quarta-feira, 1 de abril de 2009

A TRILOGIA DO EGOÍSMO-Parte III- Amor, morte e futebol na vida de Janken Ferraz


Eu disse que o mês de março foi o mês das rupturas afetivas, lares desfeitos, disputas sobre filhos, com forte cobertura da mídia, que serviram de pivô para a prática de crimes. Chamei esses casos de "trilogia do egoísmo", e agora, finalizo a série tratando do terceiro fato que se tornou manchete dos jornais, assim como os casos que o antecederam, a respeito da prisão do ex-jogador de futebol Janken Ferraz Evangelista, pelo homicídio de sua ex-mulher, a jovem Ana Claúdia Silva, de apenas 18 anos, há duas semanas.

As câmeras do circuito interno do condomínio onde vivia Ana Cláudia registraram quando Janken, Ana e o pequeno filho do casal, retornaram na data do crime de um jogo no Pacaembu. Minutos após o casal ter entrado no edifício, as câmeras captaram Janken retornando ao elevador, agora sem Ana, acompanhado apenas do filho pequeno nos braços, e vestindo outra camisa. Horas depois, Ana Cláudia foi encontrada morta no apartamento, vítima de várias facadas.

Desaparecido e procurado pela polícia, tendo sumido com o garoto, Janken foi acusado do homicídio de Ana, além do sequestro do filho, e foi descoberto, entregando-se às autoridades no dia 25 de março, na cidade de Teixeira de Freitas, na Bahia, onde viviam familiares do acusado. Janken confessou o crime aos policiais, e disse que teria matado Ana, após uma discussão, por causa de ciúmes.

Ana Cláudia era uma bela e jovem garota loira de 18 anos que conheceu Janken na adolescência, quando passaram a namorar. Ela veio a engravidar e mesmo com a sugestão do então namorado de fazer um aborto, Ana veio a ter a criança e os dois se casaram, passando a jovem mãe a ter uma série de atritos com o marido, como também com a família dele. Os dois iniciaram um processo de separação e uma disputa pela guarda do filho. Janken, segundo depoimentos de familiares da moça e de amigos, não teria concordado com o fim da relação e nem com a distância de seu filho, reagindo violentamente às sucessivas negativas da ex-mulher de reatar a relação.

Junken Ferraz foi jogador de futebol, tendo jogado nas categorias de base do São Paulo Futebol Clube. Independente de seus dons futebolísticos, é inegável que Janken perseguiu a carreira de jogador, tendo inclusive praticado outro crime além do delito cruel do qual é agora acusado. Logo após sua prisão, descobriu-se que Janken falsificou há alguns anos sua identidade, adotando a identidade do irmão, então um adolescente de 16 anos na época, para poder ingressar no renomado time de futebol brasileiro. Janken precisava mentir sobre a idade para ser aceito no clube, e num caminho de mentiras consolidou sua carreira e casamento, ambos fracassados. Segundo depoimento da irmã de Ana Cláudia no programa da Record, do último domingo, a mentira quanto à idade foi mais um dos motivos da decepção de Ana em relação ao seu suposto "príncipe encantado", e mais um fator que acrescentou razões para a inevitável separação.

Chovem denúncias quanto à conduta de Janken após sua prisão. Uma ex-namorada alega ter sido vítima de tentativa de homicídio por Janken, quando este a atropelou após uma briga, passando por cima dela com uma motocicleta, quando era adolescente. Parece que os depoimentos colhidos são unânimes em dizer que o ex-jogador do São Paulo era um tipo instável, de comportamento explosivo, agressivo, que reagia mal diante de negativas, e que seria capaz (como foi) de matar alguém, sobretudo se essa pessoa fosse mãe de seu filho.

Não deixo de verificar aqui as tristes semelhanças e inevitáveis conexões entre os casos apresentados aqui neste blog no mês de março, compondo minha aludida "Trilogia do Egoísmo". Nos 3 casos apresentados ( o de David Goldman X Bruna Bianchi pela posse do menino Sean; a tragédia de Goiânia com a morte de Kleber Barbosa e sua filha Penélope; e o homicídio praticado por Janken Ferraz contra sua ex-mulher Ana Claúdia, após brigas pela posse do filho) estão presentes os seguintes componentes: casais com relações afetivas desajustadas que tendem ao fim; a disputa pela guarda ou posse de crianças, que acabam se tornando vítimas involuntárias dos sentimentos egoístas de seus pais; a transformação do conflito familiar em crime e consequente caso de polícia ou conflito judicial( a acusação de sequestro feita pelo pai de Sean contra a ex-mulher, a falecida Bruna; o homicídio de Penépole praticado pelo próprio pai, que se suicida na queda de um avião, além da tentativa de homicídio contra a ex-mulher; o homicídio da ex-mulher por Janken Ferraz, além do sequestro do filho).

É verdadeiramente impressionante o quanto a chamada pós-modernidade e a necessária releitura de conceitos tradicionais tão sacramentados, quanto à manutenção da família e a consequente felicidade familiar, são tão questionados e tão descontruídos diante da tragédia cotidiana, da ruptura violenta de relacionamentos afetivos frustrados. Os tristes fatos, que acabaram compondo a triste trilogia a que me refiro, são apenas um recorte de sofrimentos rotineiros de todos os dias na vida de casais ou de famílias em crise. A constatação de que o amor acabou, os laços que outrora uniam não mais subsistem, que a disputa injusta e cruel pela guarda de filhos irá ocorrer, como se eles fossem troféus de uma luta ensandecida de recuperação da auto-estima e do amor-próprio, apenas refletem aquele sentimento de orgulho ferido daqueles que se separam, transformado no mais puro e viciante egoísmo. O egoísmo é o veneno que mata a sensatez, afugenta o amor, inibe a compreensão e torna turva a visão, fazendo com que cegos pais não percebam o quanto de sofrimento estão repassando para seus filhos.

Fico me perguntando até quando inúmeros "Janken Ferraz" estarão à solta por aí, disfarçados na figura caricata de bons moços, bons maridos e bons pais de família, e dali, como numa transformação de Doutor Jeckyl para Mister Hyde, saem das sombras para mostrar sua verdadeira face doentia, destruindo não apenas seus relacionamentos afetivos, mas também a própria vida das pessoas. Fico imaginando, como querem alguns psicanalistas, se não seria tudo culpa das mães??!! Ou se não seria alguma deficiência de tratamento desde a tenra infância, encoberta sob mimos excessivos ou pseudozelosos, que transformariam crianças irriquietas, ou incapazes de assimilar um "não", em futuros adultos raivosos, inconstantes, possessivos, cegos, autoritários, que não conseguem lidar sozinhos com suas frustrações e acabam por compensar nos próprios filhos suas dores interiores, quando decidem massacrar ex-maridos ou ex-esposas, seja figurativamente ou mesmo pela prática do extermínio, nas sucessivas notícias de assassinatos e crimes passionais divulgados pela mídia, na sua sede de sangue por mais e mais informações sensacionalistas.

Sobre isso recordo um interessante estudo feito por Boris Cyrulnik, em seu livro "Falar de Amor à beira do Abismo". O célebre psicólogo e pedagogo francês fala em uma passagem do livro, acerca do que o homem machucado pelo sofrimento pode agravar ou reparar com sua perda afetiva, afirmando: "para não se deixar assassinar, é preciso buscar nas significações escondidas as estruturas invisíveis que possibilitam o funcionamento desse sistema absurdo e cruel".

Ora, fico imaginando se não é na fé, na crença da justificação mais racional dada por Deus aos sofrimentos mais absurdos é que podemos ter a capacidade de recomeçar ( a chamada "resiliência" ou recuperação de que trata Cyrulnik). Da nosse fome por relacionamentos perfeitos, por um modelo pronto e acabado de vida afetiva e familiar estável e feliz, por construir narcisicamente nossos quadros, pintando nossa realidade na realidade do outro (como afirma Comte-Sponville), acabamos por destruir o próprio quadro construído, pela força impactante, irracional e intragável de nossos desejos reprimidos, de nossa ânsia por respostas prontas e acabadas, pela sedução do nosso próprio egoísmo. Esquecemos que a vida foi feita para ser vivida, seja lá como, e não por um modelo pré-concebido que estabelecemos como ideal (aí eu retorno a chamada "consciência do absurdo" retratada por Albert Camus, no texto anterior publicado neste blog). Enquanto em nossa arrogância tratarmos como adultos as nossas crianças, que dependem de nós e nosso afeto, quando nós mesmos nos transformamos em crianças irriquietas, birrentas e egoístas, que choram quando nos tiram o nosso doce ( no caso, o doce do desejo, da vontade animal de querer ficar com o outro), não poderemos, na verdade, nos auto-intitular de verdade como adultos.

Ou será que não seria nada disso e pessoas como Kleber Barbosa ou Janken Ferraz seriam apenas esses seres uns francos psicopatas? Segundo o psicólogo canadense Robert Hare, em entrevista publicada recentemente na edição de 1 de abril da Revista Veja, o psicopata não nasce psicopata, e sim, nasce com tendências para a psicopatia. Assim, todos nós, dependendo da forma como interagimos com os outros e como fomos criados, podemos nos tornar ou não psicopatas, ou sermos tidos pelos outros (especialmente por nossos ex-relacionamentos ou ex-namoradas) como psicopatas. Um psicopata não é incapaz de sentir amor, e na verdade pode até amar muito, mas de uma forma tão egoísta ou tão ausente de moralidade que esse amor pode resultar em morte. Lembremo-nos que se o egoísmo passional nos torna loucos, a psicopatia nos torna "loucos morais", ou seja, tornamo-nos pessoas incapazes de sentir remorso, dor ou arrependimento, após termos saciado um certo sentimento de vingança ou revanche muito típico, sobretudo quando ganhamos a guarda judicial de um filho, ou conseguimos que aquele que nos amou mas não ama mais, se estrepou de alguma forma: ou com uma facada, ou morrendo numa sala de cirurgia, ou levando um extintor de incêndio na cabeça, como vimos nos casos retratados neste blog.

É, meus amigos, os cães ladram mas a caravana passa! Queira eu não me tornar refém de meus egoísmos, das minhas próprias psicopatias, para não ter o mesmo triste fim que um Kleber Barbosa ou um Janken Ferraz! Pobres crianças! Pobre Ana Claúdia! Que Deus tenha misericórdia de todos! Amém!

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