sábado, 15 de dezembro de 2018

FILME: Bohemian Rhapsody-um tributo imperfeito, mas que vale a pena ser visto

Is this the real life?
Is this just fantasy?
Caught in a landslide
No escape from reality
Open your eyes
Look up to the skies and see
Com os primeiros versos da primeira estrofe de uma das canções mais ouvidas no século XX (segundo a revista portuguesa Blitz, já ultrapassou 'Smells Like Teen Spirit' do Nirvana), para as novas gerações 'Bohemian Rhapsody' não é apenas uma das mais belas e emblemáticas músicas, de um dos grupos ícones do rock do século passado, mas também é o título do filme do diretor Bryan Singer, massificado nos cinemas de todo o mundo, com o carismático ator de origem egípcia, Rami Malek, interpretando um monstro sagrado da música: o inigualável, incomparável, extraordinário e inesquecível cantor Freddie Mercury.
Quem nunca ouviu falar da banda inglesa Queen, provavelmente ou viveu numa floresta inexplorada por décadas ou não veio deste planeta. Assim como os Beatles, os Rolling Stones, o The Who e o Led Zeppelin, o Queen merece, com louvor, o título de ser uma das maiores bandas da história. Seu estilo musical prodigioso, poderoso, unindo ópera com rock, somando três personalidades igualmente carismáticas a de Mercury, de músicos virtuosos, como Brian May na guitarra, John Deacon no baixo e Roger Taylor na bateria, demonstrou que o grupo, formado em 1970, das migalhas do que seria a banda Smile, pudesse escrever sua história no panteão da música, com canções originais, que perdurarão por toda uma eternidade. É isso que o filme de Singer procura trazer, e talvez essa seja a melhor qualidade de uma película irregular. Senão, vejamos o que eu posso lhes dizer do filme!
Em linhas gerais, 'Bohemian Rhapsody' é apenas um bom e muito agradável filme de sessão da tarde, e não uma épica cinebiografia de uma banda épica. Apesar de toda licença poética de uma história posta na tela de forma romanceada e não um documentário, são muitas as distorções, informações erradas, até inverídicas e invenções dos roteiristas, sobre o passado do grupo e acerca da vida pessoal de Freddie Mercury. Tirando Malek, a interpretação dos demais atores é tão somente mediana, muito pelo fato do roteiro ser todo centrado na principal estrela do grupo, sem dar espaço ou margem para que as personalidades dos demais membros fossem devidamente exploradas. O único papel feminino de destaque, da atriz norte-americana Lucy Boynton, interpretando Mary Austin, interesse amoroso e noiva do cantor do Queen antes que este assumisse sua sexualidade homoafetiva, aparece com pouca consistência no filme e de forma deslocada. Não se sabe se Mercury (nascido Farrokh Bulsara, na Tanzânia, de uma família conservadora de origem indiana) era um gay com curiosidades heteroafetivas ou se era realmente bissexual, mas o que se sabe de verdade, na vida do vocalista do Queen, é que ele teve vários amantes, dentre homens e mulheres, e isso é pouco explorado no filme de Singer.
Não há tempo para o desenvolvimento de um arco dramático consistente, que explorasse as dubiedades afetivas e sexuais de Mercury, apesar do filme não deixar de explorar isso, mas de forma muito superficial. A ideia que se dá é que por ser um projeto totalmente focado em Freddie Mercury, o diretor Singer preferiu mostrar muito mais os excessos e farras de uma estrela do rock, que era tratada com uma aura de semideus. Outro dos personagens essenciais na vida do cantor foi seu namorado até o fim de seus dias, Jim Hutton, tratado de forma simpática, mas limitada pelo ator Aron McCusker. A cena em que os dois se encontram pela primeira vez é totalmente inverossímil e pura invenção do roteiro, e pela pressa em apresentar os fatos num filme de duas horas e quinze minutos de duração, o essencial de uma relação amorosa também significativa na vida do cantor se perde, como quase tudo no filme com algum potencial dramático. A própria doença de Mercury, acometido do vírus da AIDS que o matou, é tratada de forma pequena, apesar de Malek conseguir imprimir certa melancolia ao personagem, mas nos momentos finais da película e de forma descompensada. Não me sai da cabeça que muitas cenas poderiam ter sido melhor aproveitadas.
Que Mercury era extraordinário, disso não há a menor dúvida; mas todos os outros músicos também eram, e nada isso é explorado com galanteza no filme. O filme também peca nas suas imprecisões históricas que, para um bom fã do Queen, parecem até grosseiras ou forçadas demais, ou provam que simplesmente quem fez o filme não leu a biografia da banda. Fazer um Freddie Mercury cantar a singela 'Love of my Life', no Rio de Janeiro, com sua clássica roupa de lantejoulas, ainda sem bigode, quando eu, que era guri na época, já sabia que tal show ocorreu em São Paulo, na histórica turnê brasileira de 1981, e não no Rio, e que o Rock in Rio, da segunda aparição do grupo por aqui, ocorreu em 1985, e não em 1979, como retratado no filme, é de doer o coração! Haja paciência!
Tonight, I'm gonna have myself a real good time
I feel alive and the world I'll turn it inside out, yeah
And floating around in ecstasy
So don't stop me now don't stop me
'Cause I'm having a good time, having a good time
Mas afinal, o que há de bom no filme e por que vale a pena vê-lo? Por que um longa-metragem que não é tão bom conseguiu bater um recorde, tornando-se a cinebiografia de uma banda de música mais vista e mais lucrativa da história do cinema? Parece paradoxal, mas o que 'Bohemian Rhapsody' acerta é justamente naquilo que ele peca: ser um extenso videoclipe da vida do cantor do Queen. Por se preocupar com a música tanto quanto as cenas, o filme se torna um revival dos shows mais antológicos da banda, desde seus primórdios até a consagração, na lendária apresentação no estádio de Wembley, no Live Aid. Talvez esse seja o ponto mais forte do filme: uma celebração da voz de um dos maiores cantores da história. Como seria impossível reproduzir o talento vocal do dentuço vocalista do Queen, Malek se vale da dublagem e de uma prótese tão exagerada, para imitar o personagem, que parece risível, mas ele se sai bem no teste. Os minutos finais do filme que reproduzem com fidelidade o show de Wembley, reproduzido à exaustão até hoje no youtube, é uma das melhores experiências de ver (e ouvir) no cinema. De tão perfeita a performance de Malek, que treinou à exaustão com exímios coreógrafos, todos os trejeitos e  movimentos de Mercury no palco, consegue-se ter realmente uma experiência agradável de uma cinematográfica banda cover no telão, que rende ali uma sincera e emocionada homenagem. 
I want to break free
I want to break free
I want to break free from your lies
You're so self satisfied I don't need you
I've got to break free
God knows, God knows I want to break free
'Bohemian Rhapsody' está longe de ser uma obra-prima, mas tem suas qualidades e, com certeza, despertará cem por cento do interesse dos fãs abnegados do Queen. Acredito que Rami Malek será, merecidamente, indicado ao Oscar de melhor ator, fato que não ocorrerá apenas se os membros da Academia foram declaradamente antirockeiros. Não faz mal! O filme sobre Freddie Mercury e seus parceiros de música merece outras versões cinematográficas, mas nem por isso aquilo que está hoje nos cinemas cairá no reles esquecimento. Afinal, como defenestrar um filme que trata de um sujeito tão inesquecível como o bom e bigodudo Freddie, e sua voz de barítono, que encantava multidões. Ouvindo o Queen, de quem cheguei a participar do fã-clube internacional na adolescência, sei que, nas minhas fragilidades, ainda posso me sentir um campeão ao ouvir a banda, e é bom matar as saudades de um dos meus cantores favoritos, vendo um filme sobre ele. We are the champions, my friend!!
I've paid my dues
Time after time
I've done my sentence
But committed no crime
And bad mistakes
I've made a few
I've had my share of sand kicked in my face
But I've come through
And we mean to go on and on and on and on
We are the champions, my friends
And we'll keep on fighting till the end
We are the champions
We are the champions
No time for losers
'Cause we are the champions of the world

sexta-feira, 30 de novembro de 2018

IN MEMORIAN: minhas corridas com Seu Maguila!!

Foi na noite de uma quinta-feira, dia 29 de novembro, que eu soube do falecimento de José Pereira de Souza, mais conhecido como "Maguila", taxista, que no desempenhar de sua profissão não era apenas mais um motorista que escutava os "causos" de seus clientes, mas que se tornou o amigo de toda uma geração de boêmios.

Confesso que só fui saber de seu nome de batismo quando foi anunciado por sua família o seu velório. Até então, só o conhecia pelo apelido, que o tornou famoso entre os passantes e fregueses dos barzinhos em frente a Praça Ecológica, em Ponta Negra; especialmente o Wesley's Bar (antigo Gringo's). Eu soube que nos últimos meses Maguila padecia de um câncer, cheguei a ver uma foto sua no hospital, muito debilitado. Soube também de sua melhora, e de que já estava em casa, esperando visitas. Fiquei de visitá-lo. Promessa que nunca cumpri e me arrependo! E se não posso dar minhas condolências pessoalmente a sua família e amigos enlutados, no dia do seu enterro, por estar em outra cidade trabalhando, fica aqui minha pública homenagem.

Recordo-me de Maguila como aquele sujeito que revelava uma anedota no próprio apelido, pois se tratava de um sujeito de meia-idade, baixinho, franzino, magro como um graveto, de óculos e cabeleira grisalha e um bigodinho aparado, com aparência muito distante do seu homônimo famoso. Maguila compensava a esqualidez da fisionomia com uma abundância de simpatia, afeto e simplicidade. Era um cara divertido, e se divertia com os passageiros bêbados que pegava todas as noites na rua, percorrendo com seu táxi, em busca de clientes, nas noitadas natalenses. Antes mesmo da Lei Seca, já havia o Maguila. E com ele a certeza não apenas de um transporte seguro, que te levaria com tranquilidade até sua casa, mas também a garantia de uma boa conversa. 

De tanto fazer ponto em frente ao bar do Wesley, ele acabou sendo a referência e o companheiro de fim de noite de toda uma geração, principalmente do meu grupo de amigos, frequentadores do estabelecimento, carinhosamente chamados de "diretoria". Cansou-se de ouvir as histórias (e lamúrias) de seus clientes, assim como eu, que contava os trocados no bolso e sempre tentava pechinchar nas corridas, pois no final da noite a grana do fim do mês já estava curta e gasta na última cerveja ou dose de whisky. Já não consigo contar quantas vezes Maguila me levou pra casa no 0800, pois eu já estava liso, sem um tostão no bolso, na época ele não passava cartão e, na pendência de carona dos amigos, ele se oferecia para me levar pra casa, dizendo que eu pagasse depois. O problema é que na maioria das vezes eu já estava tão cansado e biritado que não tinha a menor ideia de quanto lhe devia, ele não cobrava, e constrangido, eu encontrava com ele de novo, pedindo pra ele me cobrar, e ele me falava, dando uma risada, que eu desse o que pudesse, que nas próximas corridas eu compensava o valor da viagem. Maguila era taxista não porque necessitasse, mas porque gostava da profissão, exercida durante décadas. Diferente do Uber, onde hoje você vê muitas pessoas trabalhando como se fosse um bico, ou como um trabalho temporário, para um "pé de meia" para dias melhores, Maguila encarava rodar no seu táxi como um verdadeiro ofício, e por isso valia pena circular pelas ruas cada dia mais violentas de Natal, porque ele me dizia que era aquilo que ele gostava e sabia fazer.

Maguila não só ouvia, mas também tinha suas histórias pra contar. Não me esqueço nunca quando ele me contou de uma tentativa de assalto, quando pegou um passageiro suspeito e o deixou nas proximidades da Zona Norte, e assim que o sujeito desceu, ele puxou uma arma e anunciou o roubo, quando Maguila saiu em disparada no seu carro, e metros depois sentiu apenas uma forte dor no braço. Tinha sido baleado! Por uma questão de centímetros uma tragédia não tinha acontecido, e com o braço ensanguentado, ferido pelo projétil, teve o sangue frio de ainda chegar em casa, valer-se dos primeiros socorros e depois seguir para um hospital. Maguila fazia relatos da vida de um taxista que revelavam uma crônica diária de alegrias e tristezas, de cenas divertidas, mas também de infortúnios. Parecia uma das cenas do filme do cineasta Jim Jarmusch, "Uma noite sobre a terra", de 1990, onde taxistas, em cidades e histórias diferentes, viviam situações inusitadas. Para mim, Maguila representava não apenas um homem e um veículo, mas sim o representante de uma cidade e uma cultura que revelava o povo natalense. O taxista Maguila era a cara de Natal!

Vou guardar para sempre na memória e no meu coração a imagem e o sorriso do Maguila, sua simpatia, generosidade e humildade, revelando que taxistas não são apenas aqueles sujeitos estressados, mercenários ou mal educados, mas que também podem ser pessoas polidas, agradáveis e amigas, como em qualquer profissão que exija atender pessoas. Ele chegou a me dizer que só pararia de trabalhar quando não tivesse mais saúde para sair de casa no seu táxi, e parece que foi isso que realmente ocorreu. Vitimado pela doença, nosso pugilista do asfalto acabou tombando, mas não antes de deixar uma grande saudade e admiração para quem o conheceu e pôde compartilhar algumas horas de sua companhia. Creio que Maguila apenas partiu para mais uma viagem, agora no seu táxi celestial! Fico triste por não poder mais vê-lo, mas o terei sempre na memória, como tenho o de tantas pessoas queridas e amadas, que já passaram para outro plano de existência. Acredito que um dia nos veremos novamente, e, até lá, fico no aguardo, Maguila, de fazermos mais uma corrida!!

terça-feira, 10 de julho de 2018

No show do Depeche Mode

O Depeche Mode é um dos pouquíssimos grupos de rock eletrônico dos anos oitenta que ainda permanece relevante até hoje. Tive o privilégio de assistir o único show no Brasil, da última turnê da banda, no Allianz Park, em São Paulo, no dia 27 de março. Um dia atípico, uma terça-feira de trânsito enlouquecido, como é de hábito na metrópole paulistana, pra completar com uma forte chuva que começou à tarde e durou praticamente a noite toda. No começo da tarde, quando eu e minha esposa saímos do hotel, pegamos uma tempestade, com direito a ruas alagadas, até chegar próximo a Barra Funda e permanecemos por uma hora ilhados dentro do estacionamento de um shopping, aguardando que a chuva passasse e a inundação das ruas entupidas de água e carros não chegasse aos nossos pés. Por fim, no começo da noite, sob a forma de uma fina garoa que caía sobre o estádio, pudemos finalmente chegar ao local do show.

Mas, mesmo com as intempéries climáticas, quem disse que não foi emocionante, um tanto bucólico e pitoresco, ver o que David Gahan, Martin L. Gore e Andy Fletcher ainda conseguem fazer?? Engana-se quem pensa que o show foi uma reprodução daqueles eventos caça-níqueis, onde rockeiros cinquentões ou sessentões voltam à ativa, cantando somente sucessos antigos, em busca de alguns trocados. Durante esses trinta e poucos anos, o Depeche Mode permaneceu ativo, lançando periodicamente vários discos, tornando-se, assim como o New Order, uma competente banda de rock eletrônico, com elementos de Devo e influências de Kraftwerk e David Bowie, mas com um certo tom soturno que se igualava somente à capacidade dançante de suas canções. O show em São Paulo foi da turnê do mais recente disco, Spirit, e também de um dos mais políticos. Em Going Backwards, canção do disco novo que abriu o show e é exaustivamente tocada em rádios on line ou em plataformas como o Spotify, os vocais de Gahan declamaram versos declaradamente de protesto e desilusão com a era Trump e todo o retrocesso da democracia e dos direitos, com o aumento dos extremismos (não só na Europa, mas inclusive no Brasil), o Brexit e outras desgraças mundiais, corroborando que a globalização parece não ter dado muito certo. Ao cantar em seguida a clássica It's no good, o Depeche sacudiu a plateia com uma das canções da fase já consagrada do grupo, mas que também revelava a decadência pessoal de seus integrantes, alguns a experimentar o fundo do poço ou algo bem mais profundo do que isso, como sofreu Dave Gahan, que escapou da morte por um triz, seja por ter ficado desacordado por mais de um minuto por conta de uma overdose de heroína que quase o matou, uma tentativa de suicídio ou a descoberta e o tratamento de um câncer, que acabou por se curar. É! Se acredita ou não em Deus, o vocalista do Depeche Mode tornou-se um afortunado, com direito a um recomeço, à construção de uma família com esposa e filha, a sobriedade e o retorno ao grupo de amigos ingleses que começaram como uma espécie de boy band de tecladinhos, nos anos oitenta, até fazerem o mundo descobrir que eram bem mais do que isso, a começar pela densidade de suas letras, que não eram nada bobinhas. De fato, o Depeche Mode tornou-se uma banda de respeito, a ponto de se tornar antológica.

A terceira canção do setlist, também do último álbum, Where's the revolution também repousa na forte crítica política e social, caçoando dos falsos ou velhos militantes, que nos protestos de outrora, diante de tanta injustiça e barbárie renovada no mundo, parece que só acordaram agora lentamente, começando a retirar suas bandeiras e faixas do armário. A canção fala em perder ou não o trem da história: 
The train is coming
The train is coming
The train is coming
The train is coming
So get on board
Get on board
Get on board
Get on board


O show seguiu com mais e mais músicas da discografia da banda, desde as mais clássicas até as dos discos mais recentes. Quem é que não dançou uma vez na vida (ou várias) ao som da célebre Enjoy the Silence, talvez a música mais famosa dos caras, do disco Violator, até hoje o mais vendido desses senhores da região inglesa de Essex, cujo vinil eu comprei saindo das lojas, no longínquo ano de 1990? O mais legal além das músicas foi ver o corpo esguio de Gahan rodopiando no palco como um bailarino,  enquanto cantava a clássica e dançante World in my Eyes, revelando a disposição física de um homem que já chegou aos 55 anos, com suas jaquetas e coletes estilosos, como um dândi moderno. A simpatia e carisma de Martin L. Gore, o loiro guitarrista e maior compositor do grupo, com seu famoso sorriso tímido, cantando à capela junto com a plateia algumas das mais belas e profundas baladas que o Depeche já criou, não podia deixar de ocorrer na noite. Enquanto isso, como uma esfinge, o terceiro e ilustre membro da formação clássica, Andrew Fletcher, permanecia compenetrado, com seus óculos escuros, ao fundo, fazendo toda a base musical e tradicional que marca o som da banda, conduzindo ondas sonoras como o comandante musical de um navio, ao som de seu teclado. O som dos caras naquele show me fez voltar em flashbacks a 1988, quando eu, então um moleque adolescente de 17 anos, recém conhecendo a noite, fui conhecer e escutar pela primeira vez o som dos caras no antigo bar Chernobyl e na boate Vicious, que ficava nas proximidades, na Praia do Meio, em uma Natal onde os jornalistas do caderno de cultura gostavam de chamar de "Londres nordestina", por conta da juventude universitária da época, muitos do bairro vizinho de Petrópolis, que colecionavam discos e gostavam de escutar rock inglês e música eletrônica europeia. Lembro-me naquela época da sedução quase hipnótica de escutar na penumbra a gótica Behind the Wheel, com sua célebre entradinha do som de uma calota rodopiando, seguida de uma irresistível batida techno que me obrigava a dançar nem que fosse com minha própria sombra.


Outras músicas se seguiram num setlist com mais de vinte canções. Duas horas de somzeira garantida ou seu dinheiro de volta. Como não sapatear ao som da quase marcial Walking in my shoes? Afinal, com sua letra menos sombria do que profética, cujo refrão aparece como um conselho ou provérbio, ouve-se e percebe-se nas letras quase um relato autobiográfico da sofrida vida do vocalista inglês:


Now I'm not looking for absolution
Forgiveness for the things i do
But before you come to any conclusions
Try walking in my shoes
Try walking in my shoes

You'll stumble in my footsteps
Keep the same appointments i kept
If you try walking in my shoes
If you try walking in my shoes
Por fim, no bis, Never Let me Down, um dos primeiros singles oitentistas da banda pareceu fechar a noite, trazendo três décadas atrás de volta, nos primórdios de uma MTV que não existe mais. Mesmo debaixo de uma capa de chuva que me limitava os movimentos, eu podia sentir que, naquele show, eu tinha voltado a ser aquele menino de 17 anos chegando aos poucos na vida adulta e deixando a timidez de lado para dar os primeiros passos desengonçados numa pista de dança. Foi bom ouvir no antigo e novo repertório do Depeche Mode como a banda amadureceu, assim como seus jovens fãs de três décadas atrás.

É bem verdade que, para os mais puristas, o som do Depeche Mode saiu, nos últimos anos, do techno mais dançante para um eletrônico industrial mais pesado, um tanto quanto melancólico, mas com profunda qualidade técnica e poesia, porém pouco pop e muito mais intimista e autoral. É como se a meia idade e os anos de excesso repercutissem no som da banda; mas com sabedoria. Uma das principais características da música do Depeche Mode de 1980, quando surgiu, até hoje, é que eles não perderam um elemento principal em seu som: a sensualidade. Mesmo na reflexiva Cover me, do último álbum, que tem um clipe muito bacana, homenageando claramente David Bowie, com Gahan como um starman, vestido de astronauta, sentado no banco de uma praça, com seu olhar meio que entre o exausto ou o perdido e contemplativo, percebe-se elegância e até um certo erotismo na poesia e som eletrônico, propositadamente psicodélico da canção. É como se Eros e Tanatos fossem chamados para dançar, quando rola um som do Depeche Mode. Desta forma, eles se tornaram senão o único, talvez um dos pouquíssimos grupos na história do rock que souberam conjugar melancolia com tesão ao mesmo tempo. 

Fiz parte, portanto, de um seleto grupo de brasileiros de diversas gerações que foram a São Paulo assistir o show, encantados pela sonoridade de um grupo que, para mim, já havia se tornado lenda. Experiência edificante, com direito a muitos selfies no ambiente urbano paulista, cenário ideal para a apresentação da mescla de sensualidade e dor que para mim representa o Depeche Mode, na sua poesia eletrônica que agrada até mesmo o silêncio. Afinal: 
All I ever wanted
All I ever needed
Is here in my arms
Words are very unnecessary
They can only do harm

Gates e Jobs

Gates e Jobs
Os dois top guns da informática num papo para o cafézinho

GAZA

GAZA
Até quando teremos que ver isso?