terça-feira, 10 de março de 2009

TRILOGIA DO EGOÍSMO-Parte I: A GLOBALIZAÇÃO DO RANCOR:QUANDO A MÁGOA VALE MAIS QUE A FELICIDADE DE SEUS FILHOS

O Brasil anda se especializando em polêmicas diplomáticas com outros países, em casos que envolvem inicialmente problemas entre particulares. Após o vexame do Itamaraty com o caso de Paula Oliveira na Suiça, chegou a vez do presidente Lula e da diplomacia brasileira se ver às voltas com o problema da guarda do menino Sean Goldman, criança de dupla nacionalidade(nascido nos EUA, mas registrado no consulado brasileiro), filho de pai norte-americano e mãe brasileira. O caso do menino é uma pérola de estudo para os aficcionados em Direito de Família e Direito Internacional, mas também é audiência certa nesses programas de auditório apelativos, onde a massa popular criada na era do "Big Brother", adora ver a "lavagem de roupa suja alheia", em mais um dos tristes casos de conflitos familiares, que só geram tristeza, caos e desunião.

Ganhando especial destaque na mídia nos últimos dias, com direito à reportagem de 30 minutos no Fantástico da Rede Globo e matéria de Capa na Revista Época, o caso do menino Sean reacende o velho dilema dos filhos de casais separados, e, em especial, dos filhos de casais de nacionalidades diferentes. O que quase sempre gera extensas, prolongadas, caríssimas e extenuantes pendengas judiciais, que geram desgaste não apenas financeiro, mas principalmente emocional.

Sean é filho de Bruna Bianchi, uma estilista carioca, que em 1997, ao fazer um doutorado de moda em Milão, conheceu o bonitão modelo norte-americano David Goldman. A estória tinha tudo para resultar num conto de fadas: a jovem brasileira e o modelo americano se apaixonaram na romântica paisagem italiana, Bruna engravidou e os dois decidiram se casar. Indo para os Estados Unidos, a cerimônia foi realizada em Nova Jersey e logo depois nasce Sean, registrado como norte-americano em Nova York e como brasileiro no Rio de Janeiro. Um típico cidadão do mundo desde o nascimento, mais um dos filhos da globalização.

O que ia bem, como o risco de toda relação, começa a ficar mal. Bruna alegava que o casamento ia mal depois do nascimento de Sean, as despesas da família ficavam por conta dela, e reclamava da ausência de sexo na relação com o marido. Segundo ela, nas discussões, David aparentava ficar mais e mais violento. Triste, com saudades do Brasil e dos pais, Bruna decide então voltar para o Brasil, alegando que precisava visitar a família e leva Sean, com autorização do pai. Ao chegar no Rio, Bruna decide não mais retornar, telefona para o atônito marido e informa da decisão, pedindo o divórcio. David, podemos imaginar, numa previsível cena de desgosto, se não quebrou tudo o que viu pela frente dentro de casa, depois do telefonema, provavelmente deve ter chorado à beça. O inferno familiar estava apenas para começar!

Começam as pendengas judiciais. David, inconformado com a separação e a partida do filho, inicia ações judiciais contra Bruna. Acusa-a de ter sequestrado o filho. O ex-marido norte-americano invoca a lei dos EUA, pedindo a guarda da criança, tendo em vista tratar-se Sean de um garoto americano. O Direito Internacional é mencionado pelos advogados de David, citando a Convenção de Haia, que trata do sequestro de crianças por seus pais, no caso de saída da criança de seu país de origem e refúgio em outra nacionalidade. Nos tribunais do Rio de Janeiro, em contrapartida, Bruna consegue a guarda de Sean. Nesse ínterim, Bruna conhece o advogado João Paulo, os dois se apaixonam e Bruna consegue um segundo marido. João Paulo vai residir com Bruna e Sean junto à família de Bruna, e passa a ser o segundo pai de Sean. A briga entre Bruna e seu ex-marido dura então quatro dolorosos anos.

Nesses anos, com as negativas de David de visitar Sean no Brasil, face a negativa de seus advogados, a imagem do pai norte-americano começa a adotar ares de vaga lembrança para o menino Sean, que vai crescendo no ambiente familiar carioca, como toda criança de classe média, rodeada do carinho da mãe e do padastro, dos avós maternos, dos tios, dos coleguinhas na escola, decidindo se vai escolher como time de futebol o Flamengo ou o Botafogo (espero que a segunda opção), e imerso nas suas brincadeiras infantis entre seus brinquedos, os bichinhos de pelúcia na parede de seu quarto, e os deveres de casa da escola. A situação poderia ficar por aí, nesse tão comum e previsível cotidiano, se não fosse a tragédia!

Bruna engravida pela segunda vez. Agora está esperando uma menina. A alegria da família acaba e logo se transforma numa tristeza profunda quando, inesperadamente, como bom roteiro de novela, Bruna morre durante o parto de Chiara, irmã de Sean. A família, profundamente triste e abalada pela morte de Bruna, não tem tempo nem de chorar os seus mortos, pois, dez dias depois da morte de Bruna, o condomínio da família Bianchi é cercado por agentes da polícia federal brasileira, membros do consulado americano e repórteres, acompanhados de cinegrafistas da rede de televisão yankee NBC. É o pai de Sean, voltando ao Brasil e querendo o filho de volta. Assim como no episódio da busca do garoto cubano Elian Gonzales em Miami (vide foto), no ano de 2000, (cumprindo decisão da Suprema Corte Americana, a pedido de seu pai em Cuba), a busca de uma criança e o desespero de seus familiares torna-se um espetáculo midiático. Felizmente para a família de Bruna e infelizmente para David, não foi daquela vez. O menino Sean não estava em casa para rever seu pai.

Se o ingrediente até agora, de filme de drama de tribunal, já não continha ingredientes mais do que explosivos, agora é que a estória começa pra valer em seus capítulos mais tensos, quando uma pitada mais apimentada de discórdia é acrescida nesse "vatapá de ressentimentos". Como querendo ver "o circo pegar fogo" nessa batalha de decisões judiciais, após a morte de Bruna, a Justiça Brasileira concede a João Paulo, padrasto de Sean, a guarda provisória da criança, alegando a "paternidade socioafetiva" (lógico, até porque nos últimos anos, quem Sean chama de "pai", não é seu progenitor americano, mas sim o padrasto brasileiro, que o acompanhou nos últimos anos). Se o duelo estava 2 X 1, com leve vantagem para os brasileiros, aguardem o devastador contra-ataque de David!

Não se dando por vencido, nos EUA, David Goldman agora se vale do que toda a sociedade adepta do chesseburguer gosta, apelar para os meios de comunicação! David inicia uma verdadeira campanha nacional para o retorno do filho, com direito à camisetas, bonés, copos, todos eles estampados com a foto de Sean (até imagino as frases lapidares, tipo: "volta Sean"!), e o que é melhor, com direito a faturamento para seu "aflito pai", com direito a copyright, e até avental com a foto da finada Bruna ( a "bruxa malvada" sequestradora de filhos, como deve estar no imaginário americano, que de tão má, acabou "batendo as botas"). David aparece choroso nos programas de Larry King no canal CNN e recebe comentários no programa de Oprah Winfrey, a maior apresentadora de TV americana do mundo (uma espécie de "Silvio Santos de saias" e negra, que é praticamente uma semideusa na mídia norte-americana). No Brasil, a família de Bruna começa a receber e-mails ameaçadores de indignados cidadãos norte-americanos, compadecidos com o suposto sofrimento de David. Na terra dos serial killers e psicopatas, chega-se ao cúmulo de um espectador anônimo, após assistir o programa de televisão de Larry King (segundo teve acesso a reportagem de Época) ameaçar diretamente um dos tios brasileiros de Sean, em um telefonema, dizendo:"nós americanos sabemos onde vocês brasileiros moram. Nós vamos pegar vocês"!

A campanha de David bate as portas da Casa Branca. A Secretária de Estado norte-americana Hillary Clinton, doida pra aparecer, se manifesta indignada com a disposição da justiça brasileira de não entregar o garoto à custódia norte-americana, cumprindo, segundo ela, a Convenção de Haia. Sobrou pro Celso de novo! O ministro das relações exteriores, o chanceler Celso Amorim, vivendo um começo de ano que, definitivamente, não é o dele, mais uma vez vira o "saco de pancadas" da imprensa internacional, ao levar um puxão de orelha da mulher de Bill Clinton. A polêmica familiar chega ao cúmulo de virar ponto na pauta do esperado encontro entre os presidentes Lula e Barack Obama. Já pensou? Com tantos assuntos pra conversar, com a fome em Darfur, o terrorismo dos talibans, o genocídio na África e a crise econômica internacional, agora Lula e Obama vão falar da guarda de uma criança!? De fato, TV faz bem! Quando tiver um problema e quiser resolvê-lo não chame a Justiça! Chame as câmeras! É assim que se resolvem as coisas numa sociedade universalmente midiática e globalizada.

É! E parece que o drama familiar do menino Sean está longe de acabar! Enquanto essa atordoada criança, em sua pureza e ingenuidade infantil, acha tudo isso um absurdo, os americanos: um povo muito esquisito, e os adultos: gente muito complicada de entender, milhares e milhares de casais no mundo vivem a dimensão de lares fraturados, pais separados, filhos lançados em diferentes regiões do globo, principalmente se são fruto de uniões binacionais. Entendo que o amor não tem fronteiras, e você não escolhe o idioma de quem vai se apaixonar. Mas uma coisa é certa, quando se tem filho na jogada, a situação fica bem mais complicada, e quase sempre sobra pra criança. E quem vai se importar com as crianças?

As relações afetivas, como todas as relações humanas, são tão complexas e imprevisíveis como o retorno das marés, uma chuva de granizo inexplicavél, o Grêmio perder quatro partidas seguidas, um tsunami devastador ou os intempestivos furacões. Nunca se sabe o que vai passar nas cabeças e nos corações daqueles que se relacionam, sobretudo quando um deles, ou os dois, de forma simultânea, descobrem que o amor acabou, aquela love story não deu mais certo e agora é hora de cada um pegar a mochila e seguir o seu caminho. Os filhos geralmente ficam como que náufragos isolados, a mercê das marés, ou a espera de que o bom senso de seus progenitores conduza sua formação da forma mais civilizada e harmoniosa possível. É muito difícil para muitos exercer o amor, mesmo sabendo que o amor pelo outro não deu mais frutos, pois se trata aí não mais daquele amor eros (como diriam os gregos), típico das paixões e que une os amantes, mas sim o amor filia, aquele baseado no companheirismo e na compreensão, que deve prevalecer não pelo amor a uma mulher ou a um homem amado que se foi, mas sim o amor ao fruto daquele amor que um dia existiu: o amor a um filho. Os pais, em sua ânsia rancorosa de recuperar o irrecuperável, tornam visíveis suas feridas internas, suas dores, suas fraturas expostas produzidas pela sua incapacidade de esquecer, e dessa falta de esquecimento permanecem ressentimentos que por anos conduzem as relações entre atores do teatro da vida já separados fisicamente, mas vinculados indissoluvelmente a uma pequena vida gerada, que um dia há de crescer e se deparar com esse mundo por vezes tórrido, violento e tão incompreensível da forma mais dolorosa, vendo o ódio que persiste entre seus próprios pais.

Polêmicas vividas por crianças como o menino Sean, apenas lembram o quanto do ego e do egoísmo resultante dele deixamos que fique gravado em nossas consciências, nos tire a razão e o bom senso e sirva tão somente para nossos interesses pessoais, esquecendo-nos de quem mais amamos. Em nome do amor já foram praticados os atos mais vis. Pessoas sofreram, familiares viram se perder entes queridos, homens e mulheres, outrora sãos, transformaram-se em loucos psicopatas, criminosos, infratores, que matam, ferem, iludem, saqueam, tudo em prol de um sentimento de revolta, de indignação sem volta, onde, cegos por suas paixões, esses seres humanos encontram-se incapazes de perceber o quanto de mal e o quanto de tristeza estão provocando naqueles mais inocentes a quem tanto dizem que amam: seus tristes filhos; que não tem nada haver com a confusão provocada pelos adultos, a não ser terem sido produto, num belo dia, da união de um espermatozóide com um óvulo.

Falta muito para os adultos aprenderem que as crianças não são tão inocentes, ingênuas ou burras como eles pensam, incapazes de perceber a discórdia em sua volta, o egoísmo de seus familiares, e a ausência de paz e de amor entre seus entes queridos. Enquanto continuarmos a achar que o problema é sempre do outro, e não nosso problema, e que renunciarmos aos nossos próprios sentimentos de desilusão com o amor do outro, em prol de nosso amor-próprio, e, principalmente, em prol do amor a nossos filhos, não veremos nunca acabar a triste ciranda da vida que acaba de forma trágica e vergonhosa sob os aplausos bisbilhoteiros de estranhos, ávidos por uma cultura do escândalo, difundida gananciosamente pelos instrumentos da mídia. Ao expandirmos o nosso ódio, globalizamos o rancor, como um produto ruim, do que restou de nossas relações, num amor globalizado, quando, ao contrário, deveríamos celebrar a vida e a boa convivência, como resultado desse amor que, como eu disse, desconhece fronteiras.

Pobres crianças, filhos de seus pais egoístas! Pobre Sean!

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