segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

ODE A NIEMEYER: O brasileiro que tornou a arquitetura Pop



104 anos de vida e a história do Brasil construída pelas maõs.

104 anos. Fez 104 anos que um século de história do Brasil foi carregado por um único homem. Este homem era Oscar Niemeyer. Arquiteto de formação, artista por vocação. Se foi da vontade de Deus a construção de Brasília, a materialização dessa vontade se deu pelas mãos de um comunista militante e ateu convicto. Com a morte de Niemeyer, ocorrida na última quarta-feira, dia 05 de dezembro, segundo o que conversei com meu amigo arquiteto Luciano, professor da UFRN,  com a morte de Niemeyer vê-se o fim de um século de modernismo na arquitetura. Vamos ver o que vai rolar de novo a partir de agora, e o que de contemporâneo e inovador pode surgir nos dias de hoje. 

Durante um século a obra de Niemeyer foi referência no mundo inteiro, sendo ele responsável pelo desenho da sede das Nações Unidas, sediada em Nova York, nos Estados Unidos, ou de obras espalhadas pelo mundo, como na Espanha, Venezuela, França, Itália e Argélia. Niemeyer criou muito durante todos esses anos, e mesmo após completar cem anos de idade, não perdia a vitalidade e continuava encaminhando os seus projetos. Entretanto, sua realização mais incomparável foi, sem dúvida, a construção de Brasília.

Prédio do Congresso Nacional:Niemeyer tornou Brasília cult.
Brasília talvez seja a única capital de um país do mundo totalmente planejada, e submetida ao projeto arquitetônico de um só homem. Na verdade, contando com a parceria do urbanista Lúcio Costa, Oscar Niemeyer projetou Brasília em todos os seus contornos de uma metrópole futurista, com seus desenhos suaves em curvas e arcos, como que saindo de um filme de ficção científica. São suas as arcadas do Palácio da Alvorada, a sede do Congresso Nacional e a famosa Praça dos Três Poderes. O gênio da arquitetura brasileira era um seguidor fiel das escolas modernas de arquitetura, em especial da escola francesa, capitaneada por Le Corbusier. Assim como tinha um apego aos seus referencias teóricos na arquitetura, Niemeyer tinha uma paixão pela sua área diretamente proporcional a sua militância de esquerda. Na juventude, Niemeyer conheceu o célebre líder comunista, Luiz Carlos Prestes, na década de 40, e encantado com o antigo “Cavaleiro da Esperança”, filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro, donde nunca retirou a filiação. Até o final da vida, ele tecia severas críticas ao sistema capitalista e suas desigualdades sociais; não obstante, paradoxalmente, ter recebido tanto dinheiro e homenagens de governos onde imperava o capital que ele tanto insistia em denunciar. Por conta de suas obras, encomendas nos mais diversos países e nações, Niemeyer tornou-se um mito.

A catedral de Brasília, nos traços do velho Niemeyer.
Mas foi no Brasil, em sua própria pátria, que Niemeyer mais produziu. É possível encontrar em todo o território nacional, ao menos em alguma capital ou localidade, prédios e monumentos desenhados por ele, ou que receberam a sua colaboração. Foi assim no Sambódromo, na cidade do Rio de Janeiro, e no começo de Niterói, no Museu de Arte Contemporânea, em plena orla fluminense. Também são obras suas a Cidade Administrativa em Minas Gerais, a Catedral de Brasília e o Memorial da América Latina, em São Paulo. Até mesmo em pequenas capitais do Nordeste, como Natal/RN, é possível ver os traços de Niemeyer, no Parque da Cidade, num obra tristemente mal investida por parte do poder público local. Por todos esses lugares é possível até para os mais jovens, de tenra idade, reconhecer os traços famosos do arquiteto que deixa a notoriedade em vida para se tornar uma lenda, com sua morte. 

Niemeyer não esteve a salvo de críticas. Considerado excessivamente idealista por uns, que caçoavam de sua ideologia política e individualista por outros, que reclamavam de seus traços arquitetônicos, Niemeyer conseguiu, ao menos, ser um artista completo, reconhecido por seus admiradores e detratores como um dos profissionais mais influentes do século que já passou. Apesar da delicadeza das formas, as edificações desenhadas por Niemeyer requeriam muitas vezes uma estrutura pesada, complexa para muitos engenheiros e que cobrava um salgado investimento financeiro. Ele também foi criticado por investir muito mais em construções majestosas que funcionavam mais como esculturas, do que propriamente em locais habitáveis. De qualquer forma, o que é certo é que, após sua morte, poucos virão como ele, mas de grandes gênios a humanidade nunca pôde se inflacionar, não é mesmo?!
Museu de Arte de Niterói.Fotografado por mim em nov 2012.
É possível não somente nas universidades, nas faculdades de arquitetura, mas também nas escolas de arte, nos colégios e até mesmo no ensino básico, observar nas aulas de história algumas figuras desenhadas pelo célebre arquiteto, que nunca vão nos deixar esquecer de seu legado. Niemeyer era tão consagrado que, não obstante sua ideologia, nem mesmo os militares, em plena ditadura, conseguiram calá-lo. Na verdade, segundo relatos de seus amigos que vem à tona após sua morte, o governo militar tinha medo de Niemeyer, temendo a repercussão negativa no mundo inteiro, até no seu principal parceiro na época, os Estados Unidos, acerca da prisão do artista conhecido mundialmente. Se um homem de tal envergadura e prestígio era tão intocável, porque então Niemeyer não peitaria os militares? A mesma Brasília tomada por tanques, com o golpe de 64, foi a Brasília a comemorar a redemocratização, e com a multidão em festa, pedindo Diretas Já para Presidente, em 1984, ou na posse do primeiro presidente de origem operária, em 2003, lá estava Niemeyer, acompanhado de um séquito de amigos e fãs tão famosos quanto ele, como o cantor e compositor Chico Buarque, que lhe rendeu uma singela homenagem no dia de sua morte. Niemeyer era uma unanimidade, no que tange a sua contribuição para o Brasil.

A homenagem em formato de cartoon, do cartunista Galvão.
Talvez o que mais eu considere de interessante na obra de Niemeyer foi ele ter tirado a arquitetura do gueto acadêmico, tirando-lhe o ar de mero exercício da técnica ou ciência da construção, garantindo-lhe um status de arte. Com as peças e monumentos desenhados por ele, podemos hoje vislumbrar de longe esses prédios como verdadeiro deleito estético da pujança de largas construções que, desafiando a gravidade e as leis da matemática, conseguem se manter firmes, imunes ao tempo e destinadas a se eternizar durante anos, enquanto se preservar a memória da história de uma nação. Não só pelo futebol, mas pela arte de Niemeyer sinto-me mais brasileiro, identifico-me no mundo, genuinamente dotado de devido orgulho nacional, ao anunciar: o Oscar é nosso! Podemos não ter o Oscar do cinema, mas o Oscar da arquitetura mundial ficou conosco. Não foram pessoas ou governos que o retiraram de nosso convívio, e sim a longevidade do tempo, que assim como leva aqueles que não mais mereceriam permanecer aqui, também carrega aqueles que deveriam ficar. Oscar Niemeyer foi no seu tempo, após um século de muita vida a esbanjar com seu talento, um verdadeiro Pelé da arquitetura. Agora, só resta a nós relembrá-lo e saber que ele permanece eterno, em tudo o que construiu, ou ajudou a construir. O corpo é etéreo, mas a alma do grande artista tende a se solidificar a partir de suas grandes obras. Que seja assim eterno, Oscar Niemeyer!

Um comentário:

  1. A arquitetura brasileira atingiu repercussão internacional através dos projetos modernistas de Niemeyer e de diversos outros gênios da arquitetura. Criou-se um estilo próprio através de elementos peculiares que identificam o Brasil como um dos países onde o modernismo alcançou seu ápice,a realização máxima do ideário preconizado por idealistas num mundo então não pasteurizado pelos estilos guiados tão somente pelos business.
    Luciano Barbosa.

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