Parece que o mês de março de 2009 passou por nós como um furacão de eventos midiáticos envolvendo tragédias sobre a guarda de filhos, fins de relacionamentos amorosos frustrados e a trágica "solução final" para aqueles que anulam a existência do próximo, ou anulam a si mesmos sob o fardo da dor, da incapacidade de se reerguer, pela falta da vontade de recomeçar e pelo extremo egoísmo, que leva alguém a ceifar vidas ou terminar com a sua própria.
Fui isso que ocorreu tragicamente no dia 12 de março, no pátio do estacionamento do maior shopping de Goiânia, quando Kleber Barbosa e sua filha pequena Penélope, de 5 anos, voaram para a morte, após o pai ter roubado um avião monomotor e depois de ter voado por alguns minutos pela capital goiana, ao espatifar sua aeronave no shopping. Antes disso, Kleber tinha agredido gravemente sua mulher, Érika, numa rodovia da cidade, com um extintor de incêndio, e sequestrado a filha.
Pelos depoimentos vistos na TV, de amigos, familiares e pessoas que presenciaram o episódio, Kleber era uma pessoa sensivelmente perturbada, falava corriqueiramente em suicídio, tinha prazeres mórbidos como assistir em DVD a tétrica série "Faces da Morte", e teria elogiado a suposta "coragem" dos terroristas islâmicos, que foram responsáveis pela morte de milhares de pessoas nos atentados de 2001, do 11 de setembro, nos Estados Unidos.
Fora a piração de Kleber, e o fato simples e acabado de alguém, num momento de loucura, ter acabado com a própria vida e com a vida da filha, fica a indagação aqui não apenas de quem fica atônito com as inúmeras tragédias cotidianas trazidas pelos canais de televisão, mas sim pelos motivos que levam pessoas a tirar a vida e a de seus entes queridos por caminhos que chegam a apresentar um padrão: o velho esquema dos crimes passionais e das mortes causadas por conflitos afetivos e familiares.
Lembro-me que na unanimidade dos fatos relatados sobre a conduta de Kleber, capta-se um fato específico, que foi aquele que antecedeu a tragédia: Kleber teria brigado com a mulher antes de golpeá-la com um extintor de incêndio e raptado a filha, e já manifestava na sua relação afetiva fortes traços de perturbação, num relacionamento familiar que teria tudo para ser abençoado em virtude da concepção de uma nova vida: o surgimento da pequena Penépole. Infelizmente, isso não ocorreu, e sobrou mesmo para aquela triste criança, que teve a vida precocemente tirada, pela loucura ou pelo surto egoístico de um pai psiquicamente perturbado, que não conseguiu fugir das barras da prisão que acorrentava a si próprio.
As prisões da alma ou do espírito talvez sejam piores do que os cárceres gelados, feios, sujos e mal acabados dos presídios brasileiros. Como disse o escritor Albert Camus, em seu livro "O Mito de Sísifo": "Descubro, agora, por conseguinte, que a esperança não pode ser evitada para sempre e que pode assaltar até aqueles que supunham estar livres dela". Camus procura em sua obra discorrer sobre um problema filosófico em especial, acentuadamente sério: o suicídio. Para ele, julgar se a vida vale a pena ou não ser vivida é uma questão fundamental da filosofia. Afirmo que a "consciência do absurdo" de que trata Camus engendra a formação dessas prisões psíquicas. O enfermo da alma, ao se deparar com o absurdo da manutenção de sua própria existência ou da falta de sentido na vida dos outros, por vezes não se liberta através da fé ou da religião, como gostaria Platão, ao filosofar sobre as soluções do oráculo e a sacerdotisa Diotima sobre a falta de amor, em o "O Banquete", mas sim acaba por aumentar o concreto das paredes que o encerram em si mesmo. Só isso, a meu ver, para explicar posturas desesperadas como a do "piloto" Kleber, que no auge de seu delírio de não se sentir um ser amado, por não amar a si próprio, mas como num último gesto de apego, como querendo uma companhia para sua triste caminhada solitária rumo à morte, ele leva consigo a pureza perdida refletida nos pequenos olhos da pequena Penépole, que hoje, infelizmente, adormeceram para sempre deste mundo, mediante o último gesto desesperado de seu pai.
Kleber queria morrer no ar, como disse sua ex-mulher em depoimento à polícia e aos telejornais. Na verdade, talvez em sua loucura, ele quisesse desaparecer nas nuvens, como aquele temporal ou aquela chuva de mal tempo, que não conseguiu regar o que colheu como deveria, e por isso estaria fadada a desaparecer. Kleber inundou-se em sentimentos de fim de seu mundo, e achou que somente nas nuvens poderia ele deixar seu último recado de sua tão atormentada vida. Que pobre alma infeliz! Que triste lamento de soluços tão contidos que ninguém conseguiu ou ele deixou que se pudesse escutar! Kleber foi vítima do egoísmo de seus sentimentos, ao não possibilitar que nem sua família compartilhasse de seu sofrimento, ou mesmo alguém da esquina viesse a acudir o seu choro e dar-lhe consolo! Que Deus lhe tenha misericórdia!
Fico imaginando ali no alto, na hora do acidente. Os pequeninos olhos da garota Penélope ao fitarem seu pai, contemplando o contraste da beleza do céu azul e das nuvens, com a paisagem de Goiânia embaixo, em comparação com o olhar frio e vazio de seu pai nos controles do avião, acompanhado de perto pelos caças da FAB, que sem sucesso, não conseguiram evitar o pior. Imagino aquele avião descendo veloz, em direção ao estacionamento do shopping, enquanto vejo a criança Penépole, em toda sua inocência e ingenuidade infantil, dizendo para seu algoz: "Papai, o avião tá caindo"!
E a vida suspensa no ar acaba por se espatifar!
Um blog em forma de almanaque, com comentários sobre cultura, política, economia, esporte, direito, história, religião, quadrinhos, a vida do próximo, o que você desejar, ou que os seus olhos se permitam a ler e comentar, contribuindo para as reflexões desse humilde missivista, neófito nos mares internaúticos, em meio a esta paranoia moderna.
terça-feira, 31 de março de 2009
terça-feira, 10 de março de 2009
TRILOGIA DO EGOÍSMO-Parte I: A GLOBALIZAÇÃO DO RANCOR:QUANDO A MÁGOA VALE MAIS QUE A FELICIDADE DE SEUS FILHOS
O Brasil anda se especializando em polêmicas diplomáticas com outros países, em casos que envolvem inicialmente problemas entre particulares. Após o vexame do Itamaraty com o caso de Paula Oliveira na Suiça, chegou a vez do presidente Lula e da diplomacia brasileira se ver às voltas com o problema da guarda do menino Sean Goldman, criança de dupla nacionalidade(nascido nos EUA, mas registrado no consulado brasileiro), filho de pai norte-americano e mãe brasileira. O caso do menino é uma pérola de estudo para os aficcionados em Direito de Família e Direito Internacional, mas também é audiência certa nesses programas de auditório apelativos, onde a massa popular criada na era do "Big Brother", adora ver a "lavagem de roupa suja alheia", em mais um dos tristes casos de conflitos familiares, que só geram tristeza, caos e desunião.
Ganhando especial destaque na mídia nos últimos dias, com direito à reportagem de 30 minutos no Fantástico da Rede Globo e matéria de Capa na Revista Época, o caso do menino Sean reacende o velho dilema dos filhos de casais separados, e, em especial, dos filhos de casais de nacionalidades diferentes. O que quase sempre gera extensas, prolongadas, caríssimas e extenuantes pendengas judiciais, que geram desgaste não apenas financeiro, mas principalmente emocional.
Sean é filho de Bruna Bianchi, uma estilista carioca, que em 1997, ao fazer um doutorado de moda em Milão, conheceu o bonitão modelo norte-americano David Goldman. A estória tinha tudo para resultar num conto de fadas: a jovem brasileira e o modelo americano se apaixonaram na romântica paisagem italiana, Bruna engravidou e os dois decidiram se casar. Indo para os Estados Unidos, a cerimônia foi realizada em Nova Jersey e logo depois nasce Sean, registrado como norte-americano em Nova York e como brasileiro no Rio de Janeiro. Um típico cidadão do mundo desde o nascimento, mais um dos filhos da globalização.
O que ia bem, como o risco de toda relação, começa a ficar mal. Bruna alegava que o casamento ia mal depois do nascimento de Sean, as despesas da família ficavam por conta dela, e reclamava da ausência de sexo na relação com o marido. Segundo ela, nas discussões, David aparentava ficar mais e mais violento. Triste, com saudades do Brasil e dos pais, Bruna decide então voltar para o Brasil, alegando que precisava visitar a família e leva Sean, com autorização do pai. Ao chegar no Rio, Bruna decide não mais retornar, telefona para o atônito marido e informa da decisão, pedindo o divórcio. David, podemos imaginar, numa previsível cena de desgosto, se não quebrou tudo o que viu pela frente dentro de casa, depois do telefonema, provavelmente deve ter chorado à beça. O inferno familiar estava apenas para começar!
Começam as pendengas judiciais. David, inconformado com a separação e a partida do filho, inicia ações judiciais contra Bruna. Acusa-a de ter sequestrado o filho. O ex-marido norte-americano invoca a lei dos EUA, pedindo a guarda da criança, tendo em vista tratar-se Sean de um garoto americano. O Direito Internacional é mencionado pelos advogados de David, citando a Convenção de Haia, que trata do sequestro de crianças por seus pais, no caso de saída da criança de seu país de origem e refúgio em outra nacionalidade. Nos tribunais do Rio de Janeiro, em contrapartida, Bruna consegue a guarda de Sean. Nesse ínterim, Bruna conhece o advogado João Paulo, os dois se apaixonam e Bruna consegue um segundo marido. João Paulo vai residir com Bruna e Sean junto à família de Bruna, e passa a ser o segundo pai de Sean. A briga entre Bruna e seu ex-marido dura então quatro dolorosos anos.
Nesses anos, com as negativas de David de visitar Sean no Brasil, face a negativa de seus advogados, a imagem do pai norte-americano começa a adotar ares de vaga lembrança para o menino Sean, que vai crescendo no ambiente familiar carioca, como toda criança de classe média, rodeada do carinho da mãe e do padastro, dos avós maternos, dos tios, dos coleguinhas na escola, decidindo se vai escolher como time de futebol o Flamengo ou o Botafogo (espero que a segunda opção), e imerso nas suas brincadeiras infantis entre seus brinquedos, os bichinhos de pelúcia na parede de seu quarto, e os deveres de casa da escola. A situação poderia ficar por aí, nesse tão comum e previsível cotidiano, se não fosse a tragédia!
Bruna engravida pela segunda vez. Agora está esperando uma menina. A alegria da família acaba e logo se transforma numa tristeza profunda quando, inesperadamente, como bom roteiro de novela, Bruna morre durante o parto de Chiara, irmã de Sean. A família, profundamente triste e abalada pela morte de Bruna, não tem tempo nem de chorar os seus mortos, pois, dez dias depois da morte de Bruna, o condomínio da família Bianchi é cercado por agentes da polícia federal brasileira, membros do consulado americano e repórteres, acompanhados de cinegrafistas da rede de televisão yankee NBC. É o pai de Sean, voltando ao Brasil e querendo o filho de volta. Assim como no episódio da busca do garoto cubano Elian Gonzales em Miami (vide foto), no ano de 2000, (cumprindo decisão da Suprema Corte Americana, a pedido de seu pai em Cuba), a busca de uma criança e o desespero de seus familiares torna-se um espetáculo midiático. Felizmente para a família de Bruna e infelizmente para David, não foi daquela vez. O menino Sean não estava em casa para rever seu pai.
Se o ingrediente até agora, de filme de drama de tribunal, já não continha ingredientes mais do que explosivos, agora é que a estória começa pra valer em seus capítulos mais tensos, quando uma pitada mais apimentada de discórdia é acrescida nesse "vatapá de ressentimentos". Como querendo ver "o circo pegar fogo" nessa batalha de decisões judiciais, após a morte de Bruna, a Justiça Brasileira concede a João Paulo, padrasto de Sean, a guarda provisória da criança, alegando a "paternidade socioafetiva" (lógico, até porque nos últimos anos, quem Sean chama de "pai", não é seu progenitor americano, mas sim o padrasto brasileiro, que o acompanhou nos últimos anos). Se o duelo estava 2 X 1, com leve vantagem para os brasileiros, aguardem o devastador contra-ataque de David!
Não se dando por vencido, nos EUA, David Goldman agora se vale do que toda a sociedade adepta do chesseburguer gosta, apelar para os meios de comunicação! David inicia uma verdadeira campanha nacional para o retorno do filho, com direito à camisetas, bonés, copos, todos eles estampados com a foto de Sean (até imagino as frases lapidares, tipo: "volta Sean"!), e o que é melhor, com direito a faturamento para seu "aflito pai", com direito a copyright, e até avental com a foto da finada Bruna ( a "bruxa malvada" sequestradora de filhos, como deve estar no imaginário americano, que de tão má, acabou "batendo as botas"). David aparece choroso nos programas de Larry King no canal CNN e recebe comentários no programa de Oprah Winfrey, a maior apresentadora de TV americana do mundo (uma espécie de "Silvio Santos de saias" e negra, que é praticamente uma semideusa na mídia norte-americana). No Brasil, a família de Bruna começa a receber e-mails ameaçadores de indignados cidadãos norte-americanos, compadecidos com o suposto sofrimento de David. Na terra dos serial killers e psicopatas, chega-se ao cúmulo de um espectador anônimo, após assistir o programa de televisão de Larry King (segundo teve acesso a reportagem de Época) ameaçar diretamente um dos tios brasileiros de Sean, em um telefonema, dizendo:"nós americanos sabemos onde vocês brasileiros moram. Nós vamos pegar vocês"!
A campanha de David bate as portas da Casa Branca. A Secretária de Estado norte-americana Hillary Clinton, doida pra aparecer, se manifesta indignada com a disposição da justiça brasileira de não entregar o garoto à custódia norte-americana, cumprindo, segundo ela, a Convenção de Haia. Sobrou pro Celso de novo! O ministro das relações exteriores, o chanceler Celso Amorim, vivendo um começo de ano que, definitivamente, não é o dele, mais uma vez vira o "saco de pancadas" da imprensa internacional, ao levar um puxão de orelha da mulher de Bill Clinton. A polêmica familiar chega ao cúmulo de virar ponto na pauta do esperado encontro entre os presidentes Lula e Barack Obama. Já pensou? Com tantos assuntos pra conversar, com a fome em Darfur, o terrorismo dos talibans, o genocídio na África e a crise econômica internacional, agora Lula e Obama vão falar da guarda de uma criança!? De fato, TV faz bem! Quando tiver um problema e quiser resolvê-lo não chame a Justiça! Chame as câmeras! É assim que se resolvem as coisas numa sociedade universalmente midiática e globalizada.
É! E parece que o drama familiar do menino Sean está longe de acabar! Enquanto essa atordoada criança, em sua pureza e ingenuidade infantil, acha tudo isso um absurdo, os americanos: um povo muito esquisito, e os adultos: gente muito complicada de entender, milhares e milhares de casais no mundo vivem a dimensão de lares fraturados, pais separados, filhos lançados em diferentes regiões do globo, principalmente se são fruto de uniões binacionais. Entendo que o amor não tem fronteiras, e você não escolhe o idioma de quem vai se apaixonar. Mas uma coisa é certa, quando se tem filho na jogada, a situação fica bem mais complicada, e quase sempre sobra pra criança. E quem vai se importar com as crianças?
As relações afetivas, como todas as relações humanas, são tão complexas e imprevisíveis como o retorno das marés, uma chuva de granizo inexplicavél, o Grêmio perder quatro partidas seguidas, um tsunami devastador ou os intempestivos furacões. Nunca se sabe o que vai passar nas cabeças e nos corações daqueles que se relacionam, sobretudo quando um deles, ou os dois, de forma simultânea, descobrem que o amor acabou, aquela love story não deu mais certo e agora é hora de cada um pegar a mochila e seguir o seu caminho. Os filhos geralmente ficam como que náufragos isolados, a mercê das marés, ou a espera de que o bom senso de seus progenitores conduza sua formação da forma mais civilizada e harmoniosa possível. É muito difícil para muitos exercer o amor, mesmo sabendo que o amor pelo outro não deu mais frutos, pois se trata aí não mais daquele amor eros (como diriam os gregos), típico das paixões e que une os amantes, mas sim o amor filia, aquele baseado no companheirismo e na compreensão, que deve prevalecer não pelo amor a uma mulher ou a um homem amado que se foi, mas sim o amor ao fruto daquele amor que um dia existiu: o amor a um filho. Os pais, em sua ânsia rancorosa de recuperar o irrecuperável, tornam visíveis suas feridas internas, suas dores, suas fraturas expostas produzidas pela sua incapacidade de esquecer, e dessa falta de esquecimento permanecem ressentimentos que por anos conduzem as relações entre atores do teatro da vida já separados fisicamente, mas vinculados indissoluvelmente a uma pequena vida gerada, que um dia há de crescer e se deparar com esse mundo por vezes tórrido, violento e tão incompreensível da forma mais dolorosa, vendo o ódio que persiste entre seus próprios pais.
Polêmicas vividas por crianças como o menino Sean, apenas lembram o quanto do ego e do egoísmo resultante dele deixamos que fique gravado em nossas consciências, nos tire a razão e o bom senso e sirva tão somente para nossos interesses pessoais, esquecendo-nos de quem mais amamos. Em nome do amor já foram praticados os atos mais vis. Pessoas sofreram, familiares viram se perder entes queridos, homens e mulheres, outrora sãos, transformaram-se em loucos psicopatas, criminosos, infratores, que matam, ferem, iludem, saqueam, tudo em prol de um sentimento de revolta, de indignação sem volta, onde, cegos por suas paixões, esses seres humanos encontram-se incapazes de perceber o quanto de mal e o quanto de tristeza estão provocando naqueles mais inocentes a quem tanto dizem que amam: seus tristes filhos; que não tem nada haver com a confusão provocada pelos adultos, a não ser terem sido produto, num belo dia, da união de um espermatozóide com um óvulo.
Falta muito para os adultos aprenderem que as crianças não são tão inocentes, ingênuas ou burras como eles pensam, incapazes de perceber a discórdia em sua volta, o egoísmo de seus familiares, e a ausência de paz e de amor entre seus entes queridos. Enquanto continuarmos a achar que o problema é sempre do outro, e não nosso problema, e que renunciarmos aos nossos próprios sentimentos de desilusão com o amor do outro, em prol de nosso amor-próprio, e, principalmente, em prol do amor a nossos filhos, não veremos nunca acabar a triste ciranda da vida que acaba de forma trágica e vergonhosa sob os aplausos bisbilhoteiros de estranhos, ávidos por uma cultura do escândalo, difundida gananciosamente pelos instrumentos da mídia. Ao expandirmos o nosso ódio, globalizamos o rancor, como um produto ruim, do que restou de nossas relações, num amor globalizado, quando, ao contrário, deveríamos celebrar a vida e a boa convivência, como resultado desse amor que, como eu disse, desconhece fronteiras.
Pobres crianças, filhos de seus pais egoístas! Pobre Sean!
Ganhando especial destaque na mídia nos últimos dias, com direito à reportagem de 30 minutos no Fantástico da Rede Globo e matéria de Capa na Revista Época, o caso do menino Sean reacende o velho dilema dos filhos de casais separados, e, em especial, dos filhos de casais de nacionalidades diferentes. O que quase sempre gera extensas, prolongadas, caríssimas e extenuantes pendengas judiciais, que geram desgaste não apenas financeiro, mas principalmente emocional.
Sean é filho de Bruna Bianchi, uma estilista carioca, que em 1997, ao fazer um doutorado de moda em Milão, conheceu o bonitão modelo norte-americano David Goldman. A estória tinha tudo para resultar num conto de fadas: a jovem brasileira e o modelo americano se apaixonaram na romântica paisagem italiana, Bruna engravidou e os dois decidiram se casar. Indo para os Estados Unidos, a cerimônia foi realizada em Nova Jersey e logo depois nasce Sean, registrado como norte-americano em Nova York e como brasileiro no Rio de Janeiro. Um típico cidadão do mundo desde o nascimento, mais um dos filhos da globalização.
O que ia bem, como o risco de toda relação, começa a ficar mal. Bruna alegava que o casamento ia mal depois do nascimento de Sean, as despesas da família ficavam por conta dela, e reclamava da ausência de sexo na relação com o marido. Segundo ela, nas discussões, David aparentava ficar mais e mais violento. Triste, com saudades do Brasil e dos pais, Bruna decide então voltar para o Brasil, alegando que precisava visitar a família e leva Sean, com autorização do pai. Ao chegar no Rio, Bruna decide não mais retornar, telefona para o atônito marido e informa da decisão, pedindo o divórcio. David, podemos imaginar, numa previsível cena de desgosto, se não quebrou tudo o que viu pela frente dentro de casa, depois do telefonema, provavelmente deve ter chorado à beça. O inferno familiar estava apenas para começar!
Começam as pendengas judiciais. David, inconformado com a separação e a partida do filho, inicia ações judiciais contra Bruna. Acusa-a de ter sequestrado o filho. O ex-marido norte-americano invoca a lei dos EUA, pedindo a guarda da criança, tendo em vista tratar-se Sean de um garoto americano. O Direito Internacional é mencionado pelos advogados de David, citando a Convenção de Haia, que trata do sequestro de crianças por seus pais, no caso de saída da criança de seu país de origem e refúgio em outra nacionalidade. Nos tribunais do Rio de Janeiro, em contrapartida, Bruna consegue a guarda de Sean. Nesse ínterim, Bruna conhece o advogado João Paulo, os dois se apaixonam e Bruna consegue um segundo marido. João Paulo vai residir com Bruna e Sean junto à família de Bruna, e passa a ser o segundo pai de Sean. A briga entre Bruna e seu ex-marido dura então quatro dolorosos anos.
Nesses anos, com as negativas de David de visitar Sean no Brasil, face a negativa de seus advogados, a imagem do pai norte-americano começa a adotar ares de vaga lembrança para o menino Sean, que vai crescendo no ambiente familiar carioca, como toda criança de classe média, rodeada do carinho da mãe e do padastro, dos avós maternos, dos tios, dos coleguinhas na escola, decidindo se vai escolher como time de futebol o Flamengo ou o Botafogo (espero que a segunda opção), e imerso nas suas brincadeiras infantis entre seus brinquedos, os bichinhos de pelúcia na parede de seu quarto, e os deveres de casa da escola. A situação poderia ficar por aí, nesse tão comum e previsível cotidiano, se não fosse a tragédia!
Bruna engravida pela segunda vez. Agora está esperando uma menina. A alegria da família acaba e logo se transforma numa tristeza profunda quando, inesperadamente, como bom roteiro de novela, Bruna morre durante o parto de Chiara, irmã de Sean. A família, profundamente triste e abalada pela morte de Bruna, não tem tempo nem de chorar os seus mortos, pois, dez dias depois da morte de Bruna, o condomínio da família Bianchi é cercado por agentes da polícia federal brasileira, membros do consulado americano e repórteres, acompanhados de cinegrafistas da rede de televisão yankee NBC. É o pai de Sean, voltando ao Brasil e querendo o filho de volta. Assim como no episódio da busca do garoto cubano Elian Gonzales em Miami (vide foto), no ano de 2000, (cumprindo decisão da Suprema Corte Americana, a pedido de seu pai em Cuba), a busca de uma criança e o desespero de seus familiares torna-se um espetáculo midiático. Felizmente para a família de Bruna e infelizmente para David, não foi daquela vez. O menino Sean não estava em casa para rever seu pai.
Se o ingrediente até agora, de filme de drama de tribunal, já não continha ingredientes mais do que explosivos, agora é que a estória começa pra valer em seus capítulos mais tensos, quando uma pitada mais apimentada de discórdia é acrescida nesse "vatapá de ressentimentos". Como querendo ver "o circo pegar fogo" nessa batalha de decisões judiciais, após a morte de Bruna, a Justiça Brasileira concede a João Paulo, padrasto de Sean, a guarda provisória da criança, alegando a "paternidade socioafetiva" (lógico, até porque nos últimos anos, quem Sean chama de "pai", não é seu progenitor americano, mas sim o padrasto brasileiro, que o acompanhou nos últimos anos). Se o duelo estava 2 X 1, com leve vantagem para os brasileiros, aguardem o devastador contra-ataque de David!
Não se dando por vencido, nos EUA, David Goldman agora se vale do que toda a sociedade adepta do chesseburguer gosta, apelar para os meios de comunicação! David inicia uma verdadeira campanha nacional para o retorno do filho, com direito à camisetas, bonés, copos, todos eles estampados com a foto de Sean (até imagino as frases lapidares, tipo: "volta Sean"!), e o que é melhor, com direito a faturamento para seu "aflito pai", com direito a copyright, e até avental com a foto da finada Bruna ( a "bruxa malvada" sequestradora de filhos, como deve estar no imaginário americano, que de tão má, acabou "batendo as botas"). David aparece choroso nos programas de Larry King no canal CNN e recebe comentários no programa de Oprah Winfrey, a maior apresentadora de TV americana do mundo (uma espécie de "Silvio Santos de saias" e negra, que é praticamente uma semideusa na mídia norte-americana). No Brasil, a família de Bruna começa a receber e-mails ameaçadores de indignados cidadãos norte-americanos, compadecidos com o suposto sofrimento de David. Na terra dos serial killers e psicopatas, chega-se ao cúmulo de um espectador anônimo, após assistir o programa de televisão de Larry King (segundo teve acesso a reportagem de Época) ameaçar diretamente um dos tios brasileiros de Sean, em um telefonema, dizendo:"nós americanos sabemos onde vocês brasileiros moram. Nós vamos pegar vocês"!
A campanha de David bate as portas da Casa Branca. A Secretária de Estado norte-americana Hillary Clinton, doida pra aparecer, se manifesta indignada com a disposição da justiça brasileira de não entregar o garoto à custódia norte-americana, cumprindo, segundo ela, a Convenção de Haia. Sobrou pro Celso de novo! O ministro das relações exteriores, o chanceler Celso Amorim, vivendo um começo de ano que, definitivamente, não é o dele, mais uma vez vira o "saco de pancadas" da imprensa internacional, ao levar um puxão de orelha da mulher de Bill Clinton. A polêmica familiar chega ao cúmulo de virar ponto na pauta do esperado encontro entre os presidentes Lula e Barack Obama. Já pensou? Com tantos assuntos pra conversar, com a fome em Darfur, o terrorismo dos talibans, o genocídio na África e a crise econômica internacional, agora Lula e Obama vão falar da guarda de uma criança!? De fato, TV faz bem! Quando tiver um problema e quiser resolvê-lo não chame a Justiça! Chame as câmeras! É assim que se resolvem as coisas numa sociedade universalmente midiática e globalizada.
É! E parece que o drama familiar do menino Sean está longe de acabar! Enquanto essa atordoada criança, em sua pureza e ingenuidade infantil, acha tudo isso um absurdo, os americanos: um povo muito esquisito, e os adultos: gente muito complicada de entender, milhares e milhares de casais no mundo vivem a dimensão de lares fraturados, pais separados, filhos lançados em diferentes regiões do globo, principalmente se são fruto de uniões binacionais. Entendo que o amor não tem fronteiras, e você não escolhe o idioma de quem vai se apaixonar. Mas uma coisa é certa, quando se tem filho na jogada, a situação fica bem mais complicada, e quase sempre sobra pra criança. E quem vai se importar com as crianças?
As relações afetivas, como todas as relações humanas, são tão complexas e imprevisíveis como o retorno das marés, uma chuva de granizo inexplicavél, o Grêmio perder quatro partidas seguidas, um tsunami devastador ou os intempestivos furacões. Nunca se sabe o que vai passar nas cabeças e nos corações daqueles que se relacionam, sobretudo quando um deles, ou os dois, de forma simultânea, descobrem que o amor acabou, aquela love story não deu mais certo e agora é hora de cada um pegar a mochila e seguir o seu caminho. Os filhos geralmente ficam como que náufragos isolados, a mercê das marés, ou a espera de que o bom senso de seus progenitores conduza sua formação da forma mais civilizada e harmoniosa possível. É muito difícil para muitos exercer o amor, mesmo sabendo que o amor pelo outro não deu mais frutos, pois se trata aí não mais daquele amor eros (como diriam os gregos), típico das paixões e que une os amantes, mas sim o amor filia, aquele baseado no companheirismo e na compreensão, que deve prevalecer não pelo amor a uma mulher ou a um homem amado que se foi, mas sim o amor ao fruto daquele amor que um dia existiu: o amor a um filho. Os pais, em sua ânsia rancorosa de recuperar o irrecuperável, tornam visíveis suas feridas internas, suas dores, suas fraturas expostas produzidas pela sua incapacidade de esquecer, e dessa falta de esquecimento permanecem ressentimentos que por anos conduzem as relações entre atores do teatro da vida já separados fisicamente, mas vinculados indissoluvelmente a uma pequena vida gerada, que um dia há de crescer e se deparar com esse mundo por vezes tórrido, violento e tão incompreensível da forma mais dolorosa, vendo o ódio que persiste entre seus próprios pais.
Polêmicas vividas por crianças como o menino Sean, apenas lembram o quanto do ego e do egoísmo resultante dele deixamos que fique gravado em nossas consciências, nos tire a razão e o bom senso e sirva tão somente para nossos interesses pessoais, esquecendo-nos de quem mais amamos. Em nome do amor já foram praticados os atos mais vis. Pessoas sofreram, familiares viram se perder entes queridos, homens e mulheres, outrora sãos, transformaram-se em loucos psicopatas, criminosos, infratores, que matam, ferem, iludem, saqueam, tudo em prol de um sentimento de revolta, de indignação sem volta, onde, cegos por suas paixões, esses seres humanos encontram-se incapazes de perceber o quanto de mal e o quanto de tristeza estão provocando naqueles mais inocentes a quem tanto dizem que amam: seus tristes filhos; que não tem nada haver com a confusão provocada pelos adultos, a não ser terem sido produto, num belo dia, da união de um espermatozóide com um óvulo.
Falta muito para os adultos aprenderem que as crianças não são tão inocentes, ingênuas ou burras como eles pensam, incapazes de perceber a discórdia em sua volta, o egoísmo de seus familiares, e a ausência de paz e de amor entre seus entes queridos. Enquanto continuarmos a achar que o problema é sempre do outro, e não nosso problema, e que renunciarmos aos nossos próprios sentimentos de desilusão com o amor do outro, em prol de nosso amor-próprio, e, principalmente, em prol do amor a nossos filhos, não veremos nunca acabar a triste ciranda da vida que acaba de forma trágica e vergonhosa sob os aplausos bisbilhoteiros de estranhos, ávidos por uma cultura do escândalo, difundida gananciosamente pelos instrumentos da mídia. Ao expandirmos o nosso ódio, globalizamos o rancor, como um produto ruim, do que restou de nossas relações, num amor globalizado, quando, ao contrário, deveríamos celebrar a vida e a boa convivência, como resultado desse amor que, como eu disse, desconhece fronteiras.
Pobres crianças, filhos de seus pais egoístas! Pobre Sean!
quarta-feira, 4 de março de 2009
POR UMA DOUTRINA FILOSÓFICA SOBRE A BOÇALIDADE
Segundo o dicionário Aurélio, a pavra "boçal" refere-se aquele indivíduo estúpido, rude, grosseiro, ignorante. No dicionário Houaiss, vemos a mesma palavra sendo utilizada para definir aquele indivíduo rude ou insensível. A palavra vem do latim, sendo extraída do verbete bucceu, ou bucca, que significava ao pé da letra "bochecha". Parece-me crer que a origem da palavra tem haver com o ato do indivíduo rude ou grosseiro de inflar as bochechas, quando não entende algo ou aparenta sinal de reprovação. Na época da escravidão, empregava-se o termo para definir aquele negro ladino, astuto, esperto, sonso, que recém-chegado da África e sem conhecer o idioma português, se fazia de desentendido para não cumprir ordens. Se fazia de doido, ou simplesmente, diante das ordens de seu senhor, virava de ombros.
Hoje em dia o termo evoluiu, e eu poderia classificar aqui vários tipos humanos, de diferentes raças, credos, gêneros, castas ou classes sociais, que mereceriam o uso da palavra na forma de adjetivo, fazendo valer o termo "boçal". Na verdade a sociedade brasileira está repleta deles, quem sabe até o mundo, o universo, a existência humana. Um típico boçal pode estar dentro da sua casa, na esquina, no vizinho ao lado, entre os colegas de trabalho, na sua escola, no momento em que você reza dentro da sua igreja, naquele churrasco de confraternização de amigos ou num evento acadêmico, na praia, no futebol, na mesa de bar ouvindo aquele pagode com a rapaziada. Os boçais podem estar em todo canto, escondidos ou bem vistos, ostentando sua boçalidade.
Portanto, existem vários tipos de boçal. Eu citaria em primeiro o boçal altruísta: aquele que alega ser o "boa praça", o bom menino comportado que toda mãe gostaria de ter em casa como genro, sem vícios e adepto fervoroso de alguma religião. O jogador Kaká, não obstante seus inegáveis dotes futebolísticos, parece ter encarado essa forma pitoresca de boçalidade, ao doar parte de seu milionário salário como dízimo para a Igreja Renascer, do encrencado e trancafiado casal de "apóstolos" Estevão e Sônia Hernandes, cujo templo em São Paulo desabou recentemente. Kaká chegou a dizer que agradecia ao bispo Estevão e a bispa Sônia (e não a Deus) a premiação que recebeu como melhor jogador do mundo. Haja boçalidade!
Em segundo vem o boçal totalitário: aquele que por se encontrar investido num cargo de poder, de alta visibilidade, que confere ao seu titular notórios saberes em nobres áreas de conhecimento, considera que ele mesmo é o espírito da República, podendo, através de suas prerrogativas, brecar atos que são considerados pela sociedade como necessários e fundamentais para a democracia. Poderíamos ver como atos de extrema boçalidade deste tipo a ação de agentes públicos, como a do presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, que do alto de suas bochechas infladas, libertou por duas vezes o banqueiro boçal abonado Daniel Dantas, desfazendo duplamente a iniciativa cidadã, porém precipitada, daqueles que, para uns, poderão passar para a história como a figura de boçais justiceiros, tais como o delegado Protógenes Queiroz, ou para outros, como bem poderia ser o nobre juiz federal Fausto De Santis, ser catalogado na categoria dos boçais paladinos: aqueles que consideram que a grandeza de seus atos é insensível a qualquer pedido racional de moderação na prática desses atos, tal como prender um banqueiro enrascado até as cuecas com escândalos de corrupção, mesmo com o apelo de seus advogados. Na verdade, o juiz De Santis poderia ser, ao contrário, um agente antiboçal: aquele que extermina a boçalidade dos corruptos diante da impunidade, mandando pra cadeia os boçais abonados (aqueles que boçam na jactância de seu poder econômico), sem dó nem piedade.
O boçal totalitário gera uma subespécie na política nacional, que poderíamos definir como o boçal coronelista, ou o boçal totalitário nordestino. Esse fenômeno de boçalidade, já antigo, tradicional e que faz parte da história do país desde os tempos de colônia, implica num exercício de rudeza, ignorância, antipatia e insensibilidade digna daqueles detentores do poder absoluto, de regiões atrasadas e de origem agrária, onde prevaleciam os chamados currais eleitorais. É uma boçalidade que advém da formação da cultura de casta, onde a posição na hierarquia social, e não necessariamente o notório conhecimento, levam esses indivíduos a se tornarem autênticos representantes de uma boçalidade com requintes feudais. Nesse aspecto incluem-se todas as grandes oligarquias nordestinas, desde o Maranhão até a Bahia, incluindo-se nomes como os Sarney no Maranhão, os Maia no Rio Grande do Norte (com seu mais ilustre membro, José Agripino), os Collor de Mello em Alagoas, ou os Magalhães na Bahia (sob o legado de seu finado patriarca ACM). É aquela boçalidade brejeira, com cheiro de perfume francês, mas gosto de cacto, e os espinhos cultivados na forma das balas desferidas por jagunços ou pistoleiros, comprados a preço de ouro, pelos chefes políticos locais.
Temos o boçal acadêmico. Ah! Nesse caso não poderia deixar de figurar em nossa lista como possível figura deste tipo, o intelectual e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Desde seus saudosos tempos de sala de aula na USP, até sua histórica passagem pelo Palácio do Planalto, tornou-se folclórica a boçalidade do ex-presidente, caracterizada pelo excesso de vaidade intelectual, a crença em si mesmo como solucionador das pendengas nacionais, face a seus reconhecidos méritos e talentos acadêmicos, até hoje considerado por seus seguidores tucanos, como o presidente cujo governo foi responsável pela modernização do Brasil, pela entrada do país canarinho na globalização, através do Plano Real, das privatizações e da quebra do monopólio das telecomunicações. O bossal acadêmico tem uma qualidade interessante: a da suma sapiência auto-afligida, mas também tem mania de pedir, de vez em quando, que esqueçam tudo o que ele havia escrito. É o tipo do sujeito que até é convidado para festas, mas desde que as festas sejam, é claro, feitas em homenagem a ele, ou ele seja um dos ilustríssimos e esperados convidados.
Também citaria o boçal teológico ou eclesiástico, caso em que pode se inserir clérigos do quilate de um Bento XVI, ou aqui no Brasil do reverendíssimo arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, que, recentemente, pelo que li no "Blog da Branquinha" e em matéria publicada no Jornal do Comércio, manifestou-se favoralmente a excomungar uma jovem estuprada, de 9 anos, vítima de violência doméstica e que abortou de gêmeos, como também toda a equipe médica que a assistiu, mesmo restando comprovado o risco de morte para a mãe grávida. O boçal eclesiástico, em sua rudeza ou ignorância, acredita piamente ser o detentor das chaves do paraíso celestial, o dono das verdades sagradas, a secretária eletrônica de Deus, guardando as mensagens do Altíssimo, que devem ser repassadas para a toda a humanidade, como forma de obter o arrependimento das "pobres almas pecadoras".
Em quinto, há o boçal sonoro. Ahhh! Destes, a história da MPB tem férteis exemplos, sendo a Bahia quase que a capital nacional da boçalidade em termos musicais e artísticos. Nesse sentido é legítimo revenciar talentosos e polêmicos boçais como Caetano, Gil e Carlinhos Brown, ou seu grande precursor João Gilberto, ou, se preferirem, para não ficar num Clube do Bolinha, a boçalidade toda cheia de ginga e com belas curvas de uma Ivete Sangalo. No Carnaval da Bahia deste ano, ficou registrada na crônica carnavalesca o "piti" dado pela cantora baiana, "ex-rainha" da festa do povo do gueto, quando seu trio elétrico quebrou, enquanto sua turbinada rival Claúdia Leite arrebentava pelourinho acima, acrescentando uma nova era na cultura musical do horror, chamada axé music. O boçal sonoro, como o próprio nome diz, considera-se o cântico dos cânticos do mais belo cisne da mais bela lagoa do Abaeté (se é que lá tem cisne). Considera-se, portanto, a maior experiência musical já vivida pelo Brasil desde "O Guarani" de Carlos Gomes ou o "Trenzinho Caipira" de Villa Lobos. Roberto Carlos com sua boçalidade carola, metido agora em roupas de almirante, cantando em cruzeiros marítimos para simpáticas e gorduchas donas de casa sessentonas, é outro exemplo que poderia entrar na trupe. No lado mais POP, levando em conta às contribuições do rock nacional, não poderíamos esquecer jamais, mas simplesmente jamais, o nobre boçal da zona sul carioca, o indefectível e inesquecível Lulu Santos: "Por isso que souuuuuu, sincero!" E quem disse que os boçais sonoros estão apenas na música? Na televisão, e, principalmente na locução esportiva, sim.....o troféu vai pra ele!! Saí que é tuaaaaaaaaaaa..... Galvão Bueno!!! Éeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee, é do Brasillllllllllllllllll!!!!!
Não poderia me esquecer do boçal natureba!! Aquele que usa aquelas camisetas com a estampa Save the Planet ou "Não Matem as Baleias", enquanto joga na calçada a embalagem do cachorro-quente que acabou de comer, na esquina da repartição, sendo um típico defensor de energias alternativas não poluidoras, enquanto se dirige para o seu carro movido a.......... gasolina! Seus representantes ilustres encontram-se em Brasília, na Esplanada dos Ministérios ou no Congresso Nacional, seja pelo colete lustroso e florido de um Carlos Minc, seja pela inconstância e volatidade político-eleitoral de um Fernando Gabeira, ora apoiando os tucanos, ora os pemedebistas, ora ele mesmo. A boçalidade intelecto-ambiental de Gabeira lhe custou caro a eleição à prefeitura do Rio, desde que ele revelou ao celular que "suburbanas" vereadoras só poderiam mesmo ter voto na periferia, onde nem as políticas sociais, quanto mais as ambientais, chegaram, como nas favelas, morros e becos cariocas, não tão lindos quanto as ecologicamente preserváveis Pedras da Gávea ou do Arpoador, frequentadas pelos militantes "verdes".
Tem o boçal cineclubista: aquele que se considera o fino dos mais finos dos expertises em cinema, sem saber nem como se pronuncia Abbas Kiarostami. É o caso de críticos como Rubens Ewald Filho ou da insossa crítica da revista Veja, Isabela Boscov. Seus discípulos geralmente são como aquele que fica no pátio do Espaço Unibanco, na fila de ingressos, na rua Augusta, em São Paulo, recitando sobre a arte e a poesia conceitual da cinematografia japonesa, enquanto a namorada verifica se o troco do ingresso é suficiente pra tomar pelo menos um cafézinho. É o tipo do sujeito que curte assistir o canal People & Arts, se a gambiarra da antena parabólica do vizinho funcionou, mas é incapaz de dissertar sobre um filme do Mazzaropi ou sobre o último do Tom Cruise.
Por último, na minha teoria sobre a boçalidade, eu me referiria ao boçal hedonista. Aquele que do alto de sua fama ou popularidade, está mesmo é a fim de brincar e se divertir, e não está nem aí para as cobranças, como as da torcida corintiana e da direção do Timão acerca da necessidade de empenho do jogador Ronaldo, ainda enrrolado em noitadas (agora na noite paulistana), enquanto seu novo time ainda não disse a que veio no Campeonato Paulista. O hedonismo em meio à boçalidade, pode ser visto também, até em nosso bem avaliado presidente da República, que durante o Carnaval, num camarote carioca em meio a Sapucaí, acabou por não temer nem às vaias e caiu no samba, da "bateria do c..."(expressão presidencial) da Mocidade Independente de Padre Miguel, não dando bola alguma para as cobranças de seu partido o PT, de ter sido sumariamente garfado do poder por um faminto PMDB, que ainda querendo mais, conseguiu colocar Fernando Collor de novo no epicentro da política, dando-lhe de presente através do senador Renan Calheiros, a comissão de infraestrutura do Senado Federal, responsável pela tramitação das obras do PAC.
Se houvesse um sistema filósofico da boçalidade, creio que o seu princípio fundador seria o da falta de enxergar a si próprio para descobrir os seus próprios erros. O método filosófico da boçalidade consiste no emprego da autoignorância em proveito próprio, e seu objeto é a paciência alheia. Até perceber que não está agradando, o boçal leva tempo, ahhhh, mas muito tempo!
Putz! Será que sou boçal? Acuda-me São Paulo Francis!!
Hoje em dia o termo evoluiu, e eu poderia classificar aqui vários tipos humanos, de diferentes raças, credos, gêneros, castas ou classes sociais, que mereceriam o uso da palavra na forma de adjetivo, fazendo valer o termo "boçal". Na verdade a sociedade brasileira está repleta deles, quem sabe até o mundo, o universo, a existência humana. Um típico boçal pode estar dentro da sua casa, na esquina, no vizinho ao lado, entre os colegas de trabalho, na sua escola, no momento em que você reza dentro da sua igreja, naquele churrasco de confraternização de amigos ou num evento acadêmico, na praia, no futebol, na mesa de bar ouvindo aquele pagode com a rapaziada. Os boçais podem estar em todo canto, escondidos ou bem vistos, ostentando sua boçalidade.
Portanto, existem vários tipos de boçal. Eu citaria em primeiro o boçal altruísta: aquele que alega ser o "boa praça", o bom menino comportado que toda mãe gostaria de ter em casa como genro, sem vícios e adepto fervoroso de alguma religião. O jogador Kaká, não obstante seus inegáveis dotes futebolísticos, parece ter encarado essa forma pitoresca de boçalidade, ao doar parte de seu milionário salário como dízimo para a Igreja Renascer, do encrencado e trancafiado casal de "apóstolos" Estevão e Sônia Hernandes, cujo templo em São Paulo desabou recentemente. Kaká chegou a dizer que agradecia ao bispo Estevão e a bispa Sônia (e não a Deus) a premiação que recebeu como melhor jogador do mundo. Haja boçalidade!
Em segundo vem o boçal totalitário: aquele que por se encontrar investido num cargo de poder, de alta visibilidade, que confere ao seu titular notórios saberes em nobres áreas de conhecimento, considera que ele mesmo é o espírito da República, podendo, através de suas prerrogativas, brecar atos que são considerados pela sociedade como necessários e fundamentais para a democracia. Poderíamos ver como atos de extrema boçalidade deste tipo a ação de agentes públicos, como a do presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, que do alto de suas bochechas infladas, libertou por duas vezes o banqueiro boçal abonado Daniel Dantas, desfazendo duplamente a iniciativa cidadã, porém precipitada, daqueles que, para uns, poderão passar para a história como a figura de boçais justiceiros, tais como o delegado Protógenes Queiroz, ou para outros, como bem poderia ser o nobre juiz federal Fausto De Santis, ser catalogado na categoria dos boçais paladinos: aqueles que consideram que a grandeza de seus atos é insensível a qualquer pedido racional de moderação na prática desses atos, tal como prender um banqueiro enrascado até as cuecas com escândalos de corrupção, mesmo com o apelo de seus advogados. Na verdade, o juiz De Santis poderia ser, ao contrário, um agente antiboçal: aquele que extermina a boçalidade dos corruptos diante da impunidade, mandando pra cadeia os boçais abonados (aqueles que boçam na jactância de seu poder econômico), sem dó nem piedade.
O boçal totalitário gera uma subespécie na política nacional, que poderíamos definir como o boçal coronelista, ou o boçal totalitário nordestino. Esse fenômeno de boçalidade, já antigo, tradicional e que faz parte da história do país desde os tempos de colônia, implica num exercício de rudeza, ignorância, antipatia e insensibilidade digna daqueles detentores do poder absoluto, de regiões atrasadas e de origem agrária, onde prevaleciam os chamados currais eleitorais. É uma boçalidade que advém da formação da cultura de casta, onde a posição na hierarquia social, e não necessariamente o notório conhecimento, levam esses indivíduos a se tornarem autênticos representantes de uma boçalidade com requintes feudais. Nesse aspecto incluem-se todas as grandes oligarquias nordestinas, desde o Maranhão até a Bahia, incluindo-se nomes como os Sarney no Maranhão, os Maia no Rio Grande do Norte (com seu mais ilustre membro, José Agripino), os Collor de Mello em Alagoas, ou os Magalhães na Bahia (sob o legado de seu finado patriarca ACM). É aquela boçalidade brejeira, com cheiro de perfume francês, mas gosto de cacto, e os espinhos cultivados na forma das balas desferidas por jagunços ou pistoleiros, comprados a preço de ouro, pelos chefes políticos locais.
Temos o boçal acadêmico. Ah! Nesse caso não poderia deixar de figurar em nossa lista como possível figura deste tipo, o intelectual e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Desde seus saudosos tempos de sala de aula na USP, até sua histórica passagem pelo Palácio do Planalto, tornou-se folclórica a boçalidade do ex-presidente, caracterizada pelo excesso de vaidade intelectual, a crença em si mesmo como solucionador das pendengas nacionais, face a seus reconhecidos méritos e talentos acadêmicos, até hoje considerado por seus seguidores tucanos, como o presidente cujo governo foi responsável pela modernização do Brasil, pela entrada do país canarinho na globalização, através do Plano Real, das privatizações e da quebra do monopólio das telecomunicações. O bossal acadêmico tem uma qualidade interessante: a da suma sapiência auto-afligida, mas também tem mania de pedir, de vez em quando, que esqueçam tudo o que ele havia escrito. É o tipo do sujeito que até é convidado para festas, mas desde que as festas sejam, é claro, feitas em homenagem a ele, ou ele seja um dos ilustríssimos e esperados convidados.
Também citaria o boçal teológico ou eclesiástico, caso em que pode se inserir clérigos do quilate de um Bento XVI, ou aqui no Brasil do reverendíssimo arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, que, recentemente, pelo que li no "Blog da Branquinha" e em matéria publicada no Jornal do Comércio, manifestou-se favoralmente a excomungar uma jovem estuprada, de 9 anos, vítima de violência doméstica e que abortou de gêmeos, como também toda a equipe médica que a assistiu, mesmo restando comprovado o risco de morte para a mãe grávida. O boçal eclesiástico, em sua rudeza ou ignorância, acredita piamente ser o detentor das chaves do paraíso celestial, o dono das verdades sagradas, a secretária eletrônica de Deus, guardando as mensagens do Altíssimo, que devem ser repassadas para a toda a humanidade, como forma de obter o arrependimento das "pobres almas pecadoras".
Em quinto, há o boçal sonoro. Ahhh! Destes, a história da MPB tem férteis exemplos, sendo a Bahia quase que a capital nacional da boçalidade em termos musicais e artísticos. Nesse sentido é legítimo revenciar talentosos e polêmicos boçais como Caetano, Gil e Carlinhos Brown, ou seu grande precursor João Gilberto, ou, se preferirem, para não ficar num Clube do Bolinha, a boçalidade toda cheia de ginga e com belas curvas de uma Ivete Sangalo. No Carnaval da Bahia deste ano, ficou registrada na crônica carnavalesca o "piti" dado pela cantora baiana, "ex-rainha" da festa do povo do gueto, quando seu trio elétrico quebrou, enquanto sua turbinada rival Claúdia Leite arrebentava pelourinho acima, acrescentando uma nova era na cultura musical do horror, chamada axé music. O boçal sonoro, como o próprio nome diz, considera-se o cântico dos cânticos do mais belo cisne da mais bela lagoa do Abaeté (se é que lá tem cisne). Considera-se, portanto, a maior experiência musical já vivida pelo Brasil desde "O Guarani" de Carlos Gomes ou o "Trenzinho Caipira" de Villa Lobos. Roberto Carlos com sua boçalidade carola, metido agora em roupas de almirante, cantando em cruzeiros marítimos para simpáticas e gorduchas donas de casa sessentonas, é outro exemplo que poderia entrar na trupe. No lado mais POP, levando em conta às contribuições do rock nacional, não poderíamos esquecer jamais, mas simplesmente jamais, o nobre boçal da zona sul carioca, o indefectível e inesquecível Lulu Santos: "Por isso que souuuuuu, sincero!" E quem disse que os boçais sonoros estão apenas na música? Na televisão, e, principalmente na locução esportiva, sim.....o troféu vai pra ele!! Saí que é tuaaaaaaaaaaa..... Galvão Bueno!!! Éeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee, é do Brasillllllllllllllllll!!!!!
Não poderia me esquecer do boçal natureba!! Aquele que usa aquelas camisetas com a estampa Save the Planet ou "Não Matem as Baleias", enquanto joga na calçada a embalagem do cachorro-quente que acabou de comer, na esquina da repartição, sendo um típico defensor de energias alternativas não poluidoras, enquanto se dirige para o seu carro movido a.......... gasolina! Seus representantes ilustres encontram-se em Brasília, na Esplanada dos Ministérios ou no Congresso Nacional, seja pelo colete lustroso e florido de um Carlos Minc, seja pela inconstância e volatidade político-eleitoral de um Fernando Gabeira, ora apoiando os tucanos, ora os pemedebistas, ora ele mesmo. A boçalidade intelecto-ambiental de Gabeira lhe custou caro a eleição à prefeitura do Rio, desde que ele revelou ao celular que "suburbanas" vereadoras só poderiam mesmo ter voto na periferia, onde nem as políticas sociais, quanto mais as ambientais, chegaram, como nas favelas, morros e becos cariocas, não tão lindos quanto as ecologicamente preserváveis Pedras da Gávea ou do Arpoador, frequentadas pelos militantes "verdes".
Tem o boçal cineclubista: aquele que se considera o fino dos mais finos dos expertises em cinema, sem saber nem como se pronuncia Abbas Kiarostami. É o caso de críticos como Rubens Ewald Filho ou da insossa crítica da revista Veja, Isabela Boscov. Seus discípulos geralmente são como aquele que fica no pátio do Espaço Unibanco, na fila de ingressos, na rua Augusta, em São Paulo, recitando sobre a arte e a poesia conceitual da cinematografia japonesa, enquanto a namorada verifica se o troco do ingresso é suficiente pra tomar pelo menos um cafézinho. É o tipo do sujeito que curte assistir o canal People & Arts, se a gambiarra da antena parabólica do vizinho funcionou, mas é incapaz de dissertar sobre um filme do Mazzaropi ou sobre o último do Tom Cruise.
Por último, na minha teoria sobre a boçalidade, eu me referiria ao boçal hedonista. Aquele que do alto de sua fama ou popularidade, está mesmo é a fim de brincar e se divertir, e não está nem aí para as cobranças, como as da torcida corintiana e da direção do Timão acerca da necessidade de empenho do jogador Ronaldo, ainda enrrolado em noitadas (agora na noite paulistana), enquanto seu novo time ainda não disse a que veio no Campeonato Paulista. O hedonismo em meio à boçalidade, pode ser visto também, até em nosso bem avaliado presidente da República, que durante o Carnaval, num camarote carioca em meio a Sapucaí, acabou por não temer nem às vaias e caiu no samba, da "bateria do c..."(expressão presidencial) da Mocidade Independente de Padre Miguel, não dando bola alguma para as cobranças de seu partido o PT, de ter sido sumariamente garfado do poder por um faminto PMDB, que ainda querendo mais, conseguiu colocar Fernando Collor de novo no epicentro da política, dando-lhe de presente através do senador Renan Calheiros, a comissão de infraestrutura do Senado Federal, responsável pela tramitação das obras do PAC.
Se houvesse um sistema filósofico da boçalidade, creio que o seu princípio fundador seria o da falta de enxergar a si próprio para descobrir os seus próprios erros. O método filosófico da boçalidade consiste no emprego da autoignorância em proveito próprio, e seu objeto é a paciência alheia. Até perceber que não está agradando, o boçal leva tempo, ahhhh, mas muito tempo!
Putz! Será que sou boçal? Acuda-me São Paulo Francis!!
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