Para quem não conhece o diretor, Marshall vem da leva de novos e bons cineastas que apareceram nos últimos anos, como Sam Raimi e Chistopher Nolan; só que o cara era mais conhecido por dirigir filmes de terror B (o cult movie Abismo do Medo é sua principal referência). A atmosfera sombria e acinzentada das películas desse diretor também pode ser vista em Centurião. Só que fora a fotografia mórbida e os jorros de sangue, mutilação e corpos massacrados na tela, podemos ver uma fascinante trama sobre um mistério histórico: o destino da 9ª Legião Romana, que desapareceu nas florestas da Caledônia (atual Escócia), aproximadamente no primeiro século depois de Cristo.
Segundo muitos historiadores (e em interessante reportagem na revista História Viva), a 9ª Legião Romana, ou IX Hispana, foi um dos mais efetivos exércitos que o Império Romano possuiu. Foi criada inicialmente pelo próprio Júlio César, e junto com as demais legiões, participou das mais emblemáticas campanhas militares que transformaram Roma de uma provinciana república para um cosmopolítico império. Para se ter uma ideia, a IX esteve presente na vitória dos romanos contra os bárbaros germânicos e era tida como infalível e invencível por muitos imperadores romanos. Os integrantes de seus batalhões (e isso é retratado no filme) consistiam num efetivo globalizado, com soldados vindos de todas as regiões do império. É esse exército formado por brancos, negros, mestiços, romanos da gema, assírios, numíbios, galeses e ibéricos, que vai enfrentar as frias e inexploradas colinas de um, até então, inóspito arquipélago, cheio de perigos e povos hostis que não queriam se deixar conquistar.
Ocorre que após se instalar na última província romana, a Britania (onde hoje é a Inglaterra), fortificada nas proximidades da região de York, após 120 d.C. ,a legião desapareceu, sumindo dos registros e dos livros dos historiadores oficiais. A história de seu desaparecimento continua mal contada, e algumas lendas dizem que este efetivo militar foi provavelmente destruído nas florestas da Caledônia, ao enfrentar o temido e selvagem povo local, os pictos, tribo altamente organizada de guerreiros que atacavam sob a forma de guerrilha, aproveitando-se do cenário local, e que conheciam muito bem a geografia acidentada, montanhosa e gélida do norte da Bretanha, nos longos e dolorosos invernos. Muitos acreditam que os soldados romanos da 9ª Legião tenham encontrado o sofrimento e a morte, dentro dos vales, florestas e penhascos que circulavam a antiga terra dos pictos.
É justamente sobre esse drama histórico que se desdobra a estória de Quintus Dias (interpretado pelo ator alemão, Michael Fassbender, visto em Bastardos Inglórios, de Quentin Tarantino), centurião romano, subcomandante de um destacamento situado na fronteira com a Caledônia, que além de falar o dialeto nativo, é um profundo conhecedor da cultura dos pictos. Dias vê seu próprio destacamento ser atacado e destruído pela ação fantasmagórica dos guerreiros pictos, e, capturado e levado a presença do rei picto, Golarcon, Dias acaba conseguindo escapar e encontra o general Titus Flavius Virilus (o ator Dominic West, ótimo), comandante da lendária 9ª Legião Romana, enviado a região pelo governador romano da Britania, Agrícola, e encarregado de sufocar com seus soldados a revolta dos pictos. Não demora a tardar para que o general Virilus descubra,da forma mais trágica, que a tarefa que lhe foi incumbida não foi das mais fáceis.
É aí que surge no filme a principal protagonista feminina. a guerreira picta Etain, interpretada pela bela e morena atriz e ex-modelo ucraniana, Olga Kurylenko (que pôde ser vista como a última bondie girl, do recente filme de 007, Quantum of Solace), que sintetiza bem o espírito do filme. Etain é uma guerreira fria e sanguinária, caçadora de sua tribo, que torturada pelos romanos na infância, ao ver sua família ser massacrada quando criança e tendo sua língua cortada para não denunciar as atrocidades dos invasores, ela agora só tem um objetivo: destroçar os romanos, cortando suas cabeças com sua habilidosa lança. Na verdade, tendo como pano de fundo um contexto histórico, o filme de Marshall quer até passar uma mensagem política interessante: por mais que se defenda um dos lados numa guerra, você está sempre do lado errado. A máxima é tão verdadeira quando se vê que na guerra sanguinária entre romanos e bárbaros, o maniqueísmo presumido entre uma potência imperialista que quer subjugar povos estrangeiros mais fracos, e a luta destes contra a opressão romana, cai por terra quando se percebe que ambos os lados do conflito tem seus interesses mesquinhos e seus próprios párias sociais (qualquer semelhança com o papel dos EUA hoje e a Guerra do Iraque, não é mera coincidência histórica). Tanto soldados romanos quanto guerreiros pictos acabam por descobrir, tristemente, que são apenas marionetes num teatro de guerra montado sob os interesses de grupos e oligarquias que querem conquistar ou manter o poder. Fora os clichês, típicos de qualquer filme de época, Centurião é uma boa diversão, como filme de aventura baseado num fato histórico, e retoma o charme de filmes de "espada, escudo e sandálias", ótimos para os aficcionados em história greco-romana.
Com uma proposta despretenciosa, vinda de um diretor mediano, ainda não consagrado, Centurião parece ser uma ótima opção pra quem gosta de ir ao cinema, assistir um bom filme de aventura e com uma estória, no mínimo, interessante. Como diz o personagem Quintus Dias no começo do filme:"Eu sou Quintus Dias, centurião romano, é isso não é nem o começo, nem o fim de minha estória". Um bom divertimento!
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