segunda-feira, 8 de agosto de 2011

CINEMA: Em "Gainsbourg" o hino à vida é hedonista,mesmo que isso custe um pulmão!

Serge Gainsbourg (1928-1991) era um cantor e compositor francês, mais conhecido internacionalmente pela canção Je t'aime...... moi non plus que até hoje é trilha sonora de muitos shows de strip tease ou quartos de motel do mundo inteiro. Confesso que até saber do filme que conta sua história, eu não sabia nada sobre a obra e existência desse artista, a não ser que ele é pai da talentosa atriz e cantora francesa Charlotte Gainsbourg, conhecida pelos filmes de Lars Von Trier: Anticristo (de 2009, onde ela atuou com William Dafoe) e o mais recente Melancolia, ainda a estrear nos cinemas brasileiros.

Pois através do filme "Gainsbourg:o homem que amava as mulheres" (Gainsbourg-Vie Heroique), dirigido por  Johan Sfar, ficamos sabendo da vida, da obra e das mulheres de um dos maiores compositores populares da Europa, da segunda metade do século XX. Ele chegou a ser considerado uma lenda na cultura francesa, tanto quanto os brioches, queijos ou vinhos franceses, além de ser considerado um dos artistas mais mulherengos de sua geração. Porém, não obstante sua fama de "pegador", o que mais me interessou, no personagem interpretado pelo ator francês Eric Elmosnino, foi a personalidade única de um sujeito que nunca pensou ter chegado tão longe quanto chegou, e que, diante da fortuna, portou-se como um afortunado hedonista, um homem que fumou, bebeu e transou muito, como se, ao ligar um fuck you para o estabilishiment, ele quisesse dar o seguinte recado: "já que cheguei até aqui, vocês vão ter que me engolir".

O filme demonstra que na história de Gainsbourg, o cara tinha tudo pra ser um mero zero à esquerda. Nascido Lucien Ginzburg, oriundo de uma família de judeus russos imigrados para a França, vemos numa Paris ocupada pelos nazistas, o pequeno menino Lucien brincando entre soldados e militantes da resistência francesa, alheio ao conflito mundial que destruiria a Europa e chacinaria os judeus, rodeado de seus amigos imaginários e fantasias, entre aulas de piano que já detestava, e as fugas para fora da cidade nas gazeadas do colégio, para poder acender um cigarrinho entre as árvores dos bosques vizinhos, enquanto desenhava suas musas e fantasias. O filme é rodeado de um certo realismo fantástico e um clima de historia em quadrinhos ao mostrar os fantasmas ou alteregos do cantor, seja durante a infância quando é perseguido pela imagem de um boneco gigante de um judeu gordo, em formato de círculo, quando é criança; ou quando, já adulto, faz contato com a imagem de seu outro eu,  já famoso (na verdade, um boneco de papelão com nariz, orelhas e mãos enormes, retratando o cantor, na visão dele mesmo).


Um sujeito feio, narigudo, magricelo, com orelhas de abano e fumante inveterado, foi visitado pela sorte e pela fortuna desde quando largou os estudos de belas artes e seguiu carreira como músico, levando para bares os conhecimentos de piano adquiridos durante a infância, treinado rigidamente por um pai que sonhava ter um filho pianista clássico. Gainsbourg saiu dos botecos parisienses para as altas rodas dos compositores franceses, para teatros lotados, cassinos e direto para as rádios e gravadoras, não apenas mudando de nome, adotando o apelido Serge (mais adequado à visão estética de requinte que queria ter de seu trabalho) no lugar do simplório nome de batismo, mas também mudando de estilo, mesclando diversos elementos da música popular. No começo da carreira, Gainsbourg flertou com o jazz, o blues e a bossa nova, vindo posteriormente a se firmar como um cantor de música romântica, com sua voz grave e meio rouca, até aderir ao rock, à psicodelia e à guitarra elétrica na década de 70, mas sem descuidar da sonoridade de seu original pianinho. Na década de 80, o cantor ainda viajaria para o Caribe, num autoexílio após uma década de excessos e sucessivas desilusões amorosas, juntando-se com músicos jamaicanos e produzindo músicas com uma linha voltada para o reggae (sua versão em ritmo de reggae da Marseillaise, hino da França, gerou protestos violentos e quase provocou quebra-quebras e conflitos de rua  na França). Pois é, o cara era conhecido pelo ecletismo e pela excentricidade nas suas canções. Uma mistura de Frank Zappa, Mick Jagger e Reginaldo Rossi.

Apesar da feíura, Gainsbourg conseguiu encarnar aquele tipo de homem que compensa a falta de beleza física com um charme irresistível do chamado "come quieto", com seus ares de discreta elegância e uma certa dose de machismo dosado, sem perder o cavalheirismo. Pela cama do rapaz passaram algumas das mulheres mais belas do mundo, tendo ele tido um tórrido romance com Brigitte Bardot (interpretada no filme pela ex-modelo e atriz Laeticia Casta) , o que escandalizou a sociedade francesa da época, uma vez que se tratava de uma mulher casada (no caso, o sorteado que levou um belo par de chifres era o cineasta francês, Roger Vadim). Além de Bardot, Serge Gainsbourg teve um sólido relacionamento com a atriz inglesa Jane Birkin (interpretada no filme pela linda atriz britânica Lucy Gordon, que, infelizmente, após o filme se matou, aos 28 anos, em Paris. Que desperdício!), com quem manteve um relacionamento de 13 anos, o que lhe rendeu duas filhas. Além de nutrir uma paixão pelas mulheres, Gainsbourg era fumante compulsivo, um adepto incontrolável da nicotina, com seu cigarrinho ao seu lado, como uma muleta eterna no canto da boca, além de um copo de uísque em uma das mãos. Com a outra mão o cantor ou alisava os cabelos de alguma bela dama ou empunhava um microfone, cantando algumas pérolas do cancioneiro popular francês.

Se Charles Aznavour, para muitos, é considerado uma espécie de "Roberto Carlos da França", Serge Gainsbourg era seu vice-rei, ou um Wilson Simonal branco que acabou virando Raul Seixas. Metáforas e comparações à parte, a verdade é que a obra de Gainsbourg é considerada hoje uma referência para muitos estudiosos de música popular, ou para quem simplesmente gosta de uma boa música cantanda em francês. Foi no sentido de chocar e aproveitar a onda da revolução sexual que explodia no final da década de 60, que Gainsbourg compôs seu maior clássico, Je t'aime... moi non plus, com seus gritos e sussuros no decorrer da música, entre a voz dele cantando e a de sua ex-esposa, Jane Birkin, numa canção que pode ser vista hoje como brega, mas que, na minha infância, consistia num hino de acasalmento essencial pra quem queria viver uma grande noite de amor. Entre seus drinques, idas ao hospital pelos excessos de álcool e tabaco ou pelo sexo frenético, mas romanticamente intenso que viveu com todas as suas amantes, Serge Gainsbourg entra no panteão daqueles que, por amar demais, não puderam amar uma só, tal como Vinícius de Moraes, Marcelo Mastroiani ou Pablo Picasso, ou por amarem demais a si mesmos não puderam viver na plenitude o amor, num pleno culto narcísico de um narcisismo que, para os feios mas charmosos só faz bem, ao invés de aniquilar a alma. Au revoir, mon ami Serge!!

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