terça-feira, 31 de março de 2009

A TRILOGIA DO EGOÍSMO-Parte II: "Papai, o avião tá caindo!"

Parece que o mês de março de 2009 passou por nós como um furacão de eventos midiáticos envolvendo tragédias sobre a guarda de filhos, fins de relacionamentos amorosos frustrados e a trágica "solução final" para aqueles que anulam a existência do próximo, ou anulam a si mesmos sob o fardo da dor, da incapacidade de se reerguer, pela falta da vontade de recomeçar e pelo extremo egoísmo, que leva alguém a ceifar vidas ou terminar com a sua própria.

Fui isso que ocorreu tragicamente no dia 12 de março, no pátio do estacionamento do maior shopping de Goiânia, quando Kleber Barbosa e sua filha pequena Penélope, de 5 anos, voaram para a morte, após o pai ter roubado um avião monomotor e depois de ter voado por alguns minutos pela capital goiana, ao espatifar sua aeronave no shopping. Antes disso, Kleber tinha agredido gravemente sua mulher, Érika, numa rodovia da cidade, com um extintor de incêndio, e sequestrado a filha.

Pelos depoimentos vistos na TV, de amigos, familiares e pessoas que presenciaram o episódio, Kleber era uma pessoa sensivelmente perturbada, falava corriqueiramente em suicídio, tinha prazeres mórbidos como assistir em DVD a tétrica série "Faces da Morte", e teria elogiado a suposta "coragem" dos terroristas islâmicos, que foram responsáveis pela morte de milhares de pessoas nos atentados de 2001, do 11 de setembro, nos Estados Unidos.

Fora a piração de Kleber, e o fato simples e acabado de alguém, num momento de loucura, ter acabado com a própria vida e com a vida da filha, fica a indagação aqui não apenas de quem fica atônito com as inúmeras tragédias cotidianas trazidas pelos canais de televisão, mas sim pelos motivos que levam pessoas a tirar a vida e a de seus entes queridos por caminhos que chegam a apresentar um padrão: o velho esquema dos crimes passionais e das mortes causadas por conflitos afetivos e familiares.

Lembro-me que na unanimidade dos fatos relatados sobre a conduta de Kleber, capta-se um fato específico, que foi aquele que antecedeu a tragédia: Kleber teria brigado com a mulher antes de golpeá-la com um extintor de incêndio e raptado a filha, e já manifestava na sua relação afetiva fortes traços de perturbação, num relacionamento familiar que teria tudo para ser abençoado em virtude da concepção de uma nova vida: o surgimento da pequena Penépole. Infelizmente, isso não ocorreu, e sobrou mesmo para aquela triste criança, que teve a vida precocemente tirada, pela loucura ou pelo surto egoístico de um pai psiquicamente perturbado, que não conseguiu fugir das barras da prisão que acorrentava a si próprio.

As prisões da alma ou do espírito talvez sejam piores do que os cárceres gelados, feios, sujos e mal acabados dos presídios brasileiros. Como disse o escritor Albert Camus, em seu livro "O Mito de Sísifo": "Descubro, agora, por conseguinte, que a esperança não pode ser evitada para sempre e que pode assaltar até aqueles que supunham estar livres dela". Camus procura em sua obra discorrer sobre um problema filosófico em especial, acentuadamente sério: o suicídio. Para ele, julgar se a vida vale a pena ou não ser vivida é uma questão fundamental da filosofia. Afirmo que a "consciência do absurdo" de que trata Camus engendra a formação dessas prisões psíquicas. O enfermo da alma, ao se deparar com o absurdo da manutenção de sua própria existência ou da falta de sentido na vida dos outros, por vezes não se liberta através da fé ou da religião, como gostaria Platão, ao filosofar sobre as soluções do oráculo e a sacerdotisa Diotima sobre a falta de amor, em o "O Banquete", mas sim acaba por aumentar o concreto das paredes que o encerram em si mesmo. Só isso, a meu ver, para explicar posturas desesperadas como a do "piloto" Kleber, que no auge de seu delírio de não se sentir um ser amado, por não amar a si próprio, mas como num último gesto de apego, como querendo uma companhia para sua triste caminhada solitária rumo à morte, ele leva consigo a pureza perdida refletida nos pequenos olhos da pequena Penépole, que hoje, infelizmente, adormeceram para sempre deste mundo, mediante o último gesto desesperado de seu pai.

Kleber queria morrer no ar, como disse sua ex-mulher em depoimento à polícia e aos telejornais. Na verdade, talvez em sua loucura, ele quisesse desaparecer nas nuvens, como aquele temporal ou aquela chuva de mal tempo, que não conseguiu regar o que colheu como deveria, e por isso estaria fadada a desaparecer. Kleber inundou-se em sentimentos de fim de seu mundo, e achou que somente nas nuvens poderia ele deixar seu último recado de sua tão atormentada vida. Que pobre alma infeliz! Que triste lamento de soluços tão contidos que ninguém conseguiu ou ele deixou que se pudesse escutar! Kleber foi vítima do egoísmo de seus sentimentos, ao não possibilitar que nem sua família compartilhasse de seu sofrimento, ou mesmo alguém da esquina viesse a acudir o seu choro e dar-lhe consolo! Que Deus lhe tenha misericórdia!

Fico imaginando ali no alto, na hora do acidente. Os pequeninos olhos da garota Penélope ao fitarem seu pai, contemplando o contraste da beleza do céu azul e das nuvens, com a paisagem de Goiânia embaixo, em comparação com o olhar frio e vazio de seu pai nos controles do avião, acompanhado de perto pelos caças da FAB, que sem sucesso, não conseguiram evitar o pior. Imagino aquele avião descendo veloz, em direção ao estacionamento do shopping, enquanto vejo a criança Penépole, em toda sua inocência e ingenuidade infantil, dizendo para seu algoz: "Papai, o avião tá caindo"!

E a vida suspensa no ar acaba por se espatifar!

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Até quando teremos que ver isso?