terça-feira, 28 de abril de 2009

"Voar,voar, subir, subir..." mas não com o dinheiro da Câmara!


"Voar, voar, subir, subir, ir por onde for. Descer até o céu cair ou mudar de cor". Podem me chamar de brega, mas, pra quem conhece os versos iniciais da canção "Sonho de Ícaro", do cantor Biafra, famosa nas rádios na década de oitenta, sabe que a paródia desses versos serve agora como anedota comparativa das últimas notícias do Congresso, sobre a farra de passagens aéreas utilizadas pelos deputados.


Foi-se o "trem da alegria", agora é o "voo da folia". A última dos nossos "nobres" representantes no Parlamento deu-se a partir de notícias sobre o colunável empresário e dublê de deputado, Fábio Faria, do PMN do Rio Grande do Norte, quando se descobriu que ele custeou as passagens aéreas de sua então namorada, a apresentadora Adriane Galisteu, assim como de sua sogra, até Miami, com dinheiro da Câmara, referente à verba destinada aos parlamentares para passagens aéreas. Além disso, Faria custeou também a vinda a cidade de Natal das estrelas globais Samara Felippo, Sthefany Brito e seu irmão, o ator Kayky Brito, para participar das festas do Carnaval fora de época na cidade, no camarote vip do Carnatal. Faria tornou-se o mais jovem deputado federal envolvido em esbanjamento de dinheiro público, tão somente para fins pessoais. Com um detalhe, apesar de ter devolvido o dinheiro (depois de muita relutância), o deputado informou que seu desvio ético não foi uma ilegalidade (como realmente, pasmem, não foi), mas foi apenas um "erro pontual", segundo o que diz matéria da revista Veja do dia 22 de abril.


Acontece que esses "erros pontuais" são cometidos, sem distinção, praticamente em todos os gabinetes parlamentares de Brasília, entre vários deputados, independente do espectro político, seja de esquerda ou de direita, em todas as agremiações, seja lá quais diversos sejam os motivos. Para se ter uma ideia, no outro lado dos grupos políticos que fazem o Congresso, lá na extrema-esquerda, até mesmo ilustres deputados do P-Sol como Luciana Genro, do Rio Grande do Sul, até Chico Alencar, do Rio de Janeiro, utilizaram indevidamente a verba da Câmara com passagens aéreas para custear terceiros, com motivações diferentes dos fins originais da benesse institucional, qual seja, a de proporcionar o deslocamento do parlamentar até suas bases políticas de origem ( o estado que o elegeu), onde, para bom entendedor, competiria tão somente ao próprio parlamentar, e a mais ninguém, valer-se da passagem, com fins unicamente políticos e institucionais.

Até Fernando Gabeira, do PV do Rio, outrora um dos bastiões da moralidade e da defesa da ética na política, caiu na tentação da passagem fácil, acomodando-se com a mordomia, concedendo passagem para que uma de suas filhas visitasse a outra no Havaí, ou para fins mais modestos e até humanitários, quando financiou com verbas da Câmara a viagem de um monge budista de Florianópolis até São Paulo. Bom, no último caso até se justifica, em parte, a "boquinha", pois, ao menos, sabe-se que monges budistas são avessos a materialismos em seu voto de pobreza e lisos até a goela, demonstrando até a preocupação religiosa do "verde" deputado em querer enviar um dos representantes de Buda da serena Floripa, até a "material" selva de pedra paulista. Só falta agora financiar religiosos daimistas da Amazônia até às ruas do Rio de Janeiro, pra ver se conseguem substituir a cocaína e o crack que devastam o Rio de Janeiro do deputado, por chá de ayuhasca ou por uma prosaica vitamina de abacate, ecologicamente correta. Tudo, claro, financiado com verba da Câmara, tudo com dinheiro do contribuinte!

Ao menos, o deputado Gabeira teve a ombridade de, no momento de ver que a "casa caiu"(ou se preferir, metaforicamente, o "avião caiu") na farra de passagens aéreas financiadas com dinheiro público, antecipar a confissão do erro cometido, antes que o apedrejassem, vindo a confessar publicamente: "sim, assim como os outros, eu também caí em tentação". Gabeira, em suas palavras (segundo a Revista Época), "caiu na ilusão patrimonialista", ou seja, traduzindo do sociologuês: cresceu o olho, deixando-se levar pelas facilidades do cargo. Para um político que até pouco tempo atrás quase se elegeu prefeito do Rio, com direito à gravação de vinheta com artistas "cabeça feita" ou "odara", como Caetano Veloso, Lucélia Santos, Du Moskovis, Nelson Motta e outros, queima de incenso para atrair bons fluidos (pra não dizer outra substância), e que viu perder parte decisiva do seu eleitorado, após chamar uma vereadora de suburbana, parece que a conta das passagens aéreas reembolsadas por Gabeira custou bem caro. Acredito que os cariocas podem até aguentar serem chamados de suburbanos (um pecado para qualquer carioca, uma injúria grave, pior do que ser chamado de "paraíba"), porém, tendo agora que arcar com as passagens da filha do deputado pro Havaí, como se as ondas de lá fossem melhores que as de Ipanema, aí não dá! Perdeu, sangue bão, perdeu! Nada haver!


E tem o caso dos deputados do P-SOl. Ahhh, sim, voltando ao P-SOl. A deputada federal Luciana Genro afirmou que, sim, utilizou verba de seu gabinete para financiar passagem aérea, da visita do delegado Protógenes Queiroz até a capital gaúcha, num evento pela ética, contra a corrupção (que paradoxo!) organizado pelo partido. No entender da deputada, os nobres fins políticos do evento, justificavam a utilização de sua cota pessoal de passagens aéreas, para financiar a vinda do novo popstar do combate à corrupção, famoso desde a prisão do banqueiro Daniel Dantas, e das espetaculares reviravoltas da Operação Satiagraha, da Polícia Federal. Imagino a justificativa ideológica para tal fato. Afinal, em eventos contra a burguesia, vale tudo na luta de classes, até mesmo usar dinheiro da burguesia para financiar a vinda de pessoas que a combatam. Mesmo que, por "burguesia", entenda-se aí todo contribuinte brasileiro.

E sobrou para o PT. Ahaaa! Os tucanos adoram essa! Como para estimular seu festival de mancadas, já que há muito tempo encontrava-se fora da mídia, o ex-queridinho do PT paulista e ex-presidente da Câmara, deputado João Paulo Cunha, além de demonstrar que ainda não aprendeu a lição desde as denúncias do Mensalão, onde foi acusado de receber dinheiro do hoje indiciado empresário Marcos Valério, Cunha ainda apareceu na lista dos parlamentares que aproveitou a farra das passagens aéreas, tendo usado o dinheiro da verba para viajar a Bariloche, acompanhado da mulher e da filha. Por menos do que isso a ex-senadora Benedita da Silva, do PT carioca, acabou perdendo o cargo de ministra da ação social, quando viajou para um congresso evangélico em Buenos Aires, em 2003. Pelo menos, no caso da ex-ministra, assim como no caso de Gabeira, religião teve algo haver em termos, ao menos para pedir a absolvição divina dos envolvidos, após a condenação pela opinião pública. No caso de Cunha, não.

Agora a maior desfaçatez, ou o argumento que, de tão absurdo chega a ser prosaico, foi a reclamação do deputado Silvio Costa, do PDT de Pernambuco, diante de tanto bafafá com o uso irregular de passagens áereas. "Minha mulher me telefonou do Recife reclamando que agora não vamos poder nos encontrar mais. Ela me ama, e já está com saudades". Ahhhhhhhh! Tadinho do deputado! O povo brasileiro, tão ingrato e tão mal amado, não sabe o que é o amor. Vai acabar com o casamento dos parlamentares. Louvo ao deputado Costa pela declaração de amor a sua esposa. Ao menos, amor ele tem a mulher, ao contribuinte brasileiro, não.

Argumentos que chegam a ser risíveis, como o apresentado acima por vários parlamentares, acerca da necessidade de utilização da verba de passagens aéreas para deslocamento de familiares, lembra o livro clássico do antropólogo carioca Roberto Damatta chamado Carnavais, malandros e heróis (Editora Rocco). No livro, Damatta trata da confusão entre os domínios da "casa" e da "rua", da indefinição entre o público e o privado, da extensão da vida doméstica à vida pública. Numa passagem do livro, Damatta diz; "pergunta-se quando se pode modificar o mundo doméstico ou o mundo público, seja transformando um desses domínios ou outro, seja enfatizando apenas um deles" (p.101). De fato, no caso do uso indiscriminado de passagens aéreas custeadas pela Câmara pelos parlamentares, e a ausência proposital de uma normatividade que limite ou regule isso, recuperando, ao menos, o sentido ético da existência desse benefício público, reflete-se uma indistinção, ou mesmo, uma ênfase dada tão somente ao aspecto da vida doméstica, do espaço privado do parlamentar, que ele confunde com o espaço público. Dentro dessa mentalidade, que é culturalmente fundada, segundo uma visão antropológica, é legítimo para parlamentares como Costa, que o uso de passagens aéreas por parlamentares tenha fins não tão somente de auxiliar seu deslocamento para fins de atividade parlamentar, enquanto dignos representantes políticos de seu eleitorado, mas sim como um benefício pessoal, um privilégio ao que os eleitos teriam direito, para utilizar como bem entendessem, no sentido de poder até doar as passagens para seus familiares ou apaniguados, ou levar namoradas famosas para passear em Miami, ou esposas para tirar férias em Bariloche. É quando Dammata diz, no mesmo livro, que a rua e seus valores passam a penetrar no mundo privado, e o mundo da casa passa a ser integrado pela metáfora da vida pública. Se o gabinete do parlamentar, passa a ser visto por ele como uma extensão da sua casa, então é lícito e legítimo que sua esposa e filhos venham de seus estados de origem para ficar com ele, com o dinheiro pago pela própria Casa Legislativa, já que aquela "casa", é, na verdade, também "sua casa".

Não obstante as tardias iniciativas do presidente da Câmara, deputado Michel Temer, de conter os abusos no uso de passagens, limitando seu uso ao próprio parlamentar, após o "circo ter pegado fogo" na opinião pública, o desgaste já estava feito. Mais uma vez, o comportamento genérico de nossos parlamentares, no uso indevido e indiscriminado de verbas públicas, provocou mais uma daquelas manifestações de descaso e desânimo com a classe política que tanto reconhecemos. Fico cansado de ouvir as mesmas lamúrias e reclamações daquele simpático senhor da banca de revista, que conhecemos ao pegar o jornal pela manhã, todas as vezes que saímos do supermercado, que diz a mesma coisa, a cada notícia desabonadora do Parlamento: "Político é tudo igual. Político é tudo safado, tudo ladrão, tudo corrupto, só querem saber de seus próprios interesses". Ouvi esse tipo de reclamação durante anos, em diferentes lugares, e até em diferentes países, pois em Buenos Aires, Montevidéo ou Santiago, assim como se tem os mesmos políticos, também se tem os mesmos jornaleiros indignados. Sempre tive dificuldades de retrucar, defendendo os políticos íntegros, honestos e responsáveis, por mais escassos que fossem. A cada nova notícia que recebo, a tarefa se torna cada vez mais difícil.

Afinal, de políticos sem expressão ou parlamentares de ocasião, como o playboy bonitão Fábio Faria, podemos até esperar denúncias de idiotices como essas, noticiadas pelos meios de comunicação, agora quando sabemos que a prática é generalizada em toda a comunidade política, e, o que mais dói, que o assunto era sequer regulamentado, propiciando abusos como o que foi visto no uso das passagens aéreas, aí é hora de pensar se faremos ou não uma reforma política já, ou se me unirei ao coro dos descontentes, fazendo voz com meu amigo jornaleiro, concordando com ele. É, será que não é ele que tem razão? Vovôzinhos jornaleiros pra deputado!! Enquanto isso, como diz a música do Biafra, o negócio é voar, voar, até cair e mudar de cor: vermelha de vergonha, por causa de tanta estupidez!

Um comentário:

  1. Não é só o caso das passagens que é vergonhoso, que é fruto da estupidez política, o que você acha do Pacote moralizador?
    Moralidade definiria-se como observância da moral, dos bons costumes, da honestidade, dos princípios.
    Esse título pacote da moralidade é no mínimo um humor negro.
    É piada de mal gosto, é debochar do povo.
    Já político é aquele cidadão eleito pelo povo para defender seus interesses (do povo).
    Porém, nos dias de hoje merece outra definição:
    Políticos: seres responsáveis por um Estado ineficiente, que nos faz sentir repulsa, medo, tristeza e, cada vez menos vontade de participar dos movimentos eleitorais.
    Políticos que não dão a menor importância as crianças abandonadas, que ignora a pobreza, que só torna o povo figura visível na época das eleições.
    Políticos que não a mínima para a segurança, mantém uma corporação mal remunerada, sem equipamentos, mas exigem a manutenção da lei e da ordem.
    Para mim são esses que repetidamente se elegem, os principais responsáveis pela repetição cotidiana de tragédias.
    Depois de eleitos lá se vai os ideais de oferecer qualidade de vida ao povo.
    Os mensalões, a corrupção, o uso de verbas em proveito próprio, passagens, aumento de salários (os deles) ...estas são as metas primárias dos políticos.
    Não posso generalizar. mas a maioria reza por essa cartilha.
    É uma vergonha que em um país, tão carent de infra-estrutura, de distribuição de renda, de serviços públicos básicos, onde o povo não vive, mas sobrevive com salários miseráveis, de um povo tão negligenciado, os F.P. políticos ainda tem a capacidade de votar aumento de salário próprio.
    A má distribuição de renda aumenta a diferença social, a diferença social aumenta a criminalidade (pela revolta) pois politicos fazem parte de uma instituição legalizada para roubar o povo.
    O que posso dizer é que este fato é sério, e que um olhar crítico, cuidadoso e responsável é muito importante.
    Quando surgir a oportunidade, vamos dá-la a alguém que a gente saiba que nunca roubou, ou pelo nunca ouviu falar que o tenha feito.
    Vamos renovar, por que não vai ser a inexperiência que vai tornar as coisas piores. Pior que está não vai ficar.

    ResponderExcluir

Coloque aqui seu comentário:

Gates e Jobs

Gates e Jobs
Os dois top guns da informática num papo para o cafézinho

GAZA

GAZA
Até quando teremos que ver isso?