Mal estava eu lamentando na semana anterior o falecimento de Lemmy Kilmister, da cultuada banda Motorhead, eis que mais um personagem símbolo do rock do século XX bateu as botas!! Morreu David Bowie. Reservado em sua vida pessoal e distante (como se fosse possível) dos holofotes durante um bom período (ele passou quase dez anos sem gravar um disco, até o lançamento de Next Day, em 2013), Bowie morreu domingo (dia 10 de janeiro), após ter completado recentemente 69 anos, no dia em que meu filho fez exatamente nove meses de idade. Segundo o que foi divulgado oficialmente, ele lutava contra um câncer há pelo menos 18 meses, e acompanhado de seus entes queridos, faleceu em casa, contando apenas com a presença de seus familiares. Ainda luto para acreditar, apesar de saber o quão mortais são as pessoas, mesmo que sejam seus ídolos musicais da juventude.
Alguns ignorantes não sabem da força de um ídolo. Não se trata de se emocionar por alguém que sequer você conheceu pessoalmente, ou de se valer de idolatria. Nada disso!! Quando chorei a morte de outros grandes artistas, como Freddie Mercury, Renato Russo, Cássia Eller e George Harrison, chorei não por ser parente ou amigo pessoal, mas sim pelo triste fato de saber que pessoas tão talentosas não estarão mais vivas para cantar e tocar as canções tão bonitas que fizeram minha geração. David Bowie, assim como outros grandes artistas que ainda estão aqui ou que já partiram, representam uma juventude que não retorna mais, de um tempo que não volta mais, e que ficará para os mais jovens datado apenas nos livros de história.
Recordo da primeira vez que vi David Bowie, nos anos oitenta, na minha adolescência em Brasília, quando Let's Dance explodiu nas paradas de sucesso, com música tocada em exaustão nas rádios e clipe divulgado na TV. Na época não havia internet e nem celular, e a divulgação dos artistas de fora era feita toda pela mídia descrita acima. Além das descobertas que fiz, perambulando entre prateleiras de discos de vinil, nas lojas de música, observei que o Bowie da minha juventude, era então o Bowie da década de 1980, com a febre da New Wave, a participação do cantor nos filmes Labirinto e Furyo-em nome da honra. Quando eu vi David Bowie, em sua primeira aparição, logo me deparei com a androginia tão associada ao cantor nos anos 1970. Com aquele cabelo loiro oxigenado, mas o visual frágil e ao mesmo tempo elegante, eu me indagava se quem estava cantando, com aquela voz grossa de intenso barítono, era realmente um homem ou uma mulher, tamanho o impacto de sua figura. Vieram outros clipes que também fizeram a minha cabeça, como China Girl, Absolute Begginers e Modern Love, além de Dancing on the Street, onde pela primeira vez vi Bowie cantando em parceria com Mick Jagger, dos Rolling Stones (na parceira que iria fomentar durante anos a fofoca da suposta "ficada" sexual entre os dois). Foi com essas músicas e clipes que, à medida que fui crescendo, fui tomando conhecimento e admiração pela obra de um artista tão performático. Bowie também representava para mim a associação com outro ídolo, Freddie Mercury, do Queen, no famoso dueto em que ambos esbanjam graça vocal, na clássica canção Under Pressure, até hoje tocada à exaustão nas rádios, festas e pubs do mundo inteiro. Sobre essa última música, cabe aqui o belíssimo registro da parceria de Bowie com a cantora Annie Lenox, do Eurithmics, cantando essa linda canção em homenagem ao vocalista do Queen, após sua morte por Aids, em 1991, num clássico show tributo em Wembley.
Mas foi nos anos noventa, já um jovem adulto e universitário, que me elevei da condição de curioso para a de fã, ao escutar as músicas de David Bowie. A década tinha passado com a reviravolta musical rockeira do grunge de bandas como Nirvana, Alice and Chains e Soundgarden, e com a MTV ainda bombando e com seu sinal de televisão propagado por todo o Brasil, pude assistir a mais clipes e ao lançamento de novos discos de Bowie. O loirão tinha se voltado agora para uma pegada mais techno, antecipando-se ao caminho da música eletrônica, que outros artistas do rock vieram a aderir, como o U2, no célebre disco Pop; mas menos no avanço tecnológico de sua fase digital e mais em seu passado no glamrock, é que eu passei a admirar ainda mais David Bowie.
Ainda no cinema, eu não poderia me esquecer da atuação de David como ator no cult movie, Fome de Viver, com Catherine Deneuve e Susan Sarandon, com direito a trilha sonora da banda de rock gótico Bauhaus. Bowie interpretava o marido vampiro da protagonista, papel exercido por madame Deneuve, num filme de terror erótico dirigido pelo cineasta Tony Scott, extremamente classudo.Mais recentemente, nos últimos anos, Bowie pôde ser visto mais envelhecido, interpretando um personagem real, o inventor Nikolai Tesla, no filme O Grande Truque, estrelado por dois dos grandes e ótimos atores dos últimos anos, Hugh Jackman e Cristian Bale.
Agora, um marco cinematográfico ajuda a explicar essa minha admiração por Bowie, principalmente para quem gosta do (bom) cinema. Em 1998 assisti ao filme Velvet Goldmine, do diretor Todd Haynes e estrelado pelos atores Jonathan Rhys Meyers, Christian Bale e Ewan MgGregor. Trata-se de uma cinebiografia não autorizada de Bowie, e no filme, não obstante o músico não ter autorizado qualquer canção para a película, é possível ver o quanto o astro era magnético na sua dupla persona de cantor andrógino e space boy. O filme me despertou a curiosidade para conhecer os discos mais saudados dele pela crítica, nos anos setenta, e através deles eu pude conhecer obras que escuto e cantarolo até hoje, como Life on Mars, Alladin Sane, Starman,e, principalmente, obras-primas como Space Oddity e Ziggy Stardust. Eu, fã de filmes de ficção científica, vi-me aproximando-se mais e mais do som de David Bowie por conta de seu alterego estelar, nos palcos e shows dos anos 1970, quando Bowie subia aos palcos fantasiado de Ziggy, um alienígena que tinha chegado a Terra, e, desolado com as guerras e conflitos inexplicáveis da época, decidiu montar uma banda e tocar sua guitarra. Ziggy Stardust era a mais plena expressão da minha genuína alegria nerd, numa fase juvenil em que eu já me empolgava com Star Wars e filmes como ET-o Extraterrestre. Vi em suas performances, como a experiência de Bowie como mímico e estudante do teatro japonês Kabuki, dava um ar de pura classe em suas interpretações musicais e performances de palco, e entendi como, anos antes, aquele jovem moleque londrino, nascido no violento subúrbio inglês de Brixton, sem conseguir emplacar nenhum sucesso com seus discos iniciais na segunda metade dos anos 1960, tornou-se um ídolo pop na década seguinte, contando com parceiros importantes ao longo da carreira, como o exímio guitarrista Mick Ronsom e o produtor musical Tony Visconti (responsável, inclusive, pelo último disco do artista).
Ao se conhecer melhor a história do artista, é possível conhecer, mais ainda, a própria história da música nas últimas décadas do século passado. Aquele ouvinte, que se apresente como novato em Bowie, poderá descobrir que o cara não foi apenas um músico de carreira inicialmente mediana que se tornou um astro poderoso anos depois, apesar de nunca ter sido uma unanimidade no ambiente artístico (Caetano Veloso, no Brasil, por exemplo, quando já era famoso com o Tropicalismo, desdenhava das músicas de Bowie, por considerá-las sem graça). Na verdade, na década de 1970, atuando também como produtor musical, David Bowie catapultou a carreira de músicos como Lou Reed, ao produzir o antológico álbum Transformer (que eu já comentei aqui quando do falecimento do próprio Reed, ano passado). Iggy Pop foi outro músico redimido pela ajuda do amigo de um olho azul e outro castanho, quando ao sair da banda punk Stooges e estar completamente falido, afundado na heroína e na birita, Bowie deu uma mãozinha, produzindo o disco do indomável rockeiro norte-americano, lançando o ótimo álbum, Lust for Life (que acabou virando trilha sonora do filme Trainspotting, aquele que lançou mundialmente o ator escocês Ewan MgGregor).
Ao se conhecer melhor a história do artista, é possível conhecer, mais ainda, a própria história da música nas últimas décadas do século passado. Aquele ouvinte, que se apresente como novato em Bowie, poderá descobrir que o cara não foi apenas um músico de carreira inicialmente mediana que se tornou um astro poderoso anos depois, apesar de nunca ter sido uma unanimidade no ambiente artístico (Caetano Veloso, no Brasil, por exemplo, quando já era famoso com o Tropicalismo, desdenhava das músicas de Bowie, por considerá-las sem graça). Na verdade, na década de 1970, atuando também como produtor musical, David Bowie catapultou a carreira de músicos como Lou Reed, ao produzir o antológico álbum Transformer (que eu já comentei aqui quando do falecimento do próprio Reed, ano passado). Iggy Pop foi outro músico redimido pela ajuda do amigo de um olho azul e outro castanho, quando ao sair da banda punk Stooges e estar completamente falido, afundado na heroína e na birita, Bowie deu uma mãozinha, produzindo o disco do indomável rockeiro norte-americano, lançando o ótimo álbum, Lust for Life (que acabou virando trilha sonora do filme Trainspotting, aquele que lançou mundialmente o ator escocês Ewan MgGregor).
Bowie era um multiartista, e como músico instrumentista em seu saxofone, ora como cantor, ator, arranjador e produtor musical, enveredou pelas mais extensas vertentes da música, sem perder a originalidade. Sua sonoridade ia do glam até o hard rock, passando pela música negra do soul , até chegar na música eletrônica e flertar com o jazz, como fez em seu disco testamento BlackStar, lançado no dia de seu aniversário e dois dias antes de sua morte. São 50 anos de talento musical espalhados em 26 discos, muitos deles memoráveis. Num excelente artigo escrito para o site Uol, o famoso crítico, músico e radialista Kid Vinil, explicou que muitas vertentes musicais contemporâneas, como o punk rock, tiveram influência da música de David Bowie. Se Bowie não tivesse existido, a cena musical internacional teria sido muito mais chata e previsível. Grupos distintos em diversas décadas, como o Sex Pistols, Siouxsie and the Bansheess, Bauhaus, Pixies, Radiohead, Placebo, Nine Inch Nails, Muse, The Killers, beberam da influência do "camaleão do rock". Não obstante eu insistir que David Bowie não era apenas um cantor de rock, mas sim um músico mais amplo, com composições de músicas ora alegres ou soturnas, mas ao mesmo tempo irônicas e enigmáticas. Como diria o falecido sociólogo alemão Niklas Luhmann, Bowie era uma espécie de "observador de segunda ordem", que observa um distante planeta Terra, ao mesmo tempo fazendo parte e não fazendo parte de nosso universo terrestre. Como Bowie fazia uma música do tipo "espacial", até o astronauta inglês Tim Peake, que está em órbita, numa missão na Estação Espacial Internacional, lamentou a morte do cantor, publicando em seu twitter um trecho da música Starman, um dos maiores sucessos do artista, regravado no Brasil pela banda gaúcha Nenhum dos Nós, sob o título Astronauta de Mármore.
Para aqueles que querem, verdadeiramente, iniciar-se na música de Bowie, e compreender as sutilezas, genialidade, e riqueza das melodias e letras de suas canções, encantando-se com a complexidade do finado artista britânico, recomendo os ótimos discos Low, Heroes e Lodger, que, juntos, compõem a chamada "trilogia de Berlim", tempo em que o músico ficou exilado na capital da Alemanha, entre 1976 e 1978, enquanto tentava se livrar do vício em cocaína e da turbulência da vida de rockstar vivida em Los Angeles. Se quiser, o ouvinte pode ficar escutando, antes disso,o também excelente álbum Station to Station, considerado para muitos críticos a obra-prima do cantor e compositor inglês (apesar de os fãs mais puristas preferirem Hunky Dory, da fase pré-Ziggy Stardust do cantor), produzido por uma das lendas do rock, o ex-músico do Roxy Music e futuro produtor de bandas como U2, o célebre Brian Eno.
Encerro aqui essas linhas, rendendo a homenagem que achei devida a um de meus grandes ídolos na música e no estilo, que merecem ser lembradas de forma perene, através do registro dessa postagem. Como eu já havia dito no twitter, prefiro pensar que David Bowie transformou-se novamente em Ziggy Stardust e retornou para seu planeta de origem. Quanto a mim, continuo aqui na Terra como o Major Tom de Space Oddity, esperando também sua hora (longínqua) de partir: Ground control to Major Tom!! The Planet Earth is blue and there's nothing I can do!!!
Para aqueles que querem, verdadeiramente, iniciar-se na música de Bowie, e compreender as sutilezas, genialidade, e riqueza das melodias e letras de suas canções, encantando-se com a complexidade do finado artista britânico, recomendo os ótimos discos Low, Heroes e Lodger, que, juntos, compõem a chamada "trilogia de Berlim", tempo em que o músico ficou exilado na capital da Alemanha, entre 1976 e 1978, enquanto tentava se livrar do vício em cocaína e da turbulência da vida de rockstar vivida em Los Angeles. Se quiser, o ouvinte pode ficar escutando, antes disso,o também excelente álbum Station to Station, considerado para muitos críticos a obra-prima do cantor e compositor inglês (apesar de os fãs mais puristas preferirem Hunky Dory, da fase pré-Ziggy Stardust do cantor), produzido por uma das lendas do rock, o ex-músico do Roxy Music e futuro produtor de bandas como U2, o célebre Brian Eno.
Encerro aqui essas linhas, rendendo a homenagem que achei devida a um de meus grandes ídolos na música e no estilo, que merecem ser lembradas de forma perene, através do registro dessa postagem. Como eu já havia dito no twitter, prefiro pensar que David Bowie transformou-se novamente em Ziggy Stardust e retornou para seu planeta de origem. Quanto a mim, continuo aqui na Terra como o Major Tom de Space Oddity, esperando também sua hora (longínqua) de partir: Ground control to Major Tom!! The Planet Earth is blue and there's nothing I can do!!!
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