Quando foi lançado, em abril de 1968, o filme 2001-Uma Odisseia no Espaço, o mundo vivia a corrida espacial entre os Estados Unidos da América e a antiga União Soviética. Os soviéticos tinham obtido êxito primeiro, lançando ao espaço o cosmonauta russo Iuri Gagarin, o primeiro homem a viajar pelo espaço há exatos oito anos antes, em abril de 1961. Mas, com o filme dirigido pelo cineasta norte-americano Stanley Kubrick, baseado na obra do escritor e cientista Arthur Clarke, estava lançado o presságio de que os yankees iriam mais longe, levando uma missão espacial à lua, no ano seguinte. 2001 marcou gerações não apenas pela atualidade do tema (as viagens espaciais), e nem só pela beleza de sua fotografia e trilha sonora movida a música tema de Wagner, com sua bela Assim Falava Zaratrusta, mas também pelo seu quê de filosófico, tratando da evolução da humanidade (a cena inicial do homem das cavernas que arremessa um osso para cima, e ao cair o objeto se transforma numa nave especial é inesquecível), e do questionamento acerca do poder da tecnologia criada pelo homem, e até que ponto essa tecnologia poderia se virar contra ele e destruí-lo. Além do mais, o filme de Kubrick explorava temas até hoje irresistíveis para os amantes de astronomia, como a possibilidade de vida em outros planetas, a capacidade humana de explorar o desconhecido, a descoberta de galáxias e outros sistemas solares etc. O filme foi o precursor de muitos que exploraram as viagens espaciais, elevando o gênero cinematográfico da ficção científica ao status de arte.
Eis que, em 2014, após a geração de Star Wars no cinema e dos fãs de Star Trek na televisão, o aclamado diretor de Amnésia, A Origem e Batman-O Cavaleiro das Trevas, Christopher Nolan, lançou nos cinemas do mundo há poucas semanas o belo Interestelar, tendo como protagonistas astros, como o galã e ganhador do Oscar, Mathew McConaughey e a também oscarizável Anne Hathaway. A proposta do filme é transitar entre a obra de arte e o puro entretenimento, às vezes com maior ou menos chance de êxito; mas o mais importante que Nolan faz é prestar um verdadeiro tributo a 2001, em sua obra mais ambiciosa.
O roteiro do filme é simples: num futuro não muito distante as viagens espaciais não são mais um luxo que o contribuinte queira pagar e a espécie humana fica mais voltada para seus próprios interesses terrenos, virando as costas para o espaço, para tratar de questões como solucionar a fome diante do problema da superpopulação. Nesse sentido, a figura do protagonista, Cooper (interpretado por McConaughey) é um ex-piloto de espaçonaves e engenheiro espacial que agora vive seus dias, de forma um tanto quanto entediada, em uma fazenda, acompanhado do casal de filhos e do sogro idoso, após a morte da esposa. Sua rotina de cuidar de uma plantação de milho e viver do passado é interrompida quando ele percebe que, por conta do aquecimento global exacerbado, com aumento da temperatura e sucessivos incêndios florestais, a vida no planeta Terra está ameaçada. Ele então conhece um grupo clandestino de ex-operadores da Nasa, liderados pelo Professor Brand (interpretado pelo ator inglês Michael Caine, em outra parceria de filmes com o diretor Nolan), e que conta com Amelia, pesquisadora e filha de Brand (o personagem de Anne Hathaway). Não demora para que Cooper se junte ao grupo, convencido da necessidade de que somente através de uma nova e longínqua viagem espacial, uma equipe de astronautas será capaz de salvar a humanidade, encontrando outro planeta habitável que possa ser colonizado pelos humanos.
A partir daí, o filme desdobra-se nos seus aspectos iniciais entre o drama e o filme épico de aventura. Talvez Nolan erre a mão ao tentar comover demais o público, dando uma de Spielberg ao conferir traços de dramalhão à relação apegada, mas conturbada entre Cooper e sua filha mais nova Murphy (interpretada na idade adulta pela atriz Jessica Chastain), uma vez que ao partir da Terra, Cooper não pode dar garantia a filha que vai voltar, uma vez que se trata de uma viagem, probabilisticamente falando, somente de ida. O objetivo da missão é encontrar uma dobra espacial no espaço, detectada pelos cientistas da Nasa nas proximidades de Marte, onde se encontra um fenômeno conhecido como "Buraco de Minhoca", uma alteração de espaço-tempo explicada pelas leis da Física, onde nossos heróis poderão atravessar, viajando mais rápido e encontrando ao final o planeta desejado, onde uma missão anterior já chegou e não retornou.
Seguem-se alguns conceitos da ciência e clichês cinematográficos que dão ao filme um ar de realidade ou mentira, como em toda obra de ficção científica. É interessante ver como algumas teorias científicas são testadas (e, em alguns casos, cientificamente já demonstradas), quando os astronautas experimentam a passagem mais lenta do tempo em um planeta cuja gravidade é muito superior a da Terra, e que as horas equivalem em nosso calendário há anos. O envelhecimento dos personagens que permanecem na Terra quando crianças em relação aos astronautas, que os encontrarão em vídeo tempos depois mais velhos do eles próprios, é um dos traços inconfundíveis da teoria da relatividade, já explorada na ciência por Isaac Newton e Albert Einstein. A cena de um planeta todo ocupado por oceanos, onde a força da gravidade faz com que as gigantescas ondas sejam tão lentas que parecem imóveis montanhas, já vale o ingresso de quem gosta de ver imagens espetaculares. Detalhe para o destino final da equipe de astronautas que é de salvar a Terra após mergulharem em um Buraco Negro. Inverossímil, mas no cinema, toda licença poética é permitida em prol da emoção.
Interestelar, obviamente, não chega aos pés de 2001 enquanto obra cinematográfica, mas vale enquanto homenagem a este último e tem uma inegável qualidade superior a muitos filmes do gênero, produzidos nos últimos anos, vendidos como blockbuster (é só lembrar do sofrível Armageddon, dirigido por Michael Bay). Entre filmão pipoca e filme que faz pensar, a película de Nolan fica no meio termo, mas cumpre seu papel de passar a mensagem de que o espaço infinito, para quem ama observar as estrelas, ainda é um fascinante cenário a se explorar.
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