sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

POLÍTICA: A Cegueira Ideológica no caso do Mensalão

Hoje, ao abrir o jornal, deparei-me com a foto de uma jovem estudante de Direito em Brasília, segurando um cartaz em frente a um restaurante, criticando o jantar oferecido ontem, pela Juventude do PT do Distrito Federal, em apoio aos condenados do "Mensalão". O jantar tinha o objetivo de arrecadar recursos para o pagamento da multa estipulada aos réus, condenados pelo Supremo Tribunal Federal, em valores que chegam a quase dois mihões de reais. Para isso, foram vendidas senhas que variavam de 100 até 1.000 reais, e no jantar pôde se ver discursos acalorados de quem se aventurava ao microfone, defendendo a inocência de réus como José Dirceu (um dos principais acusados e considerado chefe da organização criminosa, que gerou o "Mensalão"), além de palavras de ordem, exortando o Partido dos Trabalhadores, e enaltecendo o passado dos réus, de combate à ditadura e busca da democracia no Brasil. 

(retirado de oglobo.com)
Indiferente a isso tudo, aos gestos inflamados de (parte) da militância partidária que ali se encontrava (cerca de 100 pessoas), a estudante Marília Gabriela de Farias colocou na parede do restaurante um singelo cartaz, em que dizia que se os presentes quisessem ajudar seus amigos condenados, que dividissem com eles a pena restritiva de liberdade. Felizmente, a jovem não foi acossada e nem agredida por nenhum dos militantes que se encontraram no local, que agiram educadamente. Mas, quando a moça se retirou, foi rápida a ação de um deles em retirar o cartaz recém-fixado, não antes que uma câmera dos avisados repórteres que presenciaram o jantar, pudesse marcar esse momento único de indignação e de manifestação legítima de uma cidadã, diante de um dos mais recentes escândalos que afetaram a história política nacional.

Na década de noventa do século passado, iniciou-se na Itália a chamada Operação Mãos Limpas, liderada pelo diligente juiz Antonio Di Pietro, visando combater a corrupção no meio político e empresarial italiano. Foram tantas as denúncias, processos, julgamentos, prisões de empresários e políticos e a renúncia de muitos deles, que alguns senadores do Partido Socialista, acusados de crimes, suicidaram-se ou ameaçaram se suicidar. A esquerda e a social-democracia italiana ficaram comprometidas para sempre com aquele episódio, mas nem por isso partidos históricos, como o Partido Comunista ou o Partido Democrático de Esquerda, deixaram de ter credibilidade e força eleitoral. A Itália já vivia uma democracia, e foi por meio do voto e do ambiente democrático que políticos corruptos e demagogos como Berlusconi chegaram ao poder, para depois serem derrubados; pois isso faz parte da democracia. Na esquerda, no cenário partidário, ninguém viu morrer o ideário socialista e nem as boas propostas e os bons projetos dos políticos e parlamentares que integravam os seus quadros. Soube-se separar o joio do trigo, e descobriu-se que em qualquer espectro político, seja de direita, esquerda ou de centro, havia bons e maus políticos. Por que é não poderia ser assim no Brasil?


O ministro Joaquim Barbosa: algoz dos reús do Mensalão.
Temos uma tradição que já remonta anos de exploração capitalista e o predomínio de regimes autoritários em nossa história política republicana, em que ser militante de esquerda e ingressar num partido político de origem operária e francamente socialista (como foram o PCB, o PC do B e o Partido dos Trabalhadores), parecia funcionar como um salvo-conduto de ética, honestidade, coragem e compromisso cívico com as causas da justiça social  no combate à desigualdade e distribuição de renda; como também era um convite para a perseguição politica e para uma injusta cadeia. Quem iria de encontro a essas bandeiras, que hoje já se encontram plenamente integradas na linha do politicamente correto, e iria questionar as injustiças que sofreram os militantes de esquerda na ditadura, em prol da volta à democracia no Brasil? Os militantes do passado, dentre eles Dirceu e José Genoíno, condenados no julgamento do STF, são protagonistas históricos de um passado situado no século XX, envolto na Guerra Fria, nas disputas ideológicas entre esquerda e direita, e vítimas de uma sangrenta ditadura militar. Ninguém questiona o passado desses homens e nem as privações que eles passaram, mas o que se questiona hoje, é se mesmo essas pessoas estariam imunes a uma legalidade do presente, num regime democrático atual, num Estado Democrático de Direito que esses senhores sempre lutaram e que agora conseguiram ver instaurado no Brasil. Lembremo-nos de que o relator do processo do Mensalão, o ministro Joaquim Barbosa,  primeiro afrodescendente a assumir a cadeira de chefe do Poder Judiciário brasileiro, foi indicado para o Supremo graças a uma recomendação de Dirceu, na época em que era o todo-poderoso ministro-chefe da Casa Civil, no Governo Lula. Na ocasião, Dirceu levou em conta a seriedade e o currículo de probidade do hoje célebre magistrado, permitindo-lhe ser o primeiro negro a ocupar a cúpula do Judiciário, como também o homem responsável por sua condenação. Quer paradoxo mais irônico do que esse, fruto de uma democracia conquistada por aqueles mesmos militantes de esquerda que combatiam a ditadura, que agora foram condenados pela Justiça de um Brasil democrático?

Dirceu e Genoíno:figuras históricas, mas não imunes.
Porém, parece-me que ao menos no PT, ou, leia-se, em parte do partido, não se compartilha do mesmo pensamento e nem se chega pela via da interpretação democrática da Constituição a essa mesma linha de convencimento. Pude ver há meses atrás, como pode ser grande a ignorância e paranoia de alguns militantes, acerca do antepetismo da imprensa nacional, tendo chegado às raias da loucura e da violência, quando um repórter do CQC foi agredido e xingado por bravateiros militantes do PT paulista, simpatizantes ou integrantes do grupo do deputado José Genoíno, que no segundo turno de votação das eleições para prefeito de São Paulo, no mês de novembro passado, quase atropelaram a equipe de reportagem da TV Bandeirantes, destruindo equipamentos, xingando os repórteres de torturadores, enquanto um enrrolado Genoíno só se fazia proteger por uma tropa de marmanjos e seguranças, sem encarar com hombridade os jornalistas, como outrora encarou os militares, ao ser preso no meio da mata, nos anos setenta, durante a Guerrilha do Araguaia. Cadê aquele Genoíno que me inspirava respeito nos anos de chumbo? Parece que as coisas mudam quando se trata de uma democracia, mesmo que construída imperfeitamente entre suas desigualdades, e que muitos, ainda acreditam, numa interpretação marxista, que se trata apenas de uma democracia de classe.

Sem querer entrar no debate ideológico tradicional da esquerda de ser ou não ser marxista, entendo que, independentemente de se defender ou não as ideias do genial filósofo e revolucionário alemão Karl Marx, creio que muitos irão concordar que vivemos tempos bem distintos daqueles enfrentados por antigos próceres da esquerda brasileira, como José Dirceu e José Genoíno, há quarenta anos atrás, quando enfretaram uma ditadura militar no Brasil. Aos réus do Mensalão foi assegurada a ampla defesa, prevista constitucionalmente, permitiu-se o contraditório, o processo durou quase dez longos anos até ser concluído, e todos os acusados se valeram dos melhores e mais bem pagos advogados do país, que até o ínicio do julgamento acreditavam na vitória e na inocência dos seus clientes. Alega-se que o julgamento foi comprometido pela intervenção da imprensa, mas quem, figura pública presente na política nacional de hoje em dia, está imune à publicidade e a notoriedade através da mídia, independente de seu partido ou filiação ideológica? Poderiam me dizem que se trata de perseguição, se ao menos o governo ou a estrutura do Estado não estivesse, atualmente, nas mãos do partido político e dos aliados da mesma legenda dos acusados no processo do Mensalão, mas não é o que acontece. Na verdade, enquanto militantes do PT, na crítica ao Mensalão, retomamos os nossos cacoetes de esquerda, voltamos ao esquerdismo infantilizado e doentio que criticava Lênin, nos idos da revolução bolchevique de 1917, e não conseguimos ver que males tão comuns à política burguesa, como o favorecimento ilegal ou atos de corrupção generalizada, podem também atingir políticos e representantes de esquerda. Para políticos como Dirceu, se não houve Mensalão algum, ao menos houve um erro de cálculo político, que nos dizeres do ex-presidente tucano, Fernando Henrique Cardoso, custou tristemente a reputação e a biografia de um homem, até então admirado até pelos seus adversários políticos. Os réus petistas do Mensalão acabaram por se render ao realpolitik, à tese do governismo a qualquer preço, e por isso, pagaram um preço muito alto, que custou mais do que os mandatos, os cargos públicos e uma temporada na prisão, custou toda uma credibilidade e respeito no âmbito da política brasileira.

 Não se pode dizer nem que os réus do processo do Mensalão não tivessem sido ouvidos pelos meios de comunicação, sem a oportunidade de expor sua versão. Em alguns periódicos alinhados com o governo, como a revista Carta Capital, ou com um pensamento critico e de esquerda, que destoa muito da imprensa reaçonária, como a Caros Amigos, pode-se ver que os petistas defensores de Dirceu e Genoíno não poderiam reclamar da falta de tratamento igualitário pela mídia. Até a revista Piauí, vendida pelo Grupo Abril, mas bem distinta da panfletária e antigovenista Veja, deu um espaço imenso em uma de suas edições, com mais de seis páginas, numa extensa reportagem sobre Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, e um dos primeiros envolvidos nas denúncias do Mensalão, expondo toda a sua tese de defesa, e a afirmação de que o Mensalão nunca existiu.

Apenas sei que no jantar em Brasília, de arrecadação de fundos para pagamento da multa imposta aos mensaleiros, não compareceu nenhum representante do diretório nacional do PT e nenhuma das estrelas do partido, ou políticos e parlamentares de grande representatividade na legenda. Parece-me que o partido está fragmentado, com diversas opiniões sobre o caso; mas a certeza que se firma é de que ninguém da bancada do PT no Congresso ou membros do governo da presidente Dilma Roussef, quer se meter no destino dos condenados no processo do Mensalão, deixando que os réus sejam entregues às feras da opinião pública nacional. Até o momento, não se viu qualquer manifestação ostensiva do governo ou qualquer intenção do Executivo de interferir numa decisão soberana da Justiça. Apenas, em nível interno, publicou-se documentos dentro do PT, questionando a decisão do STF (entendida como uma decisão política e não jurídica), assim como, no Congresso, através do Presidente da Câmara, deputado Marco Maia ( da mesma legenda de alguns dos réus condenados), o Parlamento manifestou-se pelo não cumprimento da decisão do Supremo, sem que o Poder Legislativo seja consultado, uma vez que, constitucionalmente, trata-se de uma questão de separação de poderes, e disso eu não questiono.

O que questiono é o fervor cego, quase religioso ou meio stalinista de alguns militantes componentes da claque de Genoíno ou do ex-ministro José Dirceu, na defesa desses réus condenados, e em sua fúria ensandecida de achar que ambos foram vitimas de um complô, efetuado pela mídia burguesa e pelas "forças ocultas" da direita do Brasil, encastelada no Judiciário brasileiro. Conheci pessoalmente essas pessoas, quando militei ativamente no PT em tempos passados, na juventude, mas nem por isso endeusei ninguém e nem achei que a figura desses combatentes da ditadura fosse isenta de erros e imune à críticas, pelo fato desses senhores já se tornarem personagens históricos. Acho, de fato, um exagero reunir militantes num jantar de apoio, para arrecadar fundos para pagamento de multas de réus condenados no processo do Mensalão, mas isso é direito de qualquer um, e cada um sabe o que fazer com seu dinheiro e suas doações. De mim, entretanto, eles não terão um centavo sequer, por uma questão de respeito à legalidade e de princípios. Porém, o que considero um problema é o culto à personalidade. Esse tipo de fenômeno na política, baseado num personalismo de esquerda, geralmente leva à viradas autoritárias, e isso me assusta muito! Se a nossa democracia é imperfeita, que não sejamos levados à imperfeição do fracasso autoritário ou populista por meio de stalinismos, maoísmos, castrimos, chavismos, lulismos ou outros "ismos", que podem levar a mais uma derrocada de um projeto de esquerda revolucionária no Brasil e na América Latina. Espero que, com seus militantes endiabrados, querendo desafiar a lei e o Judiciário fundados num Estado Democrático conquistado com tanta luta, não estejamos gerando um "Dirceusismo" ou um "Genuínismo", em prol da impunidade e da corrupção. Vade retro, isso!!

2 comentários:

  1. Concordo com a maioria dos seus argumentos. Mas acho que o STF inovou em alguns assuntos já firmados na Corte. Vide o desmembramento do processo; a aplicação da teoria do domínio do fato e o julgamento do mensalão antes do julgamento do chamado “mensalinho”. Também achei muito estranho o julgamento do núcleo político ocorrer exatamente nas vésperas da eleição (evidentemente que existiu aí uma pressão gigantesca da mídia).
    De qualquer forma, o STF não está amarrado ad eternum aos seus posicionamentos. A verdade, porém, é que o mensalão só poderá ser avaliado mais na frente, coisa de 10 anos. Aí sim será possível saber se se tratou de um julgamento de exceção (aplicação de teses inovadoras apenas nesse julgamento específico) ou se ele serviu de esteio para afirmar o Estado Democrático de Direito.
    Abraços fraternos!

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  2. Obrigado pelo comentário, Daniel. É bem verdade que somente após uma década saberemos realmente se o caso do Mensalão servirá para ilustrar aulas nos Cursos de Direito ou se será somente uma breve página na história, de mais um caso corriqueiro de corrupção, onde a pressão política valeu mais do que o Direito. Um abração!

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