apareceram na internet, as redes sociais, além dos meios de comunicação tradicionais como televisão, jornais e revistas mostraram o holocausto palestino, e a reprovação da comunidade internacional, inclusive dos Estados Unidos, aliado há décadas do governo de Israel. Entretanto, tanto no jornalismo da Nova Direita brasileira, bem como em segmentos religiosos conservadores, muitos identificados com o pentecostalismo, há uma defesa às vezes velada e muitas vezes aberta de Israel e seu povo. O debate, em pleno ano eleitoral, acabou dividindo esses segmentos num eleitorado de um lado mais à esquerda e governista (por conta da candidatura à reeleição da presidente Dilma Roussef, do Partido dos Trabalhadores), e do outro lado um eleitorado de oposição mais vinculado às teses da direita (o neoliberalismo e o neoconservadorismo que estampa o candidato do PSDB, Aécio Neves, ou entre os candidatos nanicos, como o pastor Everaldo, do Partido Social Cristão: o mesmo do polêmico deputado evangélico Marco Feliciano). Crentes da Assembleia de Deus, bem como representantes da Igreja Universal, do bispo Edir Macedo, também fazem uma defesa entusiasmada de Israel, condenando não apenas as ações do Hamas, mas também toda a crítica midiática que é feita ao governo israelense, por conta da ação atroz do exército israelense. Por que essa diferença política e religiosa?

O pentecostalismo, e, principalmente, o neopentecostalismo no Brasil, tem adotado uma posição teológica cada vez mais judaicizante, e a construção recente do Templo de Salomão, em São Paulo, pela Igreja Universal, e o novo visual adotado nas liturgias do culto e na aparência de seu principal líder, Edir Macedo, tem revelado que, por serem mais simpáticos ao Antigo Testamento do que outras denominações religiosas, os evangélicos pentecostais tem sido, naturalmente, mais favoráveis a Israel. O Antigo Testamento, seguido pelos judeus na forma da Torá, seu livro sagrado, ou Pentateuco, prega uma linha de conduta pessoal e coletiva mais moralmente conservadora e extremamente legalista. Como adeptos dessa religiosidade cristã tendem a ser mais fundamentalistas, os textos do Antigo Testamento que se referem a comportamento e costumes tendem a ser interpretados e cumpridos literalmente, ensejando em termos políticos um discurso mais ortodoxo e mais fechado às inovações progressistas pregadas pela esquerda, como, por exemplo, a legalização do aborto ou do casamento de pessoas do mesmo sexto, até a descriminalização do uso de determinadas substâncias, como a maconha. Além disso, diferentemente dos esquerdistas presentes no governo Dilma ou incrustados em legendas menores como o PSOL, muitos dos eleitores evangélicos pentecostais defendem um Estado mínimo, com severas críticas ao modelo econômico adotado pelo governo do PT, exigindo uma alternância de poder. Isso, somado à manifestação do governo brasileiro, que por meio de sua diplomacia, rechaçou a conduta do governo de Israel, não registrando em nenhuma vírgula as ações do Hamas, acabou por gerar a antipatia israelense, cujo porta-voz chegou a se reportar ao Brasil como um "anão diplomático".

Para o eleitorado evangélico e conservador que adota as teses da direita brasileira, como são avessos ao governo Dilma, é natural que endossem o entendimento de Israel, também estabelecendo críticas ao governo petista, bem como endossando todo o apoio a seu povo e as ações militares praticadas pelo governo israelense. Afinal, trata-se de proteger o povo escolhido por Deus, segundo a leitura do Antigo Testamento, e, afinal de contas, Jesus Cristo não tinha nascido judeu? Por essas e outras entende-se como muitos cristãos evangélicos avessos ao governo do PT defendem entusiasmadamente Israel, seu modelo de governo e seu modelo econômico neoliberal, enquanto os militantes das organizações de esquerda e o governo de Dilma repudiam a todo custo as ações de Israel. Como diria o finado pensador italiano, Norberto Bobbio, o horizonte da esquerda e da direita voltam a ser redefinidos em cada ciclo da histórica política dos povos.

Como democrata, respeito o posicionamento pró-Israel de boa parte da comunidade dos evangélicos, especialmente dos pentecostais que demonstram sua simpatia para com o povo judeu. Por outro lado, em nome da racionalidade e defendendo o fim da
barbárie, entendo também que tanto a extrema-direita israelense, encastelada no gabinete do primeiro-ministro Netanyahou, como os sanguinários e fanáticos militantes extremistas do Hamas devem ser severamente criticados e combatidos. A Autoridade Nacional Palestina, representada por seu chefe político, Mahomoud Abbas, bem como milhões de judeus e muçulmanos de bom senso de todo o planeta, são contrários à ação genocida do exército israelense na Faixa de Gaza, e pedem paz urgentemente, a fim de que mais crianças e inocentes não sejam mortos de maneira totalmente desnecessária. Creio que os cidadãos cristãos brasileiros devem voltar um pouco seus olhos para o Novo Testamento, onde Cristo prega o perdão, o amor ao próximo e a tolerância, e não o contrário, no que uma visão deturpada e fundamentalista do Velho Testamento possa levar a pensar diferente. Os palestinos que estão na Faixa de Gaza não são os cananeus que os israelitas, liderados por Josué dizimaram, na passagem bíblica que narra a Batalha de Jericó, e que é usada como referência pelos judeus fundamentalistas e pela extrema-direita israelense para justificar as atrocidades do exército de Israel, na chacina de mulheres e crianças palestinas. Se Deus tinha ordenado que seu povo destruísse os inimigos de Israel no Antigo Testamento, por que não agora também aqueles que querem atacar o Estado judaico não possam ser destruídos? É, definitivamente, uma forma muito tenebrosa de pensamento.

Todo o fundamentalismo religioso e radicalismo político é anticristão. Cuidado ao defender um governo que gosta de lançar bombas contra crianças, meus amigos pentecostais!!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Coloque aqui seu comentário:

Gates e Jobs

Gates e Jobs
Os dois top guns da informática num papo para o cafézinho

GAZA

GAZA
Até quando teremos que ver isso?