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(retirado de ujs.org.br) |
Gostei muito de uma recente mensagem publicada pelo apresentador Marcelo Tas, líder da equipe do programa CQC da Band, no twitter, que dizia assim: "Sou a favor das cotas raciais com uma condição:se em breve a gente se envergonhar de um dia ter precisado delas". O twett de Tas repercutiu na internet com muitas mensagens favoráveis e contrárias às cotas, como deveria ser, numa discussão com ares apaixonados que vira e mexe acontece no Brasil sobre temas polêmicos. É comum encontrar pessoas discutindo abertamente os prós e os contras das cotas em mesas de bar, no ambiente familiar, nas salas de aula ou em redes sociais na
web, questionando a adoção do modelo baseado em uma forma de discriminação positiva, por motivos de raça; principalmente quando são realizados exames para o ingresso em universidades públicas.
Em recente decisão histórica, o Supremo Tribunal Federal, através de seus ministros, votou de forma unânime sobre a constitucionalidade das cotas raciais, através do julgamento de uma ação de ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) movida pelo Partido Democratas, que considerava inconstitucional a adoção do regime de cotas na Universidade de Brasília (UNB) por afrontar o princípio constitucional da igualdade. A base do argumento da parte autora no processo contra as cotas foi a de que num país de mestiços, estabelecer regras discriminatórias, privilegiando uma determinada etnia ou cor em prejuízo de outra, afrontaria o princípio de que "todos são iguais perante a lei", celebrado pelo art. 5º da Constituição, tão defendido pelo pensamento liberal clássico, ou pelos conservadores de linha tradicional.
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O professor Demétrio Magnoli é um dos célebres
adversários do regime de cotas raciais nas universidades.
(retirado de g1.com.br) |
É importante salientar como o argumento da igualdade formal, prevista em lei, superior à igualdade de raça, tem suas bases no pensamento liberal, no Brasil defendido tão ardentemente pela Nova Direita, que tinha nos partidos políticos a figura de, um agora defenestrado, deputado Demóstenes Torres (um dos autores da ação judicial que tramitou no STF) e na intelectualidade, representado o neoliberalismo anticotas na academia, por pensadores como o professor e geógrafo Demétrio Magnoli. Este último, inclusive, é autor de um interessante, mas polêmico livro:
O Mundo em Desordem: Liberdade X Igualdade, em que, baseado em seus fundamentos neoliberais, contraria os defensores das políticas de cotas raciais, reforçando Magnoli a cartilha do liberalismo acerca do direito à liberdade e o culto à iniciativa própria como forma de obter ascensão social. Magnoli reedita Gilberto Freyre, para quem a intensa mestiçagem de nosso povo faz desaparecer as diferenças de raça, passando todos os que residem no território nacional a serem chamados simplesmente de.... brasileiros!
Contrariamente ao que pensa Magnoli, Ronald Dworkin, célebre filósofo do direito norte-americano, já falava das características do sistema de cotas no direito dos Estados Unidos, em seu livro
Levando os Direitos a Sério (Ed. Martins Fontes), onde ele discorre sobre o fundamento jurídico das políticas compensatórias, também chamadas de "ações afirmativas", de caráter transitório, que visam equilibrar o que se encontra desequilibrado. O atual presidente Barack Obama, afrodescendente, é um autêntico representante desse sistema, que teve seus primórdios na década de sessenta, com os imensos movimentos dos direitos civis nos EUA, liderados por Martin Luther King e várias outras personalidades da política, da cultura e do direito.
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(retirado de rogatavenia.blogspot.com) |
O sistema de cotas não serve para cristalizar uma situação de desigualdade, onde negros assumem o lugar dos brancos indefinidamente, devido ao tempo histórico de escravidão negra e supremacia branca que relegou aos negros séculos de subordinação. Na verdade a medida serve apenas para equilibrar a balança de direitos, garantindo o acesso daqueles que tiveram seu acesso negado por tanto tempo, justamente por motivos de discriminação racial. Quem discordar de mim é só verificar dados levantados pelas Nações Unidas e não pelo governo brasileiro ou pelos movimentos defensores das cotas, afirmando que somente no Brasil, cerca de 70% da população mais pobre é comprovadamente da cor negra, enquanto que de cada quatro brasileiros pertencentes aos 10% mais ricos do pais, três são brancos. É só se verificar na presidência das grandes empresas nacionais quantos negros existem nos postos de comando, ou mesmo na propaganda dos bancos privados, quantos modelos da cor negra são utilizados em suas propagandas. A Caixa Econômica Federal chegou a dar a mancada histórica de exibir um vídeo comercial do banco (rapidamente tirado de circulação) em comemoração ao aniversário da instituição, apresentando um Machado de Assis branco, quando todo estudante do ensino médio, hoje, sabe que o célebre fundador da Academia Brasileira de Letras era mulato. Além de nota zero em história, os dirigentes da CEF também manifestaram sua ignorãncia em questões raciais. Cotas neles!!
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(retirado de feraaa001.blogspot.com) |
As cotas são uma necessidade devido a uma injustiça histórica cometida contra os afrodescendentes no Brasil, relegados a tarefas braçais ou funções secundárias na sociedade brasileira pós-escravatura, que, estigmatizados, passaram a se acostumar à situação de subalternos, longe do ideal liberal defendido atualmente pelos defensores da Nova Direita, baseado tão somente no sucesso do mérito individual. É muito fácil para um teórico ou político neoliberal dizer que um jovem morador da periferia, da cor negra, pode conseguir melhores oportunidades de vida, trabalho e estudo tão somente por seu esforço pessoal, diante de uma avalanche de preconceitos que vão desde sua contratação em empresas privadas, até o fato de sofrer o risco diuturno de ser abordado na rua pela polícia. É bem verdade que muitos colegas queridos, que moram no sul do país, podem me dizer que, por conta da intensa imigração europeia para a região (principalmente de alemães e poloneses) é comum ver na zona rural ou mesmo na periferia dos centros urbanos, muitas pessoas assumidamente pobres vivendo com precárias condições de vida. Entretanto, apesar de saber que no campo encontramos muita gente simples e pobre de pele alva, vivendo com míseros trocados no bolso, também desafio a encontrar qualquer loiro de olhos azuis chafurdando comida dentro de lixões, como a legião gigantesca de excluídos, negros e pardos, que lotam a periferia urbana deste país.
As cotas raciais são uma realidade no Brasil e por mais que seus críticos elejam a meritocracia e torçam o nariz para elas, tentando convencer Deus e o mundo o quanto é injusto ou irracional deixar que um negro ocupe um lugar de um branco num processo seletivo, tão somente por sua cor de pele (como se isso fosse possível), a verdade é que o racismo na sociedade brasileira existe, e é mesquinhamente velado, a todo momento em que os poucos negros e pardos que ascendem socialmente "embranquecem" num passe de mágica, quando passam a ser tratados como doutores.
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(retirado de umhistoriador.wordpress.com) |
É muito comum nas regiões do Norte e Nordeste do país, cidadãos negros de certo status social preferirem ser chamados de "morenos", do que ser reconhecidos como pretos ou mulatos. O emprego do adjetivo "nêgo" ou "nêga", ainda é visto em seu tom pejorativo e é muito usado nessas regiões como forma de zombaria ou parte do anedotário nacional. Quem não se lembra das referências raciais de Monteiro Lobato, com sua personagem Tia Anastácia nas estórias do
Sítio do Pica-pau Amarelo, ou da música do ex-comediante (agora deputado) Tiririca, na música que foi tirada das rádios mediante ação judicial, em que numa de suas singelas estrofes dizia "Essa nêga fede...."?! Ir de encontro às cotas raciais e ir contra um Brasil que se assume, reconhecidamente omisso em seu passado no tocante à inclusão racial, mas que agora procura retomar o bonde da história, agregando aqueles que merecem (e devem) ser incluídos, em respeito à tonalidade de sua pele, não porque sejam melhores ou superiores, mas sim porque são reconhecidos dessa forma como detentores de direitos, tão reconhecidos que asseguram, inclusive, vagas nas universidades por força de lei (e agora, por decisão dos tribunais). Sou plenamente favorável às cotas, como acadêmico, professor e cidadão afrodescendente, mas também por louvar a trajetória histórica de mitos como Zumbi dos Palmares, que na época dos quilombos queria tão e simplesmente que seu povo tivesse paz e uma terra para viver. Como diz a música do Caetano, se for para contestar intelectuais como Magnoli e todo um séquito leitor da revista
Veja que é contrário às cotas, canto com um sorriso aberto o refrão: "Eu sou neguinha..........!!!".
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