quinta-feira, 19 de abril de 2012

FILME: " Machine Gun Preacher" combina religiosidade, guerra e responsabilidade social.

Sam Childers: de ex-viciado em drogas
a uma espécie de "Rambo africano"
a serviço de Deus.
Sam Childers é um ex-viciado em drogas e álcool, ex-traficante  e ex-presidiário que um belo dia, entre suas perambulações em cima de uma Harley Davidson, descobriu Jesus, virou construtor, montou uma igreja para motoqueiros, junkies e prostitutas redimidos, que se batizam ao som de Livin on The Edge da banda de rock Aerosmith, e se tornou um dos pastores mais controversos de uma pequena igreja neopentecostal norte-americana, situada na Pensilvânia,  nos confins dos Estados Unidos. E é nos confins da África, que do alto de seu corpanzil musculoso de ex-integrante de gangues, bigode a la Village People, apresentando um rosto sério e másculo, quase amedrontador, que Childers prega a palavra de Deus tanto quanto dispara tiros de sua coleção de armas, usadas principalmente contra criminosos de guerra na selva africana. Uma história como essa só poderia render filme, bem no estilo hollywoodiano. É é no clima do cinemão americano que vemos a adaptação para o cinema da vida de Childers, numa mistura de Rambo com Hotel Ruanda.




Hoje enfraquecido politicamente, o criminoso
de guerra Joseph Kony é uma das faces
do terror na África.
A história de Childers é contada pelo  filme Redenção (Machine Gun Preacher), dirigido por Marc Forster,  que mistura filme de ação com drama religioso. Através do ator escocês Gerard Butler ( o eterno rei Leônidas, de 300), vemos como um ex-criminoso tornou-se o popular "Pastor Metralhadora", dedicando sua vida a proteger crianças orfãs, vítimas da guerra no Sudão, trocando tiros na selva africana contra guerrilheiros e mercenários. É nesse cenário desolador que vemos um homem que conviveu com a violência a vida inteira, tentando buscar redenção através da fé, voltando-se para esta mesma violência, na qualidade agora de um "lobo pecador atrás de outros lobos", como o polêmico religioso prega em sua igreja na Pensilvânia. Na primeira cena do filme, vemos cenas fortes de uma aldeia sendo destruída no meio da noite, por ensandecidos soldados, matando os adultos a golpes de machete ou tiros de metralhadora, enquanto as crianças sobreviventes, com idade suficiente para empunhar um fuzil, são recrutadas para compor o sanguinário LRA (Lord Resistance Army), o exército de resistência liderado pelo criminoso de guerra, Joseph Kony, procurado internacionalmente, que aterroriza o sul do Sudão e que já ensejou a criação de centenas de ONGs e movimentos humanitários que denunciam os seus crimes e pedem  sua cabeça.

O filme em si não é uma obra-prima, e parece que seu formato é realmente mais adequado para home video, tendo em vista que no Brasil o filme foi distribuído diretamente para DVD e Bluray. Não obstante o conteúdo meio simplório do enredo e atuação em maior parte modesta de seus personagens, Machine Gun Preacher é um bom filme, e só não emociona profundamente quem o assiste porque já estamos acostumados a ver cenas trágicas de genocídio, exploradas à exaustão no cinema, seja em filmes que retratam o holocausto judaico, seja em películas como Hotel Ruanda ou Diamante de Sangue, que também tratam dos sangrentos e irracionais conflitos tribais nos países africanos. É interessante ver na interpretação de Butler como um sujeito meio caipira, da classe média baixa norte-americana, deslocou todas as suas ansiedades, amarguras e incertezas, outrora voltadas para a bebida e para as drogas, para uma dedicação a uma causa, que ele considerou sagrada. Certas pessoas necessitam disso, e abraçam uma religiosidade mais como uma forma de lidar com seus demônios do que fugir deles. Psicologicamente falando, é como se os demônios internos de Sam Childers fossem exteriorizados na figura humana e diabólica dos criminosos sanguinários da África central, como Kony e seu bando armado de soldados assassinos. Nesse sentido, o personagem de Machine Gun Preacher saí da posição de pecador, largado na sarjeta, para incorporar a imagem de um cruzado. E muitos pecadores convertem-se na fé cristã encarando suas vidas como uma cruzada a serviço de Deus.

Ulrich Zwinglio foi um dos líderes religiosos da Reforma Protestante na Suiça,  no século XVI, que ingressou em armas e lutou contra os imperadores católicos, em prol da sua fé, como capelão das tropas da Aliança Cristã de Zurique, vindo a morrer no campo de batalha. Assim como Zwinglio, religiosos como Sam Childers são capazes de entregar a própria vida a uma causa de fé que acreditam, por se considerarem numa missão divina e entenderem que vale à pena sacrificar a própria vida quando a alma não é pequena; principalmente se for em prol da justiça, pela segurança dos mais necessitados. Uma das ironias dessa estória é que o criminoso de guerra  Joseph Kony também iniciou sua jornada de lutas como líder religioso, iniciando um movimento de supostos guerrilheiros cristãos contra o governo majoritariamente islâmico do norte do Sudão, acabando por se tornar um déspota. Childers é alertado dos perigos da violência combatida se voltar contra sua própria violência, e recebe uma grande lição de moral no decorrer do filme, quando ele aprende que não pode deixar contaminar seu coração pelo veneno do ódio ou da vingança, numa das mais belas e comoventes cenas do filme (que eu não vou contar para não desapontar quem quer ver a película em vídeo).

Outro dos aspectos interessantes do filme é o drama familiar que se desdobra na difícil relação de Childers com sua esposa, Lynn (interpretada pela bela e talentosa atriz, Michele Monaghan) e sua filha. Ao mesmo tempo em que é um dedicado e fervoroso missionário, que constroi igrejas na África bem no meio de zonas de conflito, desafiando o exército de Kony, Sam Childers tem dificuldades em ser um pai de família normal, cuidando da filha única nos conflitos tão comuns de adolescência. O pastor guerreiro não teme se autodefinir como um pecador, uma alma perdida, mas é na busca de redenção tentando salvar almas inocentes, como as milhares de crianças africanas que são mortas anualmente nas guerras, minas terrestres, doenças e fome, que Childers busca sua humanidade, mesmo que à custa de seu casamento e da paternidade.

Redenção (no econômico e pouco criativo título do filme em português) é uma boa opção para quem ainda frequenta locadoras e quer ver o vídeo em casa, e pode servir também como tema de estudo em alguns saraus acadêmicos e debates teológicos. Ao final do filme podemos ver, nos créditos, os depoimentos do verdadeiro Childers, a rotina do pastor e de seus familiares, além do trabalho humanitário que ele realiza com suas crianças na África. Se não é propriamente uma obra de arte e nem um documentário, Machine Gun pode servir como um libelo panfletário de como não podemos nos esquecer das tragédias que abalam  o outro continente, tão ou até mesmo piores daquelas que vemos em nosso próprio país, com desocupações de Cracolândias, chacinas em favelas, e Pinheirinhos da vida. Independente da forma crítica e polêmica que possamos ver o trabalho realizado por religiosos como Childers, o que vale  é que estamos vendo alguém fazer alguma coisa, o que não deixa de ser muito importante.

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