Ontem foi o último show de Paul McCartney no Brasil, e, infelizmente, não estive presente pessoalmente para assistir. Eu já pensava em ter escrito sobre isso antes da realização dos seus shows (um, em Porto Alegre e dois em São Paulo), mas minha agenda atribulada, os afazeres profissionais, pessoais e acadêmicos acabaram me afastando por uns dias dessa blogosfera, e de um de meus mais diletantes e agradáveis momentos: o prazer de escrever. Passei o mês inteiro de outubro escrevendo sobre eleições, exercitando meu dever civico; mas, até que enfim, podemos escrever e debater sobre assuntos mais saudáveis e agradáveis. Afinal, música é tudo para mim!Música não é só arte ou cultura! Música é prazer!Música é saúde e vida!
E para mim algo tão saudável e prazeroso quanto o beijo da mulher amada ou a delícia do gosto saboroso da comida predileta, trata-se de ouvir boa música, divina, de qualidade. Nesse sentido, Paul McCartney e o antológico grupo de que fez parte (nem precisa dizer qual) são a mais completa expressão do prazer que é a música, tendo em vista que até hoje, artistas como sir McCartney fizeram da música a sua vida. Muitos críticos entendem que o ex-Beatle é um músico tão completo, que chego a compará-lo com uma espécie de "Tom Jobim britânico". A terra que fundou o futebol, de clubes como o Chelsea, Manchester United e Arsenal; da língua mais falada no planeta; do clima chuvoso e cinzento; de seus reis, rainhas e princesas; da torre do relógio Big Ben; do chá das cinco; de Mary Poppins e Harry Potter, também é a terra do rock: dos Beatles, Rolling Stones, Zeppelin, The Who e tudo de bom que você possa encontrar na história da música popular. Mas também é o berço de gênios como James Paul McCartney.
Não gosto tanto dos Beatles quanto dos Stones, confesso, mas como toda pessoa com um mínimo de neurônios na cabeça ou que sentiu o gosto (ruim e bom) da civilização, já escutou e curtiu alguma música do grupo; mesmo sem entender a letra. Digo isso porque já conheci cidades do interior, em regiões onde ninguém nunca tinha ouvido falar na banda de Paul, John, George e Ringo, mas quando tocava alguma música dos Beatles, logo o povão associava aquele som à festa, curtição e rock and roll. É uma sonoridade que conseguiu se globalizar e passar de geração para geração. Em seu envelhecimento, Paul McCartney conseguiu acompanhar a evolução de seu público e se tornou também o músico virtuoso e excepcional que sempre foi, só que mais amadurecido com o decorrer do tempo. Paul não se tornou mais do que os Beatles, mas se tornou simplesmente Paul!
Compreendo piamente os devotados fãs dos Beatles, que se acotovelaram aos milhares dentro do estádio do Morumbi, vivendo o momento sabático de escutar seu grande ídolo cantando músicas de seu extinto grupo. Admiro isso. Entretanto, na trajetória de McCartney estimo muito mais seus bons trabalhos solo, especialmente da época de sua também antologica banda, Wings, para dizer que Paul conseguiu se virar muito bem, após sua saída dos Beatles, e assim como sua cara-metade John Lennon, Paul galgou o panteão dos melhores músicos da história, fazendo um som completo, de extrema sensibilidade e criatividade, sem se perder no ganho fácil de viver ganhando uns trocados, apenas fazendo shows, reciclando material antigo. Li em recente reportagem, na revista Rolling Stone, a afirmação de que se Paul cobrasse cada assinatura sua que dá a um fã, por até mil dólares, ele passaria o resto da vida vivendo só de autógrafos. Mas não foi isso que ele desejou. Paul McCartney ainda tinha muito a mostrar após os Beatles.
Paul conseguiu se reinventar após o fim dos Beatles e provou que Paul McCartney era e ao mesmo tempo não era os Beatles. Assim como seu parceiro John Lennon trilhou outros caminhos, e o mais reservado George Harrison também colheu seus êxitos de carreira solo, McCartney não se acomodou com a ressaca dos Beatles e foi explorar novas sonoridades, acompanhado de sua primeira (e falecida) mulher, Linda, montando os Wings. Através desse grupo, Paul marcou os anos setenta (pra mim, ainda hoje os melhores anos em termos de rock e música popular) com sua nova banda e através dela gravou um dos álbuns que ficou para a história da música: o famoso disco Band on the Run.
Nos anos oitenta, assim como muitos outros artistas, Paul McCartney se rendeu à música pop, gravando canções com Michael Jackson e lançando alguns discos com qualidade duvidosa. Porém, é inquestionável que nessa época o lendário ex-beatle lançou pérolas que até hoje ocupam as rádios, como Once Upon a Long Ago, No More Lonely Nights, My Brave Face e This One. Não obstante, foi nos anos 90 que Paul voltou à verve inspiradora que marcou sua carreira nos anos setenta, e fez discos mais conceituais e bem trabalhados; alguns rumando contra a maré do êxito comercial, em baladas mais complexas e intimistas, como nos discos Flaming Pie, Run Devil Run e Chaos and Criation in the Backyard. Talvez, naturalmente influenciado pela doença e posterior falecimento de câncer de sua primeira esposa, McCartney tornou-se um compositor mais intimista, apesar de nada amargo, que soube unir a experiência de tantos anos do carisma firmado em palcos, junto ao talento e genialidade em criar letras e canções inspiradas como Eleonor Rigby, Penny Lane e Fool on the Hill, de sua parceria com Lennon. É difícil imaginar o que teria acontecido se John ainda estivesse vivo, e como seria o mundo com esses dois músicos extraordinários esbanjando talento e vitalidade, como Paul ainda faz até hoje em seus shows.
Hoje em dia, em muitos segmentos alternativos de jovens músicos e na comunidade indie, interessada em música anticomercial mas de qualidade, os primeiros álbuns de Paul McCartney, do começo da década de 70, são considerados obras indispensáveis. Por isso que boa parte do séquito de Paul, nos dias atuais, não pode ser atribuída somente a fãs beatlemaníacos, mas sim também a ouvintes que souberam respeitar e admirar a música do velho músico de Liverpool, sem se apegar apenas às pieguices das músicas "estilo bailinho", dos primeiros discos dos Beatles. O "velho MacCa" é considerado um dos músicos mais completos do planeta, porque soube abrir o ouvido a velhas e novas sonoridades, sem perder sua marca registrada (baladas bem tocadas ao violão ou ao piano, com uma certa pegada folk, e uma indisfarçável influência bluezeira e do rockabilly) e seu inconfundível apelo rock'n roll.
Apesar daqueles que outrora quiseram matar o Paul (quem nunca ouviu falar de certa teoria conspiratória, havida na capa do disco dos Beatles, Sargent Pepper's, de 1967, que levante o dedo!) seja pessoalmente ou musicalmente, o cara soube manter o sucesso sem perder a humanidade. Deu-me uma indisfarçada admiração saber que, assim como outros personagens emblemáticos e que gravaram seu nome na história, apesar de ter sido conduzido à condição de nobre inglês, nomeado sir pela rainha da Inglaterra (um cavaleiro da Ordem Britânica), apesar dos títulos, Paul McCartney não esqueceu suas origens proletárias, de um working class hero, no estilo do nosso presidente Lula (aquele que vem de baixo, mas não se desliga do povão), e mesmo famoso não deixa de pegar sozinho seu metrô de vez em quando, nas ruas de Londres, ou mesmo de ser visto dentro de um ônibus, ganhando o espanto geral de gente que simplesmente não acredita que ele esteja nesses lugares, e que pensa se tratar apenas de uma brincadeira ou de um sósia. Afinal, seu parceiro John foi assassinado justamente por que costumava andar pelas ruas como um cidadão comum, dispensando guarda-costas ou limusines. Deve ser por isso, que mesmo com tanta fama, não se vê histórias de sir Paul ser incomodado por paparazzi. Paul McCartney é um dos artistas que prefere ser honrado e conhecido pelo seu trabalho, e não pelos escândalos ou fatos inusitados em sua vida privada ( a única exceção, deu-se nos últimos anos, com seu explosivo segundo casamento e posterior divórcio com a ex-modelo britânica, Heather Mills).
Por essas e outras que saúdo a passagem de Paul McCartney pelo Brasil, na sua segunda vinda ao país (e talvez a última, segundo a mídia se apressa em dizer, face a idade avançada do músico), e que, de fato, essa não seja a derradeira vez que os brasileiros possam ver uma lenda viva tocar e agitar a galera. Além de bom músico, do alto de seus 68 anos de idade, McCartney conseguiu provar que é possível envelhecer com dignidade. Fico me lembrando de umas das canções do célebre Sargent Pepper's, dos Beatles, na deliciosa música: When I'm Sixty - Four; quando, nos anos sessenta, um jovem McCartney já previa o futuro em doces versos: "Will you still nedd me? Will you still feed me? When I'm sixty-four?". Yes, Paul! Yes! Com 64, 68, 70 ou 80, nos ainda te amamos!!
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