sexta-feira, 12 de novembro de 2010

FÉ & NEGÓCIOS: O MUNDO É GO$$PEL!!!!!!

Diz uma passagem da Bíblia, em Mateus 19: 16-24, que um jovem rico se aproximou de Cristo e lhe perguntou como obter a vida eterna. Jesus respondeu que além de seguir os mandamentos, ele teria que se desfazer de todos os seus bens e doá-los aos pobres. Como tinha muitas posses e não queria se desfazer delas, o jovem se retirou triste. Então Jesus afirmou: "é mais fácil  um camelo passar no fundo  de  uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus".

Fico pensando no versículo bíblico ao ser surpreendido com a notícia da quase falência do grupo Silvio Santos. O Banco Panamericano, de propriedade do grupo, entrou numa braba crise financeira e só não quebrou por que o famoso apresentador de TV deu em garantia sua imensa fortuna, constituída de diversas lojas de varejo, uma financeira, uma empresa de cosméticos e a própria rede de televisão, o SBT, para contrair um empréstimo e se livrar do vexame de falir, em mais de 40 anos de vida empresarial bem sucedida. O homem do Baú da Felicidade parece que agora encontrou a tristeza da iminência da ruína financeira.

Leio hoje nos jornais que diversas igrejas evangélicas pentecostais se ofereceram para comprar parte da programação do SBT, oferecendo milhões para ter todas as horas das madrugadas da programação da emissora. Sabe-se que em países como os Estados Unidos, são comuns canais de televisão gospel, pertencentes à igrejas ( a rede Record, pertencente a Igreja Universal do Reino de Deus, aqui no Brasil, é um franco exemplo), ou que possuem em sua programação horas onde se apresentam pregadores, com espaço garantido o ano inteiro para programação religiosa e cultos televisionados. No Brasil, aparecem cotidianamente na TV pastores como Silas Malafaia, da Assembléia de Deus, e R. R. Soares, da Igreja Internacional da Graça. Em todos esses programas, geralmente a liturgia é a mesma: cultos ao vivo ou gravados, promessas de cura, entrevistas e enquetes com o público, através de programas como o "Fala, que Eu te Escuto", e diversos outros conteúdos que transformaram evangelização em nicho de mercado. Não sou contra a pregação religiosa na TV, mas não deixo de achar curioso (e, em alguns casos, até perigoso), como essas igrejas que se valem dos meios de comunicação (característica principal do chamado neopentecostalismo), muitas vezes vendem fé como se fosse um produto. Afinal, se tínhamos antes os empresários da comunicação, agora temos os empresários da fé!

A pós-modernidade e os avanços trazidos pela revolução nos meios de comunicação gerou novas formas de interatividade que passam,necessariamente, pela TV e pela internet. Antigamente, a Assembléia de Deus, a igreja pentecostal mais antiga do Brasil e uma das mais tradicionais no cenário religioso brasileiro, tinha simplesmente seus jornais ou panfletos distribuídos por seus fiéis pelas ruas, como forma de difusão da palavra de Deus. Hoje, vê-se na maior parte dos canais de televisão, ou ao menos em todas as casas do país, algum televisor ligado, alguma hora do dia ou da noite, nem que seja por alguns minutos, transmitindo esses programas. O lucro dessas instituições religiosas é absurdo. Visto que o que elas conseguem em espaço, a TV também consegue em anunciantes. A crise de valores e a busca de religiosidade nesse novo milênio levaram multidões desencantadas com a vida moderna a se debruçar sobre a TV e procurar respostas para suas angústias pessoais, através do discurso religioso. Que bom que as pessoas procurem curar seus males internos pela religião, por um lado; mas que pena que a fetichização capitalista transforme boa parte disso em mero mercado. Fico me recordando do escândalo envolvendo os bispos Estevão e Sônia Hernandez, da Igreja Renascer, e a prisão dos mesmos nos Estados Unidos, após o patético episódio de desembarcarem em solo americano com dólares escondidos dentro de uma Bíblia. Creio que alguns "jovens ricos" seguem os mandamentos, mas ainda não conseguiram obter a vida eterna, pois ainda estão muito presos a seus apegos materiais.

Participo de uma pequena igreja luterana, bem tradicional, histórica, e com um culto até mesmo chato pra alguns padrões pentecostais, mas dentro de uma perspectiva humilde, como sempre vi a igreja. Conheci e frequentei várias igrejas, de diversas denominações religiosas, e sempre vi o contraste entre a opulência e a humildade. Desde as suntuosas catedrais católicas até os rudimentares templos evangélicos de bairros de periferia, em minha fé, sempre pude notar a presença de Deus em minhas orações, mas não deixei de notar também a soberba e o falso profetismo de alguns homens. Sou um eterno crítico da organização eclesiástica no Brasil, mas nem por isso deixo de ser um homem de fé. Para mim, igreja enquanto um conceito bíblico-teológico é o encontro dos crentes, a comunidade dos que se sentem filhos de Deus; mas enquanto instituição social pode ser tão corrompida, recheada de conflitos e permeada por vícios, como qualquer outra instituição. Às vezes as igrejas assemelham-se à empresas, noutras, a partidos políticos, e nisso vem a velha crítica de muitos, de que Deus é um ente a se acreditar, já  igreja, não. Não culpo nem meus amigos ateus, e nem aqueles que em algo crêem, mas que discordam da igreja, pois, de fato; igreja é um assunto controverso demais, até mesmo para os mais estudiosos e astutos teólogos.  Por outro lado, não deixo de participar, não deixo de achar importante a existência da igreja na minha vida, na minha caminhada de fé.

Entretanto, vejo no desenvolvimento de certas igrejas (principalmente as evangélicas) no Brasil, um sério problema, que vem da forma midiática e um tanto quanto mercantilista que se aproxima, todas as vezes que vemos empresários em crise dissiparem sua fortuna e obrigando-se a vender antigos prédios de supermercado, salas de cinema, auditórios e espaços na programação de televisão, para sedentos pastores e líderes religiosos, que na ganância de arrecadarem milhares de dízimos, ofertas, contribuições ou lucros de anunciantes, transformam as igrejas em verdadeiros balcões de negócio. Em outro capítulo da Bíblia, observa-se em I Timóteo 6:10: "Porque o amor ao dinheiro é a raiz de toda a espécie de males; e nessa cobiça alguns se desviaram da fé, e se traspassaram a si mesmos com muitas dores." Ao ler isso me preocupo, porque vejo que alguns de nossos líderes religiosos correm o risco de se perder entre os cifrões da renda obtida com todo um mercado gospel que vem a surgir. E a figura de Cristo ou as mensagens do Evangelho passam a servir como propaganda em canecos, camisetas, chaveiros, adesivos para carro, CDs e DVDs, como numa imensa loja de departamentos pentecostal, um grande shopping da fé, uma verdadeira praça de alimentação de produtos religiosos. Fé Demais não Cheira Bem, é uma interessante comédia dos anos oitenta, com o ator Steve Martin, interpretando um pastor caça-níqueis, e é nisso que tenho medo que muitas de nossas igrejas se transformem; no momento em que assumirem a ponta da programação em nossos canais de televisão.

Sai de cena Silvio Santos, gritando no meio do auditório, num corredor repleto de moças e senhoras de idade, com braços levantados: "Quem quer dinheiroooo???"; e entra R. R. Soares, com sua pregação: "Quem quer uma benção? Quem quer salvação?". O modus operandi é diferente, mas o lucro é o mesmo, na conta dos anunciantes. Imagino o Bispo Edir Macedo, após sucessivas prisões e libertações pela Justiça brasileira sorrir triunfante, após os tribunais firmarem jurisprudência de que líderes religiosos não podem mais ser presos como estelionatários, levando-se em conta que além da liberdade de religião, ninguém pode argumentar que foi enganado ou ludibriado por um discurso de fé, se sabe que pode estar sendo iludido por um discurso que é religioso, e não racional. As promessas do mundo de Deus, vendidas como se fossem carnês da felicidade, diferem das promessas do mundo, palpáveis e passíveis de cobrança como uma promissória; mas mesmo assim continuam sendo promessas. Para mim, o problema do lucro ávido de certas igrejas não é caso de polícia, não é um problema criminal, mas sim uma questão de ética, de bom senso religioso e de respeito a valores tão difundidos por diversas religiões: como a solidariedade, a piedade, a luta pela justiça e a compaixão pelos mais fracos. Espero que muitos não se afastem da fé, incrédulos, revoltados, decepcionados, tão somente por achar que Deus vendeu um peixe caro demais para se conquistar. Fé não é contrato, e oro para que muitos dos que se dizem pastores de ovelhas desgarradas, não contribuam para que elas fiquem ainda mais perdidas, porque eles mesmo não reconhecem o quanto pecaram contra seu próprio compromisso religioso.


Paz aos homens de boa vontade, e se liguem senhores pastores, supostos donos da verdade e da sabedoria. Se acreditam mesmo em Deus, não estraguem tudo, como se fosse apenas um negócio a se realizar. Que Deus tenha piedade deles!

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