sábado, 9 de maio de 2009

EPIDEMIA: ATICHHHHHIMMMM... E LÁ VEM A GRIPE SUÍNA!

Após um período sem escrever, alguns poderiam especular que talvez eu estivesse de cama com uma forte gripe. Numa civilização que já levou o homem à lua, inventou a roda e o avião, criou o automóvel, o telefone, o computador e a internet, e já solucionou inúmeras enfermidades, só nos restava agora a gripe! Periodicamente somos chamados à razão e descobrimos o quanto somos vulneráveis! O paradoxo da finitude do homem é saber que mesmo com todos seus avanços, todo o discurso da supremacia da razão e da ciência, ou do mito do progresso, podem ser destruídos com uma simples gripe! "Simples" entre aspas, pois um microscópico vírus tem mais eficácia que exércitos inteiros e pode, com um simples espirro, varrer a humanidade do mapa!

Vivemos agora a ameaça da gripe suína! Como eu já disse, esporadicamente somos vítimas de nossos vírus e epidemias. Foi assim com a peste bubônica que fragelou os europeus na Idade Média, a gripe espanhola nas primeiras décadas do século XX (vindo a vitimar até mesmo um presidente brasileiro, Rodrigues Alves, que morreu da doença, no exercício do mandato), o vírus da AIDS nos anos oitenta, recebendo durante anos o preconceituoso e errôneo rótulo de "peste gay", o vírus Ebola na África, na década de noventa, ceifando mais vidas do que as sanguinárias guerras e lutas tribais no continente africano, a aterrorizante gripe do frango, no final do século, que deixou muitos asiáticos de cabelo em pé, as epidemias de dengue e cólera na América do Sul, principalmente no Rio de Janeiro, nos primeiros anos desta década, questionando as políticas públicas de saúde das prefeituras, governos estaduais e o governo federal, o atual surto de febre amarela no Rio Grande do Sul; e, agora, temos a gripe suína.

A má "influenza" do vírus de mesmo nome, que acometeu primeiro os porcos no México, e agora segue vitimando os humanos, revela um pouco da incapacidade do homem, por mais tecnologias que domine, de intervir diante de males como um simples resfriado. Vivemos numa sociedade de risco, onde os perigos causados pela violência, pela sexualização precoce, pelo uso abusivo de novas tecnologias como a clonagem e a fertilização in vitro, com os danos causados ao meio ambiente e a emissão de gases poluentes que produzem o aquecimento global, não são mais assustadores quanto os perigos biológicos. Não é à toa que hoje a ameaça nuclear, com o fim da Guerra Fria, cede espaço ao perigo das armas químicas, de destruição em massa. Por que dar um tiro em alguém que tenho como inimigo, se posso aniquilá-lo com um simples sintoma de febre e dor de cabeça? Descobrimos que os verdadeiros vilões, os verdadeiros animais perigosos, não são os tubarões que assassinamos em alto-mar, pela pesca predatória ou pelo simples deleite humano da caça, ou os leões que vemos sendo exterminados nas savanas africanas. O verdadeiro monstro é invísível, nem cabe na palma da mão, e se bobearmos, ao apertamos a mão de alguém ou recebermos um beijo molhado da boca da pessoa amada, na verdade poderemos estar recebendo ou transmitindo milhões de vírus, milhares de perigosos seres invencíveis, que ao entrarem em nosso corpo, provocam mais estragos que uma bomba relógio. O que fizemos com a nossa natureza? Perguntamos. O que fizemos com nós mesmos?

Acho de um terrível preconceito discriminar os mexicanos ou proibir qualquer entrada no México, tão e simplesmente pela acusação daquela região ser o primeiro pólo difusor da nova epidemia. Já não bastam os cataclismos naturais como terremotos e furacões, a miséria econômica dos mexicanos das áreas rurais, que se aventuram a ser mira dos rifles dos guardas norte-americanos ao cruzarem ilegalmente a fronteira dos dois países, as mazelas duma economia capitalista que sempre afrontou a população mexicana, descendente dos altivos astecas, dizimados pelos espanhóis, agora, a pacata terra da tequila, dos sombreros, tacos, quesadillas e mariachis, tem que aguentar a repulsa internacional, diante de mais um quadro aterrador de problemas de saúde pública, que, afinal, afetam todos os povos. E daí que no México eles não tiveram, talvez, os cuidados sanitários adequados para evitar a doença? Aqui no Brasil, no Rio de Janeiro, a displicência de nossas autoridades, ou a alienação de nosso povo quanto à difusão do mosquito da dengue, dá no mesmo! Se na música de Caetano e Gil, em termos de violência, o Haiti é aqui, no descaso com a saúde pública, o México é aqui!

Agora, se não temos a sede de eleger os culpados, podemos atribuir ao Diabo, então, mais uma de nossas maldições sociais: as epidemias. Os homens são pródigos em produzir guerras, mas também são consumidos implacavelmente pelas epidemias. Pergunta-se, para quem acredita, se existe algum plano sobrenatural para que isso ocorra. Quando Cristo, na passagem bíblica de Marcos, capítulo 5, exorciza um homem possuído, expulsando os demônios e lançando-os a uma manada de porcos, fico me perguntado se não foram esses porcos endiabrados que lançaram o vírus mortal, lá nas coxilhas das fazendas de criadores mexicanos. A visão pentecostal dos fatos poderia dizer que, mais uma vez, os homens são culpados e punidos por suas transgressões, e as pestes, pragas, doenças, como ocorreu no Egito de Moisés, podem ser um resultado dessa punição divina.

Na verdade, creio não se tratar de uma questão de culpa, o que a humanidade vive agora com o perigo mortal da gripe suína, como pensam alguns alarmistas ou apocalípticos religiosos. A meu ver, trata-se de uma questão de cuidado. Se faltamos com o cuidado na hora de nos proteger das doenças, agora cabe esse cuidado na manutenção de nossos enfermos. Não há muito a fazer quando aparece um doente, senão tratá-lo, principalmente se é uma enfermidade que não conhece cor, gênero, credo ou posição social.












A recente epidemia faz lembrar o clássico livro de Saramago "Ensaio sobre a Cegueira", recentemente filmado por Fernando Meirelles. No livro, Saramago trata de personagens anônimos, que procuram se encontrar mediante o desencontro de uma epidemia global de cegueira, trazida por um vírus misterioso. Tanto em Saramago quanto em "A Peste" de Albert Camus, a estória da epidemia aterrorizando a coletividade serve como metáfora para o totalitarismo, e de como o sentimento compartilhado de medo e a histeria coletiva podem gerar abusos, como o aprisionamento dos doentes cegos num sanatório, rodeado por militares, no caso da obra de Saramago, como a aldeia argelina que também é isolada da mundo, infestada de ratos e acometida pela peste bubônica, no livro de Camus. Ambos os escritores demonstram que o medo que sentimos do inimigo invisível, desconhecido, tem que ser refletido em algo palpável, visível. Por isso o terror do vírus é substituído pelo terror ao doente, pois se não pode isolar a causa, que ao menos sejam aprisionados seus sintomas, sejam contidos em suas casas, seus leitos de hospitais e em seu território os "leprosos", os acometidos de doenças contagiosas, que, como os mexicanos, deveriam ficar isolados do resto do mundo, com seus espirros e tosses, para evitar uma contaminação global. A exclusão do doente pode ser vista em Foucault, na obra "História da Loucura", assim como no livro de Camus a estória dos enfermos do vilarejo de Oran, pode servir como metáfora para os campos de concentração a que eram lançados os enfermos, velhos e doentes mentais da Alemanha Nazista. Nas epidemias, as doenças passam a ser tratadas com medo, e não com compaixão, e procuramos muito mais nos proteger do que proteger o outro, com nossas máscaras de rosto que nada servem, e que se não reprimem o beijo, também não podem reprimir a solidariedade, que, a meu ver, é o verdadeiro remédio em casos como o da gripe suína, e o melhor remédio!



Resta saber até quando irá durar a cultura do terror, de eu não poder entrar em um ônibus, sem ter medo de ser vítima de um espirro ou tosse alheia, ou mesmo que alguém fuja aterrorizado, quando eu tirar meu lenço do bolso e colocâ-lo no nariz. Que Deus nos acuda! Pois fé, para mim, é o melhor analgésico.

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