sexta-feira, 29 de março de 2013

MOVIMENTOS SOCIAIS: A grande sensação de 2013 é o Feliciano.

Protestos pela posse do deputado Feliciano.
Os movimentos sociais não estão felizes. O motivo dessa infelicidade é um jovem deputado, pastor evangélico, que tem felicidade no nome. Com toda uma balbúrdia como muito não se via no Congresso Nacional, Marco Feliciano tomou posse como presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

Sabe-se que, historicamente, a tradicional comissão parlamentar foi liderada por ex-presos políticos, representantes dos movimentos sociais ou por políticos antenados com as reivindicações de minorias, tais como negros, mulheres, homossexuais, estudantes e outras categorias sociais que costumam se mobilizar em torno da sociedade civil organizada. Acontece que no último dia 4 de março quem assumiu a presidência dessa comissão foi um pastor evangélico conservador, neopentecostal, dono de um discurso populista e com uma trajetória política duvidosa, egresso de uma legenda minúscula, de um partido da base do governo, chamado PSC (Partido Social Cristão). Foi desse partido que surgiu Feliciano, aproveitando-se de um eleitorado de mais de 200 mil evangélicos, elegendo-se com um discurso polêmico, com fortes conotações racistas e homofóbicas.

O polêmico parlamentar evangèlico conseguiu irritar "gregos e baianos".
Não demorou para que os movimentos sociais se insurgissem e fosse feito um grande barulho durante a posse do deputado, praticamente atravancando os trabalhos da comissão pela qual foi eleito. Segundo as regras da própria Câmara, era do PSC a vaga que cabia na comissão de direitos humanos, no momento em que se encerrava a gestão anterior, e Feliciano foi o indicado. Entretanto, assim que apareceram na imprensa e na internet, vídeos de uma pregação do deputado, como pastor de sua igreja, insultando os homossexuais, e uma polêmica declaração sua no twitter, dizendo que os negros da África tinham justificado seu sofrimento, por serem biblicamente filhos de Caim, isso foi suficiente para que se iniciasse um amplo movimento no Congresso para que o pastor renunciasse. O presidente da Câmara, o deputado Henrique Alves, do PMDB, sugeriu aos representantes do PSC que retirassem Marco Feliciano da presidência da comissão de direitos humanos; mas, respeitando-se uma decisão soberana de uma comissão da Casa, e alegando que o deputado Feliciano era "ficha limpa", o partido de Feliciano decidiu apoiá-lo e o polêmico parlamentar segue na comissão, para desgosto de muita gente.

Uma manifestação homoafetiva típica contra o deputado Feliciano.
Mas, por que se fez tanta celeuma e por que, inclusive, manifestantes foram presos por conta da posse de um deputado do perfil de Feliciano em uma das comissões da Câmara? Não existem outros parlamentares tão ou mais reaçonários do que ele? Entre seeus apoiadores, encontra-se o controvertido e sensacionalista deputado Jair Bolsonaro, inimigo declarado dos partidos de esquerda e de todo e qualquer movimento progressista, considerado um político de extrema-direita, saudoso da ditadura militar e uma das criaturais mais desagradáveis em termos de discurso, quando está com um microfone nas mãos. Em diversas entrevistas em programas de televisão, Marcos Feliciano posa de vítima, achando-se incompreendido, e como um pastor dirigindo-se para suas ovelhas eleitoras, Feliciano foca seu futuro político, ameaçando o governo da presidente Dilma Roussef, dizendo que, ao não apoiá-lo, as forças do governo correm o risco de perder votos no eleitorado evangélico. Bravata ou premonição? Valendo-se de uma vaidade extrema que chega até ao autoendeusamento, Marco Feliciano alega na TV que tem uma missão divina, e por isso foi levado até onde chegou. Ele chegou a emitir certo desdém pelo importante cargo de presidente da comissão a qual ocupa, dizendo que, antes dele, a Comissão de Direitos Humanos tinha pouca expressão dentro da Câmara. Vaidoso, carismático, arrogante ou demagogo, não se sabe bem quais epítetos cabem melhor no controverso parlamentar. Entretanto, sabe-se que até mesmo algumas instituições religiosas mais históricas, vinculadas aos movimentos progressistas, como a IECLB (Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil), publicaram manifesto, exibindo seu descontentamento com a posse de Feliciano no cargo que atualmente ocupa.

Ato contra Feliciano em Copacabana.
É bem verdade que, em nosso regime democrático, o Parlamento é um celeiro de ideias e um zoológico ideológico onde aparece todo tipo de indivíduo, representantivo de uma classe ou categoria social que o elegeu. Marcos Feliciano não é diferente. Ele representa hoje, é bem verdade, um tipico eleitorado conservador, urbano, de baixa ou  média escolaridade, refratário a determinados movimentos sociais, como os representativos de gays e lésbicas, ou outros movimentos de gênero ou raça, como o movimento de mulheres defensoras da legalização do aborto ou do movimento negro e das religiãos afrobrasileiras. Está aí o grande embate que torna o deputado-pastor tão indesejável na liderança de uma das comissões da Câmara. A capacidade para o diálogo, que se cobra extremamente em funções legislativas que envolvem uma articulação e abertura política para diversos setores da sociedade, praticamente é inexistente em parlamentares com o perfil de Feliciano. Como contar com apoio parlamentar para lutas como o combate a AIDS e as doenças sexualmente transmissíveis através da distribuição gratuita de preservativos pela Saúde Pública, se o presidente de uma comissão da Câmara que trata de direitos humanos (onde a saúde está incluída) é contrário ao sexo antes do casamento?  Como defender o apoio público à pesquisa científica e ao desenvolvimento de novos medicamentos no controle de doenças e superação de enferimidades, se importantes parlamentares são contrários às células-tronco, alegando motivos religiosos? Como garantir um lar a uma criança orfã, por meio da adoção por um casal do mesmo sexo, se deputados como Feliciano combatem fervorosamente o casamento gay e adoção de crianças por essas pessoas? O problema da manutenção do deputado Feliciano na presidência da comissão de direitos humanos é que  se trata de um caso clássico do homem errado no lugar errado. 

Por mais que seja lícita a regra que elegeu Feliciano, em prol de uma sociedade democrática, que respeita a convivência entre progressistas e reaçonários, nenhum parlamentar, governante ou membro do Poder Judiciário pode utilizar argumentos religiosos para exercer atos que exigem razões de Estado e não questões de fé. Existem diversas denonimações religiosas que pregam a completa abstinência de seus integrantes da política e outras que, ao contrário, estimulam até demais que seus membros disputem cargos públicos. É o caso das igrejas neopentecostais e de toda uma bancada que se elegeu confundindo o púlpito com o plenário, e de lá saíram deputados como Marco Feliciano. Na verdade, a atuação política desses parlamentares está muito distante de seus vínculos religiosos, uma vez que a fé é utilizada apenas como um pretexto, para dar dividendos eleitorais a determinados pastores e líderes religiosos. É transformando crentes em eleitorado que políticos como Feliciano surgem e crescem na política.

O problema é que a sociedade é  plural, multifacetada e seria, no mínimo, um viés altamente autoritário permitir que parlamentares como Feliciano obrigassem um Legislativo inteiro a ceder aos seus pontos de vista. Se o parlamento é um espaço para o diálogo, que se permita o diálogo público com a sociedade, onde ambas as partes (tanto os movimentos de contestação quanto o parlamentar envolvido nos protestos), cheguem a um denonimador comum; ou, ao menos a um certo nível de respeito, onde o debate democrático seja possível.

Lágrimas de crocodilo?Com os olhos marejados:e agora, Feliciano?
Acredito que os movimentos sociais exageram ao pedir a cabeça de Feliciano, assim como creio que estejam certos em protestar por um presidente de uma importantíssima comissão da Câmara mais adequado à relevância do tema que é explorado pela Comissão de Direitos Humanos, e que seja um parlamentar mais aberto ao diálogo. Por outro lado, creio também que, mesmo debaixo de tanta controvérsia, críticas e com tanta carga negativa contrária, políticos como Feliciano merecem o benefício da dúvida e ao menos uma chance de provar, por meio de uma atuação impecável na comissão, que seus detratores estão errados. Acho bem difícil essa última hipótese acontecer, mas defendo que seja dado um prazo pequeno para que o deputado Feliciano possa mostrar que conduzirá honradamente a citada comissão. Caso contrário, se Cristo ensinou o perdão, ao menos no caso do cristão Marco Feliciano, o coro dos descontentes não perdoa!

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