quinta-feira, 23 de abril de 2009

BATE-BOCA NO TRIBUNAL: JOAQUIM BARBOSA PARA PRESIDENTE!!

O título deste comentário é notadamente uma brincadeira, mas serve para denotar um pouco o espírito da opinião pública, após a tempestuosa briga que se viu no plenário do Supremo Tribunal Federal, devidamente captada ontem pelas câmeras, numa sessão de julgamento do tribunal, entre o ministro Joaquim Barbosa e o atual presidente do Supremo, Gilmar Mendes.











A querela, televisionada, mostrada inúmeras vezes na internet e no próprio site do Uol, revelou que na votação do processo da Previdência, o ministro Barbosa não gostou de deliberação do ministro Gilmar e numa discussão técnica sobre aspectos interpretativos da lei, acabou por se revelar uma visível rusga entre os ministros votantes, num desentendimento que gerou inflamado bate-boca (vi a hora de um deles pular de sua cadeira e agarrar o pescoço do outro), demonstrando existir uma antipatia recíproca e uma briga de egos muito comum no Judiciário brasileiro, e porque não dizer, psicologicamente falando, em todo ambiente de equipe de trabalho, onde seus integrantes tem dificuldades de lidar com a vaidade própria e a alheia.



"Vossa excelência não está na rua, não. Vossa excelência está na mídia, destruindo a credibilidade do Judiciário Brasileiro. Vossa excelência me respeite, eu não sou um de seus capangas do Mato Grosso, não!" Essas foram apenas algumas das lapidares frases que o ministro Joaquim Barbosa proferiu em alto e bom som, em direção ao seu colega de corte. Mais do que a reação raivosa de quem se sentiu incomodado com o gesto de um colega, revelando todo o ressentimento mútuo e antipatia contida, a reação de Joaquim Barbosa demonstrou o que muitos brasileiros gostariam de ter feito, certos ou não, em relação às posturas adotadas pelo ministro Gilmar Mendes, já algum tempo.


Não obstante sua notável capacidade jurídica, intelecto privilegiado e dedicação à área jurídica, não há como deixar de comparar o ministro Mendes a seu congênere na política, responsável por sua indicação ao Supremo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Mendes era da cota pessoal de FHC nas indicações presidenciais para o Supremo, em seu mandato, e na época que foi advogado-geral da União, do governo anterior, foi responsável por grandes e dedicadas defesas, das causas tucanas do senhor FHC e asseclas de seu partido, manifestando o atual ministro uma plena identificação política com o alto tucanato.


É claro que o Supremo, além de ser uma corte constitucional é um tribunal político. Hoje, até uma criança do ensino médio que goste de história, sabe disso. A composição dos tribunais superiores no país é feita por indicação política. Entretanto, diferentemente do passado, onde qualquer apaniguado podia fazer uma "boquinha", pegando um cargo numa alta corte, na base do fisiologismo e do puxa-saquismo, no Brasil da era-Lula, mesmo que a duras penas e de forma capenga, os altos postos do Judiciário brasileiro, especialmente o STF (sobretudo após os escândalos de vendas de sentença do STJ), hoje são compostos por pessoas que são indicadas tendo, ao menos, um profundo conhecimento técnico em sua área, respeito em sua categoria profissional e conquistado posições na estrutura do poder por méritos próprios.


Foi assim com a indicação do ministro Barbosa, indicado por Lula para ser o primeiro ministro da cor negra, da mais alta corte do país. Assim como o Judiciário inovou após dezenas de anos, colocando mulheres no topo da estrutura judicial (tendo sido a corte presidida anteriormente pela ministra Ellen Gracie), a política atual das "ações afirmativas" chegou até os afrodescendentes e as mais altas cortes, levando um deles até a alta cúpula do Judiciário.






Assim como Mendes tem seus méritos, e isso é inegável, o ministro Barbosa também é um exemplo de superação. De origem humilde e lutando contra os preconceitos, como todo brasileiro que vem de baixo, estudou, dedicou-se, ingressou num faculdade de direito, e, formado, passou num concurso. Foi no Ministério Público Federal que Barbosa galgou voos maiores, sendo promovido por merecimento, até ganhar o respeito de seus pares na profissão, e atenção do presidente Lula, numa indicação para o Supremo que significou um fato histórico, nas lutas do povo negro de combater o racismo e eliminar o preconceito nesse país, assim como a opinião pública mundial aplaudiu, quando Barack Obama chegou à presidência dos Estados Unidos, numa onda de otimismo que há muito não se via na política global, e, pasmem, diante de uma crise econômica mundial aguda e colossal.



Que Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa tem suas diferenças isso é inegável, e natural. Assim como o ministro Marco Aurélio de Melo, com seu linguajar afetado típico e suas decisões polêmicas, pôde ser antipatizado uma época por vários membros daquele corte, ou mesmo por todo o tribunal. Ora, ser quem você é, independente da opinião dos outros, tendo dignidade para manifestar suas opiniões, mesmo que conte com a reação de reprovação contrária, é no mínimo, conduta digna de respeito, e por isso o citado ministro ganhou a respeitabilidade de seus colegas de toga, assim como do restante da sociedade. Porém, o que ocorreu na briga de ontem, entre os ministros do judiciário, revela um pano de fundo mais intrigante, é que resvala, na verdade, em dois posicionamentos políticos contrários, que manifestam pela origem das indicações de ambos à corte, a disputa bipartidária e nacional entre as duas maiores legendas políticas da atualidade: PT e PSDB.

É bem verdade que a Lei Orgânica da Magistratura proíbe a filiação partidária de juízes, mas é também verdade que a composição do tribunal é feita por indicação política. Então, é claro, pra quem quiser ver, que por trás das indicações, não obstante o "notório saber jurídico" a que me referi, existe o posicionamento de que o indicado que vai compor o tribunal seja, ao menos, minimamente identificado com o posicionamento político do governo da ocasião. Foi assim que aconteceu com o ministro Gilmar, foi assim que ocorreu com o ministro Barbosa.







Fora a disputa de egos, e a antipatia mútua que nutre os sentimentos dos dois ministros na relação de um com o outro, ou fora mesmo o jeito meio arrogante, até mesmo boçal do ministro Mendes, e o jeito desaforado ou irritado do ministro Barbosa, a briga de ontem revelou até que ponto a opinião pública não está a jogar, com os interesses dominantes dos grupos políticos, que almejam a presidência em 2010, numa disputa que tem tudo para ser acirrada, em quem vai ficar na cadeira hoje ocupada pelo presidente Lula.





As recentes decisões judiciais e declarações à imprensa do ministro Gilmar, sobretudo no que tange à prisão e posterior soltura do banqueiro Daniel Dantas, na operação Satiagraha, suas concepções quanto à ilegalidade das ações do MST, e a resolução pelo fim do uso de algemas, bateu na opinião pública como a de um ministro senão comprometido com os interesses dos poderosos, ao menos omisso, ou no mínimo preocupado, pois agiu com maior rapidez quanto à denúncias de que seu gabinete estava grampeado, do que quanto ao julgamento de envolvidos em escândalos de corrupção, sobretudo se relacionados com o governo anterior. E para alguns, isso soou como uma certa omissão incriminadora. No entanto, entendendo que todo e qualquer julgador, quanto mais um ministro do supremo, tem todo direito de expressar suas convicções, já que a Constituição permite, vejo muito mais a utilização política ( ou "politiqueira") das decisões do ministro, no sentido de ferir a credibilidade do Judiciário, pois isso sim é que afeta a alta corte, e não as ações isoladas deste ou aquele julgador.

Na sessão do plenário do Supremo ontem, poderia parecer a querela que se instalou, uma mera briga de funcionários públicos num ambiente de trabalho, se a repartição não fosse a mais alta Corte do país. Os ministros do Supremo, com seus egos naturamente inflados por terem sido indicados para a instância máxima do Judiciário brasileiro, pelo seu "notório saber jurídico e reputação ilibada", representam um dos Poderes da República, e também são hoje, numa sociedade midiática, galgados à posição de pop stars. Daí o interesse da mídia por tão prosaico bate-boca, entre duas emblemáticas figuras representativas da Justiça (?!) brasileira.



O Supremo Tribunal Federal conseguiu na sociedade ganhar visibilidade que nunca teve na história da República. E isso é bom. Através da internet, da TV Justiça, das votações polêmicas (como o aborto de anencéfalos, a demarcação da reserva Raposa do Sol e o uso de células-tronco) e das dezenas de reportagens cobrindo a atividade diária dos julgadores, fez com que o Judiciário brasileiro deixasse de ser aquele poder fechado, hermético, formal, elitista, de gente letrada e educada, falando num português castiço, gabando-se de seus conhecimentos teóricos em meio a um esbanjamento de expressões vernaculares, dando aulas num latim indecifrável, para milhares de brasileiros que mal sabem ler. Com a mídia e a consequente midiatização dos espaços públicos, hoje é comum encontrar-se alunos mais dedicados do segundo grau, que sabem, ao menos os nomes de dois a três ministros do Supremo. No tempo em que ingressei numa faculdade de direito, há vinte anos atrás, nem mesmo um aluno do último ano sabia ao certo o nome do presidente do tribunal, fato que hoje é o contrário, tendo em vista a relevância que é dada hoje pelos jornais às decisões da Alta Corte, e a maior visibilidade que alcançaram os juízes, atuando não mais como meros repetidores de códigos, mas sim atuantes representantes da chamada "jurisdição constitucional".

O desabafo do ministro Barbosa, apenas reflete o que muita gente gostaria de ter dito, após ter sido influenciada pelas reportagens desabonadoras, em que mediante uma ação diligente do juiz federal Fausto De Santis, mandando prender o banqueiro Daniel Dantas, a rápida ação seguinte do ministro Gilmar libertando o banqueiro gerou um sentimento de indignação, típico daqueles que acreditam que a sociedade brasileira é a sociedade da impunidade, e que todos os poderes públicos, inclusive o Judiciário, estariam efetivamente comprados. Não compartilho desse pensamento, mas também não sou ingênuo para não achar que no jogo de interesses que se dá entre os poderes econômico e político, muito ainda tenha que ser solucionado, para se saber em que grau se deu as obscuras relações do citado banqueiro com os serviços do Estado. Pra isso é que serve a polícia, pra isso é que serve o Judiciário brasileiro, e se até Salvatore Cacciola, após ter pego um bronzeado em Mônaco foi preso, porque então não confiar que algum dia outro desses "gabolas" de colarinho-branco também não possam ir em cana, de vez em quando? Marcos Valério foi e saiu de lá dizendo que foi violentado, apesar de seus colegas de cela terem dito que até emprego em cervejaria ele ofereceu pra eles. Por que não pensar que nosso Judiciário pode acertar de vez em quando? Ao menos acertando em conter sua tradicional morosidade? O juiz Rocha Matos que o diga, pois ainda está na cadeia.

A meu ver a briga de ontem reflete bem um clima folhetinesco de polarização bem ao gosto da mídia: de um lado, o pretor do Mato Grosso, o sisuso e bochechudo defensor de engravatos, o último remanescente das hordas de FHC, onde por trás da toga esconde-se a plumagem ideológica tucana; do outro, o "diamante negro" da ética (parodiando o antológico Leônidas do futebol), o ministro egresso das massas, um correlato do chefe do executivo (também de origem humilde) no judiciário , com seu indisfarçável discurso petista, o "Batman" afrodescendente a combater os criminosos de colarinho-branco da Gotham do Planalto. A briga de ontem só reflete uma imagem cultivada pela mídia no imaginário coletivo, de quem sejam os "mocinhos" e os "vilões" dentro do Judiciário nacional. É só ver a capa da Revista Carta Capital aí do lado. É so ver a capa da Veja. Nada mal para uma saborosa crônica policial, mas muito pouco, para o que esperamos do nosso Judiciário.

Portanto, acredito que as rusgas entre ministros sejam naturais e façam parte das relações humanas, quanto mais as que se dão num órgão público de tanta visibilidade. Não acredito em crise do Judiciário por causa disso, mas sim em crise de concepções quanto ao Judiciário. O problema é nosso, não é deles e nem dos outros, e compete a nossa opinião pública eleger ou não os "heróis" e "bandidos" dessa estória toda. Portanto, fazendo coro à massa: Joaquim Barbosa para presidente!!!

Um comentário:

  1. Amigo, muito bom o artigo. Vou indicá-lo aos amigos para tomar mais conhecimento sobre o que é uma Corte Suprema do Judiciário, e quais os interesses. Quanto as charges ficaram ótimas, e todo o conteúdo, digno de aplausos,

    meus fraternos cumprimentos,

    Claudinha

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