quarta-feira, 16 de novembro de 2016

MÚSICA: As cortinas fecharam-se para Leonard Cohen

O cantor ainda jovem, nos anos 70.
Se você perguntar entre 10 pessoas do seu convívio pessoal ou mesmo do meio acadêmico quem era Leonard Cohen, é bem capaz de apenas uma ou nenhuma saber de quem você está falando. "Leonard....quem???", alguém pode perguntar. Isso se deve porque o cantor, compositor, poeta e escritor canadense de voz sussurada nunca obteve sucesso comercial, e apesar de cantar para plateias lotadas, sua música sempre foi ouvida por um círculo restrito e requintado de ouvintes, que apreciavam uma poesia cantada, numa polida língua inglesa.

Leonard Cohen saiu definitivamente de cena no último dia 8 de novembro, aos 82 anos, por causas não relevadas pela família. Ele faleceu em casa, acompanhado do filho Adam, lugar onde gravou seu último disco. Ele nos deixou com um último álbum, intitulado You Want in the Darker. Assim como David Bowie, falecido no começo do ano, mas que lançou o ótimo Blackstar uma semana antes de morrer, no penúltimo mês de um 2016 de extremas perdas (não só artísticas, mas pessoais para mim), Cohen se foi deixando um álbum-testamento, e um legado de mais de 100 canções emblemáticas, em cinco décadas de carreira, que ficarão para sempre, na história da cultura popular do século XX.

Em um de seus shows memoráveis, em Montreaux.
Para os apreciadores da obra de Cohen, ele já era um aclamado poeta e romancista em sua terra natal, na década de sessenta do século passado, com livros como "Flores para Hitler", de 1964 e "Belos Vencidos", de 1966; mas, aos 33 anos, o escritor resolveu arriscar como cantor. Amante de viagens e apaixonado pela poesia do espanhol Garcia Lorca, Leonard Cohen iria até a Ilha de Hidra, na Grécia, onde viria a conhecer talvez a sua maior musa, que lhe renderia  o primeiro sucesso, a antológica canção So Long, Marianne. Entretanto, foi em 1969 que ele apareceu para o mundo, cantando uma música cover, Susane, que já tinha sido cantada na voz de Nina Simone. Os anos setenta são talvez a época mais profícua da musicalidade de Cohen, com canções ícones como Bird on a Wire, Avalanche e Chelsea Hotel n.o. 2, chegando a competir nessa época com outro grande cantor daquilo que viria a ser chamado de estilo indie ou música pop alternativa, o francês Serge Gainsbourg.

Vieram outras canções e discos que compõem o catálogo dos fãs da música de Leonard Cohen. Eu destacaria So Long, Marianne, Sisters of Mercy (que renderia o surgimento da banda de rock homônima, nos anos oitenta) e o disco Songs of Love and Hate, de 1972, até chegar ao seu álbum mais vendido, I'm your Man, de 1988 e a belíssima e ao mesmo tempo triste canção Dance to the End of Love. Nessa época, com seu jeitão de poeta beat, parecendo ser uma espécie de "Frank Sinatra Cult", Cohen já havia conquistado alguns garotões do rock, que apreciavam suas letras e músicas, dentre eles Michael Stipe, do R.E.M., Ian McCulloch do Echo & The Bunnymen e até Kurt Kobain do Nirvana, que cita um trecho de uma canção de Cohen, ao cantar  a densa Pennyroyal Tea.

O artista emociona-se ao ser homenageado.
A música de Cohen também é conhecida pelo apelo espiritual. Aficcionado pelo estudo da teologia, Cohen estudou vários temas e os explorou em suas canções, seja da cabala judaica até a trindade cristã. Talvez sua composição mais conhecida seja justamente uma que faz alusão a temas e personagens bíblicos, mas, que, na verdade, num pseudogospel emocionado, trata-se menos de fé, e mais de uma canção de amor e desilusão, cuja letra é de um lirismo e profundidade que lembra uma obra barroca. Estou falando da célebre Hallelujah. Esta canção foi regravada por vários artistas, dentre eles, Jeff Buckley, grande artista e promessa do rock que morreu jovem, precocemente nos anos noventa, e que somente lançou um disco em vida. Foi justamente através da versão de Buckley que eu, anda um jovem estudante universitário, tive o primeiro contato com a obra de Cohen.

De origem judaica, o poeta e cantor acabou abraçando o budismo, tornando-se monge nos anos noventa e abandonando a música e a literatura.  Leonard Cohen somente acabou retornando aos palcos ao 74 anos, na primeira década deste século, quando descobriu que sua ex-empresária havia surrupiado toda a sua grana, e a necessidade financeira o levou a se apresentar ao vivo novamente e a gravar novos discos. Já idoso, mas elegante com seu chapéu e ternos, o último dos grandes shows de Cohen foi na Espanha, no ano passado, numa apresentação que, literalmente, fez toda a plateia chorar de emoção. Já doente, como um ancião fragilizado em cima do palco, e abatido pela depressão, com uma simplicidade e sinceridade que mantinha com quem lhe ouvia, Cohen começou o show com ar tímido, mas, calmamente, foi conquistando o público até chegar ao ápice, o que era a marca de suas músicas e apresentações ao vivo: uma emoção progressiva, que se inicia aos palcos até chegar a uma evolução catártica, à beira do frenesi religioso. Em suas últimas entrevistas, dizia-se preparado para a morte. "Estou pronto", era o que respondia aos seus interlocutores quando era perguntado sobre o assunto. E, assim, numa tarde de terça-feira, partiu mais um grande artista do século XX.

A última foto icônica.
Nesses tempos em que contemporâneos de Cohen, como o Prêmio Nobel de Literatura, Bob Dylan, são revisitados, e para todo bom apreciador de música folk, pra quem não conhece, vale a pena dar uma conferida na obra deste belo artista. Despedindo-me de Leonard Cohen, assim como me despedi de tantos neste blog até o dia em que eu mesmo terei que me despedir, termino este texto com os versos finais de Hallelujah, na sua tradução para o português, dizendo: "Tinha um tempo que você me deixava saber o que se passava. Mas agora você não me mostra mais, não é? Eu me lembro quando me apaixonei por você! E o Escuro Sagrado também se movia. E cada respiração nossa era de Aleluia!E todo suspiro que dávamos era um Aleluia! Aleluia! Aleluia!!".

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