O luto é um sentimento sempre inesperado. Nunca sabemos quando ele vai surgir, e quando surge é sempre devastador. O luto consome a alma, mas é luto para ser vivido, e como todos nós podemos ter esse sentimento, o sentido do luto é sempre passar por ele.
Mas o que é pior é o que antecede ao luto: a surpresa. E foi com extrema surpresa ( e sentido luto) que eu soube da morte do músico, artista e professor potiguar, Manoca Barreto. As notícias ainda são desencontradas. Fala-se mais do enterro, que aconteceu ontem, no Cemitério Morada da Paz, em Natal, do que das causas da morte. Muitas são as homenagens, dos amigos, artistas locais e pessoas que conheciam o mestre da guitarra e multi-instrumentista falecido. Ele foi encontrado morto em seu apartamento, por volta das sete horas da manhã do dia 25 de novembro. Algumas notícias indicam que ele deixou uma carta, e a polícia descarta homicídio. Manoca morreu com apenas 49 anos. Muito pouco para uma vida dedicada à musica, arte de alguém que a carregou na alma, levando a guitarra no braço como sua segunda pele, ensinado gerações e mais gerações de novos instrumentistas.
João Barreto de Medeiros Filho nasceu em Natal, no ano de 1964. Filho de uma família tradicional de classe média, Manoca veio de uma família em que a maior parte de seus familiares tinha algum tipo de vinculação com a música. Ele deixou dois irmãos também músicos: o guitarrista Carlinhos e o baterista Fernando Suassuna. Manoca integrou o Fluidos, importante banda potiguar de rock progressivo dos anos oitenta, que gravou disco e chegou a fazer shows em cidades como o Rio de Janeiro. No final dos anos oitenta, após conhecer o Sudeste, Manoca decide sair da banda e se especializar no emprego da guitarra, matriculando-se na Escola de Musica e fazendo Mestrado pela Unicamp, onde pesquisou sobre o uso da guitarra no Brasil. Professor da Escola de Mùsica da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Manoca era, sobretudo, um educador, mas também participou como guitarrista de tudo de bom na produção musical brasileira dos últimos vinte anos. Ele já tocou com artistas conhecidos nacionalmente, como Toninho Horta e Leila Pinheiro, e ganhou vários prêmios durante sua vida. O último deles foi o Prêmio Hangar da cultura potiguar, concedido a ele neste ano, além de uma série de vídeos e participações importantes na cena local. Para mim, Manoca não era apenas um dos maiores músicos do Rio Grande do Norte, Manoca era um dos maiores artistas do Brasil!
Da minha experiência pessoal com Manoca, lembro-me de tê-lo conhecido na década de noventa, quando eu era aluno iniciante de piano no Instituto de Música Waldemar de Almeida, no bairro de Petrópolis, em Natal. Na época, eu tinha uma banda de rock, o Jus Causae, e meu amigo Roger Rocha era o guitarrista da banda e aluno de Manoca. Eu me recordo da simpatia e humildade do cara. Do seu sorriso largo, perguntando a mim como é que estava a banda e dos paternais puxões de orelha que dava em Roger, toda vez que ele não se empenhava como devia nas lições de guitarra. Manoca era, sobretudo, um cara que transmitia uma paz enorme, seja ao conversar com seus amigos, seja ao tocar suavemente a sua guitarra. Era um egresso de bandas de rock que abraçou o jazz e toda a musicalidade oriunda desse riquíssimo estilo musical. Eu me recordo que ele gostava especialmente de grandes instrumentistas como Pat Metheny, e eu já escutei por mais de duas vezes suas perfomances tocando em barzinhos de Petrópolis, tocando covers em sua guitarra de sucessos jazzísticos como Dave Brubeck e Stanley Jordan. A música de Manoca parecia espelhar o seu espírito sereno, viajante, de suaves cordas dedilhadas num instrumento que parecia ter uma sonoridade mais gostosa quando era tocada por um cara que era um autêntico artista de sua geração.
Mas, talvez, a maior participação que Manoca teve na minha vida (e que não irei esquecer), eu deixo registrado aqui no blog, quando, em 1996, eu participei do Festival de Música do SESC, com uma música que eu e Roger gravamos, baseada num poema de Giovana P. A música tinha sido selecionada entre as 15 melhores de mais de uma centena de gravações enviadas à organização do festival, e eu e meu amigo tivemos a oportunidade de cantá-la para uma multidão, no auditório do SESC de Ponta Negra, contando com uma banda de apoio que era liderada por Manoca nas guitarras. Foi ele o responsável pelo arranjo e pelos ajustes finais numa música que ficou monumental, maior do que eu havia concebido, com o som da guitarra dele, aliado ao timbre da minha voz. Eu não podia acreditar, eu, que era um moleque de vinte e poucos anos, recém saído da faculdade e integrando uma banda de garagem, sendo acompanhado num festival por um músico do calibre de Manoca. Pena que não havia vídeos da época para registrar esse momento; mas aconteceu. Com isso, Manoca Barreto deixou de vez, como legado, uma participação sua em minha (curta) vida de músico.
Fico realmente triste e muito desanimado por saber que Manoca partiu tão cedo. Fazia anos que eu não via o cara, desde que nossos caminhos desencontraram e eu fui fazer minha pós-graduação fora, afastando-me do RN e retornando após o meu doutorado. De qualquer forma, de pessoas como Manoca eu esperava uma vida mais longeva, no mínimo encontrando o cara bem velhinho, mas mantendo seu sorriso simpático, tocando sua guitarra debaixo do alpendre de alguma casa de praia, enquanto via as ondas, como o astro mexicano Carlos Santana, outro grande guitarrista a quem Manoca tinha sincera admiração. Quero crer que pessoas como Manoca são tão importantes que Deus decidiu chamá-lo mais cedo, encerrando o belíssimo trabalho que ele fez neste mundo. Quero pensar que agora Manoca está no céu entre os anjos, fazendo-os sorrir, tocando sua guitarra celestial. É por isso que nesse texto faço minha sincera homenagem a Manoca Barreto, a sua obra e que novas gerações, pessoas de fora do RN, e todos aqueles que não o conheceram, possam ter uma ideia de quem ele foi, pois se em vida ele não recebeu todo o reconhecimento que ele merecia, agora com sua partida, com certeza, Manoca jamais será esquecido. Adeus, meu bom e talentoso Manoca Barreto!!
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