quarta-feira, 26 de novembro de 2014

CINEMA: INTERESTELAR é a homenagem da Christopher Nolan a 2001

Quando foi lançado, em abril de 1968, o filme 2001-Uma Odisseia no Espaço, o mundo vivia a corrida espacial entre os Estados Unidos da América e a antiga União Soviética. Os soviéticos tinham obtido êxito primeiro, lançando ao espaço o cosmonauta russo Iuri Gagarin, o primeiro homem a viajar pelo espaço há exatos oito anos antes, em abril de 1961. Mas, com o filme dirigido pelo cineasta norte-americano Stanley Kubrick, baseado na obra do escritor e cientista Arthur Clarke, estava lançado o presságio de que os yankees iriam mais longe, levando uma missão espacial à lua, no ano seguinte. 2001 marcou gerações não apenas pela atualidade do tema (as viagens espaciais), e nem só pela beleza de sua fotografia e trilha sonora movida a música tema de Wagner, com sua bela Assim Falava Zaratrusta, mas também pelo seu quê de filosófico, tratando da evolução da humanidade (a cena inicial do homem das cavernas que arremessa um osso para cima, e ao cair o objeto se transforma numa nave especial é inesquecível), e do questionamento acerca do poder da tecnologia criada pelo homem, e até que ponto essa tecnologia poderia se virar contra ele e destruí-lo. Além do mais,  o filme de Kubrick explorava temas até hoje irresistíveis para os amantes de astronomia, como a possibilidade de vida em outros planetas, a capacidade humana de explorar o desconhecido, a descoberta de galáxias e outros sistemas solares etc. O filme foi o precursor de muitos que exploraram as viagens espaciais, elevando o gênero cinematográfico da ficção científica ao status de arte.

Eis que, em 2014, após a geração de Star Wars no cinema e dos fãs de Star Trek na televisão, o aclamado diretor de Amnésia, A Origem e Batman-O Cavaleiro das Trevas, Christopher Nolan, lançou nos cinemas do mundo há poucas semanas o belo Interestelar, tendo como protagonistas astros, como o galã e ganhador do Oscar, Mathew McConaughey e a também oscarizável Anne Hathaway. A proposta do filme é transitar entre a obra de arte e o puro entretenimento, às vezes com maior ou menos chance de êxito; mas o mais importante que Nolan faz é prestar um verdadeiro tributo a 2001, em sua obra mais ambiciosa.

O roteiro do filme é simples: num futuro não muito distante as viagens espaciais não são mais um luxo que o contribuinte queira pagar e a espécie humana fica mais voltada para seus próprios interesses terrenos, virando as costas para o espaço, para tratar de questões como solucionar a fome diante do problema da superpopulação. Nesse sentido, a figura do protagonista, Cooper (interpretado por McConaughey) é um ex-piloto de espaçonaves e engenheiro espacial que agora vive seus dias, de forma um tanto quanto entediada, em uma fazenda, acompanhado do casal de filhos e do sogro idoso, após a morte da esposa. Sua rotina  de cuidar de uma plantação de milho e  viver do passado é interrompida quando ele percebe que, por conta do aquecimento global exacerbado, com aumento da temperatura e sucessivos incêndios florestais, a vida no planeta Terra está ameaçada. Ele então conhece um grupo clandestino de ex-operadores da Nasa, liderados pelo Professor Brand (interpretado pelo ator inglês Michael Caine, em outra parceria de filmes com o diretor  Nolan), e que conta com Amelia, pesquisadora e filha de Brand (o personagem de Anne Hathaway). Não demora para que Cooper se junte ao grupo, convencido da necessidade de que somente através de uma nova e longínqua viagem espacial, uma equipe de astronautas será capaz de salvar a humanidade, encontrando outro planeta habitável que possa ser colonizado pelos humanos. 

A partir daí, o filme desdobra-se nos seus aspectos iniciais entre o drama e o filme épico de aventura. Talvez Nolan erre a mão ao tentar comover demais o público, dando uma de Spielberg ao conferir traços de dramalhão à relação apegada, mas conturbada entre Cooper e sua filha mais nova Murphy (interpretada na idade adulta pela atriz Jessica Chastain), uma vez que ao partir da Terra, Cooper não pode dar garantia a filha que vai voltar, uma vez que se trata de uma viagem, probabilisticamente falando, somente de ida. O objetivo da missão é encontrar uma dobra espacial no espaço, detectada pelos cientistas da Nasa nas proximidades de Marte, onde se encontra um fenômeno conhecido como "Buraco de Minhoca", uma alteração de espaço-tempo explicada pelas leis da Física, onde nossos heróis poderão atravessar, viajando mais rápido  e encontrando ao final o planeta desejado, onde uma missão anterior já chegou e não retornou.

Seguem-se alguns conceitos da ciência e clichês cinematográficos que dão ao filme um ar de realidade ou mentira, como em toda obra de ficção científica. É interessante ver como algumas teorias científicas são testadas (e, em alguns casos, cientificamente já demonstradas), quando os astronautas experimentam a passagem mais lenta do tempo em um planeta cuja gravidade é muito superior a da Terra, e que as horas equivalem em nosso calendário há anos. O envelhecimento dos personagens que permanecem na Terra quando crianças em relação aos astronautas, que os encontrarão em vídeo tempos depois mais velhos do eles próprios, é um dos traços inconfundíveis da teoria da relatividade, já explorada na ciência por Isaac Newton e Albert Einstein. A cena de um planeta todo ocupado por oceanos, onde a força da gravidade faz com que as gigantescas ondas sejam tão lentas que parecem imóveis montanhas, já vale o ingresso de quem gosta de ver imagens espetaculares. Detalhe para o destino final da equipe de astronautas que é de salvar a Terra após mergulharem em um Buraco Negro. Inverossímil, mas no cinema, toda licença poética é permitida em prol da emoção.

Interestelar, obviamente, não chega aos pés de 2001 enquanto obra cinematográfica, mas vale enquanto homenagem a este último e tem uma inegável qualidade superior a muitos filmes do gênero, produzidos nos últimos anos, vendidos como blockbuster (é só lembrar do sofrível Armageddon, dirigido por Michael Bay). Entre filmão pipoca e filme que faz pensar, a película de Nolan fica no meio termo, mas cumpre seu papel de passar a mensagem de que o espaço infinito, para quem ama observar as estrelas, ainda é um fascinante cenário a se explorar.

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

POLÍTICA: Fátima Bezerra-A candidata que derrotou uma oligarquia!!

Imagine um candidato oriundo de um grupo político familiar que já governou sua região, a partir de seu patriarca, desde a década de 1960. Pense que na coligação que tenta elegê-lo existem 17 partidos, unindo, inclusive, o grupo político rival que disputa com ele o comando de um estado da federação há anos e é uma das maiores lideranças nacionais da oposição. Ainda mais do que isso, imagine que esse candidato é simplesmente Presidente da Câmara dos Deputados, e, por tabela, Presidente do Congresso Nacional; ou seja, o terceiro na linha de poder que governa na ausência da Presidente e do Vice-Presidente da República.

Henrique Alves não conseguiu se eleger.
Esse candidato era Henrique Eduardo Alves, do PMDB, que há dois meses atrás era praticamente imbatível na disputa pelo governo do estado do Rio Grande do Norte. Deputado federal há 44 anos, e atual Presidente da Câmara dos Deputados, Henrique, de 67 anos,é filho de Aluízio Alves, o grande chefe político potiguar dos anos sessenta que já foi governador do estado e ministro da República, no governo de José Sarney. Ele também é primo de Garibaldi Alves Filho, senador licenciado do PMDB e atual Ministro da Previdência do governo da presidente reeleita, Dilma Roussef, do Partido dos Trabalhadores-PT, e maior liderança política da região, assim como é primo do atual prefeito da capital do RN, Natal, Carlos Eduardo Alves. A família é dona da Inter TV e da Rede Cabugi de Comunicação, um complexo que envolve rádios, televisão e o jornal local, a Tribuna do Norte, encarregado, entre outras, de reproduzir o sinal da TV Globo, o maior canal aberto de televisão da América Latina e um dos maiores do mundo em espectadores. Afinal, o que iria dar de errado para um candidato desses perder a eleição?

FÁTIMA BEZERRA:liderança política incontestável.
Eis que como um David, lutando contra um Golias, o candidato do PSD (Partido Social Democrático), o ex-deputado estadual e atual vice-governador do estado, Robinson Faria, ganhou a eleição, conquistando voto a voto o eleitorado potiguar, saindo de 10% das pesquisas de intenção de voto no começo do ano a uma acachapante vitória contra Henrique de 54%  a 45% no segundo turno da eleição para o governo do estado. Mas quem estaria por detrás de uma vitória tão retumbante e assombrosa?? Seu nome: a senadora eleita Fátima Bezerra, do Partido dos Trabalhadores.

Lembro-me de Fátima há exatos vinte e quatro anos atrás, quando eu, então estudante iniciante de Direito e militante do movimento estudantil, no início dos anos noventa, frequentava uma banquinha chamada no dialeto nativo de "cigarreira", transformada em bar, num lugar que vivia ocupado por funcionários públicos de origem proletária, que residiam no mesmo conjunto residencial onde eu morava. Fernando Collor tinha poucos meses de seu malfadado mandato presidencial e Lula e seu PT ainda eram uma mera (mas crescente) sombra da oposição no cenário político nacional. Recordo de Fátima ainda professora da rede pública, licenciada por que acabara de assumir a presidência do poderoso e combativo SINTE (Sindicato dos Trabalhadores em Educação), buscando seus amigos do sindicato dos professores em um buggy de praia nos finais de semana, quando por vezes o pessoal se reunia por ali para tomar cerveja, escutar MPB no som do carro de alguém ou no próprio bar, através de um pequeno aparelho de som trazido por Dona Célia, a proprietária, ou por  Cristiano e Fabiano, os simpáticos filhos da dona do lugar. Naquele época, eu era apenas um garoto universitário disputando o Centro Acadêmico, neófito nos mares revoltos da política esquerdista. Eu apenas escutava os diálogos daqueles jovens professores sindicalizados, que falavam entre outras coisas de greves, mobilizações, combate ao governo, e luta pelo fim das oligarquias que dominavam o Estado. Recordo que se falava também das disputas internas, e da necessária união das diversas facções de esquerda que dominavam o PT e se digladiavam entre si pelo controle da legenda, ou brigavam com outros partidos chamados de "pelegos", como o PC do B, que por sua vez vivia às turras com os chamados "radicais" militantes petistas (na época chamados jocosamente de "xiitas"). Felizmente, se antes diziam os antagonistas desses partidos que a esquerda só se unia na cadeia, hoje, pode-se dizer que a esquerda se une em torno de ministérios ou secretariados.

Eis que, após vinte e poucos anos muita coisa evoluiu, e Fátima, assim como seu partido, apresentaram uma ascensão fulminante na política local e nacional. Em 1994, Fátima conseguiu se eleger para o seu primeiro mandato de deputada estadual, após uma união inédita da categoria de professores numa disputa eleitoral. Depois, em 1996, veio o desafio de concorrer à Prefeitura de Natal contra Wilma de Faria, a ex-prefeita e ex-oligarca, que após romper um casamento com o ex-governador e ex-senador, Lavosier Maia (primo de José Agripino, atual líder nacional do DEM), rompeu também politicamente com o grupo de seu ex-marido, concorrendo com a neófita deputada do PT e ex-sindicalista. Por uma diferença de menos 2% dos votos, numa eleição acirrada que fez história, Wilma venceu e Fátima não conseguiu se eleger prefeita da cidade. Iniciou-se uma trajetória política coroada de êxitos nas disputas ao Legislativo, e também de derrotas, seja nas reeleições vitoriosas de Fátima para a Assembleia Legislativa e Câmara Federal, sendo a deputada federal eleita mais votada da história do Rio Grande do Norte, em 2002; seja na derrota seguinte para Micarla de Sousa, em mais uma tentativa de se eleger prefeita da capital potiguar. 

Fátima derrotou nas urnas a ex-governadora Wilma.
Neste ano, Fátima Bezerra concorreu ao Senado desafiando um Golias, representado pela candidatura ao governo de Henrique Alves, acompanhado de uma Wilma de Faria repaginada, após dois mandatos consecutivos como prefeita e depois governadora do estado, na qualidade de atual vice-prefeita de Natal, mostrando-se uma forte  adversária de Fátima no Senado. Enfrentando um páreo duro, onde as pesquisas de intenção de voto davam vantagem inicial para a dupla Henrique e Wilma, Fátima não apenas superou as expectativas obtendo uma vitória consagradora sobre Wilma de Faria com mais de 170 mil votos de vantagem e mais de 54% dos votos válidos, como também foi a responsável direta, junto com Fernando Mineiro, deputado  estadual reeleito de seu partido, pela eleição de Robinson no segundo turno, assumindo sua coordenação de campanha. Com a dupla vitória da coligação PSD, PT, PC do B, conquistando, respectivamente, o governo, o senado e a vice-governadoria, Fátima Bezerra tornou-se, juntamente com Garibaldi Filho, a maior liderança política do Rio Grande do Norte, ofuscando o derrotado senador José Agripino, de um Democratas que viu minguar sua bancada na Câmara e no Senado e viu o governo de sua partidária, Rosalba Ciarlini, naufragar no RN como um dos governos estaduais mais mal avaliados do país.

Na Câmara Federal Fátima destacou-se num mandato atuante.
O que pode ser atribuído ao êxito de Fátima e seus correligionários foi um trabalho de base desenvolvido cedo, antes do pleito eleitoral, com uma forte disciplina partidária e senso de planejamento e que envolveu diálogo e acenos de recursos com prefeitos e representantes de governos locais no interior do Estado, que contaram com a alocação de verbas do governo federal, comandado pelo partido da senadora eleita, principalmente na área de educação. Como deputada federal, Fátima viabilizou a instalação de nove Institutos Federais de Educação no Rio Grande do Norte, e investiu numa política de valorização do magistério que lhe garantiu a Presidência da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. Além disso, Fátima e Robinson tiveram significativa votação em Mossoró, segundo maior colégio eleitoral do estado, outrora reduto da atual governadora, Rosalba, mas cuja Prefeitura foi conquistada por um partidário de Robinson Faria, após a cassação judicial do mandato da prefeita eleita, Cláudia Regina, do mesmo DEM de Agripino e Ciarlini. 

A senadora e o governador eleitos:nova fase na política do RN.
Fátima e Robinson também se beneficiaram, este ano, de um forte sentimento anti-oligárquico, no momento em que, nos redutos  tradicionais dos grupos políticos coronelistas integrados à coligação de Henrique, quase nenhum dos prefeitos ou parlamentares vinculados à coligação do PMDB e DEM conseguiu a vitória de seu candidato ao governo em seus currais eleitorais. Pela primeira vez a população de uma determinada região dizia "não" aos seus caciques locais. A federalização da política realizada pelo PT nos dois mandatos do presidente Lula e no atual de Dilma contribuíram para desmantelar as redes de assistencialismo local bancadas pelos prefeitos, que agora se rendiam à candidata do partido que tinha trazido o bolsa família para os municípios potiguares. O apoio do governo federal e o compromisso direto de Lula, que apareceu pessoalmente na propaganda eleitoral, pedindo votos para seus candidatos no RN, contribuiu para soterrar de vez os planos da coligação adversária.

A partir de agora, muito trabalho no Senado!
Fátima tem agora oito anos de mandato no Senado federal para reforçar a liderança conquistada e consolidada nos últimos vinte anos. Ela deixou de ser apenas uma parlamentar local para se tornar uma das referências nacionais do Partido dos Trabalhadores, sigla tão abalada por escândalos políticos recentes, como o julgamento do Mensalão no Supremo Tribunal Federal e as denúncias de desvio de dinheiro na Petrobrás, no ruidoso caso agora chamado de "Petrolão". Na renovação que necessita o partido, Fátima é um dos nomes que pode reerguer a credibilidade partidária. Para alguém que buscava os colegas de sindicato num buggy, e discutia a próxima greve entre um gole e outro de cerveja num boteco de condomínio, aquela professora chegou longe, muito longe.

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