quinta-feira, 7 de março de 2013

REST IN PEACE (Parte 1):Morreu Chorão, um dos ícones musicais da Geração Y brasileira.

Alguns sociólogos chamam de "Geração Y", todo aquele contingente de pessoas que nasceu após a década de 80 até o início da década de 90 do século passado (quem veio depois é chamado de Geração Z). Seriam pessoas que cresceram já na época da revolução tecnológica, do fim dos regimes totalitários em boa parte do mundo (principalmente na América Latina) e o término da Guerra Fria,  da abertura econômica e do progresso da informática, com o surgimento e predomínio da internet, dos aparelhos celulares e de toda uma inovação nos veículos de comunicação, até chegarmos aos tablets, I-pads e I-phones atuais. Enfim, é uma geração que presenciou a vivos olhos, enquanto crescia, o atual processo de globalização que vivemos.

Foi essa geração, em termos de música, anterior a dos meninos que nasceram no ano 2000 (mas que viu ainda criança a substituição do vinil pelo CD), quem presenciou a chegada do MP3, e que assistiu a consolidação de uma das bandas de rock nacional mais profícuas do período: o Charlie Brown Jr. Foi dessa banda, com nome de personagem de desenho animado, que ficou famoso e morreu hoje, aos 42 anos, seu vocalista, conhecido nacionalmente apenas como "Chorão". De origem humilde e com pouca instrução, o vocalista do Charlie Brown Jr. acabou se impondo como frontman, tornando-se um dos vocalistas mais requisitados em eventos da MTV, do canal Multishow e de outros meios de comunicação especializados em música. Eu não o considerava um bom letrista, e achava de uma simplicidade quase antropológica algumas rimas de letras das canções do Charlie Brown que Chorão compunha (afinal, quem é que me diz o que afinal é "tcharoladrão" da canção "Rubão", um dos primeiros hits dos primeiros discos da banda de rock santista). De qualquer forma, nos últimos dez anos percebi como a banda e seu vocalista evoluíram, buscando Chorão obter um som mais melódico e letras mais existencialistas e trabalhadas (muitas voltadas para reflexões sobre os sentimentos, experiências e o passado do vocalista). Com o Charlie Brown Jr., Chorão foi para a geração de adolescentes das décadas de 90 e 2000, o que Renato Russo foi para a geração da década anterior.

Alexandre Magno Abrão, o Chorão, foi encontrado morto na manhã de hoje, em seu apartamento, após um de seus seguranças estranhar a ausência do músico e a falta de movimento no local. Chamada a polícia, o delegado responsável pelo caso descartou a tese de suicídio, mas um pó branco encontrado no local sugere overdose de cocaína. Entretanto, apenas daqui há duas semanas saberemos efetivamente do que Chorão morreu, mediante laudo a ser fornecido pelo IML de São Paulo.

Chorão será velado no ginásio do Santos, clube da cidade de onde veio e pelo qual torceu a vida toda. Campeão de skate na juventude (daí o apelido Chorão, dos tempos em que reclamava das manobras mal feitas e tombos que tomava nas competições), ele entrou no mundo da música meio que por acaso. Sem dominar a técnica de qualquer instrumento musical, mas com muito carisma de palco e a facilidade para montar letras improvisadas, Chorão se apresentou no lugar do vocalista de outra banda, certo dia, em um barzinho em Santos, e daí veio a integrar posteriormente, com o amigo Champignon, uma das maiores bandas de rock brasileiro das últimas duas décadas. Foram ao todo dez álbuns do Charlie Brown Jr, e em todos, com formações diferentes de seus integrantes, Chorão permaneceu como vocalista, sendo reconhecido como a voz definitiva de uma banda que, assim como o Legião Urbana, com a morte de seu vocalista, deverá também se encerrar.

Eu, particularmente, não gostava muito do som do Charlie Brown. Tirando algumas letras, e algumas boas tiradas de seus dois primeiros discos, eu não via muita inovação, além de um rock meio punk, meio pop, muito parecido com outras bandas dos anos noventa, como o Green Day. Assim como a citada banda de Billy Armstrong, o Charlie Brown Jr. era um grupo com um líder carismático, um bom naipe de guitarras e capaz de estabelecer riffs e letras grudentas que reverberavam rapidamente pelas rádios. As músicas compostas por Chorão tocaram até em novelas da Rede Globo, e durante anos o hit "Te Levar" era cantado no início do famoso seriado Malhação. O Charlie Brown era uma banda que flertava bem com o marketing, e foi pelo marketing que Chorão e seus companheiros de banda foram criticados por outro grupo, tão cultuado quanto a banda paulista: os cariocas do Los Hermanos, liderados por seu eloquente vocalista, Marcelo Camelo. Diferente de Chorão, Camelo impunha uma visual mais universitário, intelectualizado e romântico a sua banda, montada com Rodrigo Amarante, que revelava influências de George Harrison e de Chico Buarque, e que explodiu nas rádios do Brasil (e do mundo todo), com a clássica canção "Ana Julia". Nada parecido com o rock  quase visceral, mas meio pasteurizado do Charlie Brown. Foi numa crítica de Camelo à banda rival, numa entrevista, em que dizia que sua banda não precisava fazer propaganda de refrigerante para mostrar estilo, que o cantor Chorão foi tomar satisfações com Camelo, na sala de espera de um aeroporto, em Fortaleza, dando-lhe um soco que virou manchete nacional. Por conta disso, Chorão foi processado e teve que pedir desculpas publicamente, além de ter de pagar indenização, por conta de seu temperamento explosivo. Na época, não se sabia que, por conta desse temperamento, Chorão ia acabar encontrando a morte.

Segundo as primeiras notícias, nos dias que antecederam a morte de Chorão ele andava bastante deprimido, meio paranoico face o consumo de álcool e outras drogas, tomando medicamentos, e reagindo mal à separação de sua ex-mulher, a estilista Graziela Gonçalves, que ocorreu no final do ano passado, após 15 anos de casamento. Segundo o que anunciou o delegado que investiga sua morte, ao ser encontrado revirado o apartamento, sem pistas de que alguém tivesse entrado, a suspeita é de que Chorão tenha entrado em surto, começado a destruir seus próprios pertences pessoais, enquanto vivia um delírio alucinado, até que seu coração não aguentou, vindo a falecer. A versão que predomina até o momento é que Chorão não "aguentou o tranco". Ele simplesmente não conseguiu lidar com seus próprios vícios, frustrações e fraquezas, e mesmo com tanta fama viu-se assolado por uma profunda tristeza e solidão. É muito triste ver mais uma velha história de um rock star que não consegue ficar em paz e acaba se destruindo.

Assim como Cazuza, Renato Russo e Cássia Eller, Chorão entra agora no panteão muito seleto das estrelas do rock nacional que sucumbiram cedo, envoltos na fama, mas também prisioneiros de seus próprios fantasmas internos, que os levaram de uma forma ou de outra, seja pela doença, seja pelas drogas, para a morte precoce. Chorão era um ídolo para a Geração Y, aquela que eu me referi no ínicio dessa postagem. Muitos jovens escutavam à exaustão suas músicas pelo rádio, internet ou por meio de clipes na MTV e não duvido nada que estejam escutando agora as músicas mais intimistas do Charlie Brown Jr., com lágrimas nos olhos. Eu respeito esse sentimento: o amor a um ídolo nem tanto por conta de sua pessoa, mas pelas coisas que ele canta; assim como me entristeci ao saber da morte de Renato Russo, há quase vinte anos atrás. Hoje, com a notícia da morte de Chorão, também fico resignado, mantendo uma solidariedade com os fãs do músico que se foi, rendendo-lhe, de certa forma uma homenagem, ao escrever sobre ele nestas linhas, reproduzindo, ao final, os versos de "Só os loucos sabem", uma das últimas canções de sucesso da banda, que tem tudo haver com o espírito poético e a busca do amor que o humilde Chorão queria imprimir no seu som:

"Eles dizem que é impossível encontrar o amor
Sem perder a razão
Mas pra quem tem pensamento forte
O impossível é só questão de opinião".

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