quinta-feira, 2 de abril de 2009

NEM LUXO, NEM LIXO: No "Caso Daslu", como se desenvolveu a nova mania nacional de prender rico!

Foi tema das manchetes nacionais na última semana o exagero ou justiça (será?) da ultrasevera condenação a 94 anos de reclusão e posterior prisão da socialite Eliana Tranchesi, dona da Daslu, uma das maiores lojas de alto luxo do país, pelos crimes de sonegação fiscal, contrabando, descaminho e falsidade ideológica. A juíza que decretou a sentença, qualificou a condenada como chefe de uma organização criminosa, e, em sua decisão, explicitou que a conduta de Tranchesi "era proveniente da cobiça em busca de acumulação de riqueza proveniente de meios ilícitos". Ué?! Será que a maciça maioria da burguesia brasileira e seus representantes políticos no Congresso não fazem a mesma coisa?? Tem que prender todo mundo, então!

Pra quem não conhece o caso, em primeiro lugar cabe aqui uma referência ao mundo da high society, e, pra quem entende do mundo fashion (especialmente através de amigos meus vinculados ao setor da moda), conto um pouquinho da estória da Daslu, uma mitológica loja de roupas sediada em São Paulo, capital, que, assim como a famosa butique de Malcom Mclaren e Vivienne Eastwood na Inglaterra dos anos 70, tornou-se a referência da alta moda, do luxo e do bom gosto a que acorriam os bem nascidos e endinheirados playboys e dondocas paulistanas. A loja comprava e revendia, no mercado brasileiro, roupas e acessórios de moda de grifes importadas famosas e reconhecidas mundialmente, como Versace, Dior, Rolex, Chanel, Louis Vutton. Era comum no ambiente da loja encontrar políticos, empresários, damas da alta sociedade, apresentadores de programa de televisão, atores globais, modelos, e todos aqueles que pudessem bancar o glamour e a ostentação típicos de quem vive da visibilidade social. Para se ter uma ideia, em seu auge, a empresa despontou em reportagens feitas por revistas aclamadas internacionalmente e mundialmente conhecidas, como a Vogue, New Yorker e a Vanity Fair. A Daslu era uma loja de grã-finos para grã-finos, e não deixa de ser simbólica a prisão de sua maior proprietária.

Pois é, a Daslu tornou-se mitológica porque figurou nos anos noventa do século passado como parte da paisagem paulistana, na meca do capitalismo verde-amarelo. A loja ajudou a redefinir conceitos e papéis sociais (vejam minha "tese") porque galvanizou atenção popular depois que até a filha do ex-governador Geraldo Alckmin chegou a trabalhar lá, como vendedora da loja. É, meus amigos! Dona Eliana Tranchesi, sem querer, ajudou a redefinir o papel social do comerciário, no momento em que as colunas sociais achavam "the best" ter a filha do então governador do estado como funcionária de um tão respeitável estabelecimento. Professor universitário como eu?? Que nada!!! O negócio é ser vendedor de butique de grã-fino.

O problema é que a rapaziada de alto garabito e grana no pente descobriu que todo luxo, ostentação e aura de celebridade da loja Daslu era movido à base de sonegação de impostos. Como um "Al Capone de saias", a senhora Tranchesi e seus sócios (inclusive seu irmão, seu braço-direito), encomendavam produtos de grife do exterior; porém, na hora de declará-los ao Fisco, subfaturavam os preços, revelando ao Estado valores bem inferiores ao que tinha sido comprado, pagando uma ninharia de impostos. Pra se ter uma ideia, de acordo com reportagem da Revista Época de 30 de março, camisas de seda italiana e sapatos de couro da marca Gucci, vendidos no Brasil entre 2.000 a 4000 reais, eram declarados ao Fisco entre valores de R$ 12,00 a R$ 9,00 (parece brincadeira). O absurdo não é tanto a diferença astronômica entre valores reais e os declarados dos produtos obtidos, que proporcionaram ganhos ilícitos estrondosos na conta bancária dos sócios da Daslu, mas sim a "cegueira" ou incompetência do Estado em não ter visto isto há mais tempo. Imagino a cena ficctícia em que a dona da Daslu encontra-se com seus comparsas, conversando no escritório da loja sobre suas fraudes, reiterando os crimes, dizendo assim: " vamos fazer dessa forma, subfaturar todos os produtos, pois esse pessoal do Fisco e da Polícia federal são todos uns "jecas", uns pobres de pai e mãe que não sabem reconhecer uma camisa italiana de uma calça comprada na 25 de março!", ou "funcionário público não entende de moda. Eles nem vão notar a diferença. Afinal de contas, esse povinho do Estado não sabe se vestir. Você viu como o Protógenes se veste?(referindo-se ao delegado da Polícia Federal responsável pela prisão do banqueiro Daniel Dantas)". Sob o vento da impunidade, Tranchesi e sua trupe foram constituindo sua fortuna.

Porém, enche os olhos o tamanho da condenação a que a dona da Daslu foi submetida. 94 anos! Puxa, 94 anos! Em termos comparativos, nem Marcola, líder do PCC, um dos "vilões número um" do país recebeu uma pena tão grande(só pra constar, 40 anos). O Judiciário paulista talvez quis dar uma lição a sua alta burguesia, afirmando que nem eles estariam livres do "braço longo da lei". Uma série de prisões espalhafatosas e midiáticas, como a do ex-prefeito paulista Celso Pitta, saindo algemado e de pijamas na Operação Satiagraha da Polícia Federal, na mesma operação que culminou na prisão de Daniel Dantas, e agora a prisão de Tranchesi, mesmo que liberada horas depois por força de um habeas corpus, refletem bem o espírito que trabalha hoje o Judiciário brasileiro, mormente os magistrados paulistas (vide o caso do ano passado do assassinato da menina Isabela); ou seja, boa parte das decisões e das medidas judiciais são movidas por mídia, por interesse midiático, por pressão da opinião pública!

Num ano que precede uma eleição para presidente, em que o candidato da oposição, vinculado ao tucanato paulista, aparece como favorito nas pesquisas, e embalado pelo discurso capitalista, visto na reportagem da edição de 1 de abril de Veja sobre o caso, exortando a doutrina neoliberal dizendo que a prisão de Eliana foi justa, e que: "a riqueza, no mundo capitalista moderno, é fruto de trabalho, ousadia e criatividade"(ahh,tá!), não é de se estranhar que parte da elite econômica brasileira (leia-se: metade dela residindo em São Paulo), deseje figurar na opinião pública não como canibais e arrogantes capitalistas, viciados em ludibriar a cobrança de tributos, com o intuito de multiplicarem seus lucros, mas sim como ardorosos defensores da legalidade e da fixação de penas pesadas contra os seus pares. Ora, sabe-se que na cultura nacional são comuns fraudes fiscais, desde pequenos até grandes empresários. A rotina tributária no país nunca foi vista com bons olhos. Ninguém paga imposto com um sorriso no rosto! Desta forma, é natural pensar que, desde um megaempresário até um dono de padaria, quando podem, maqueiam ou subfaturam o preço de seus produtos, a fim de pagar menos ou quase nada para a turma do Leão do Imposto de Renda. O problema do caso da Daslu é que o rombo foi grande demais(cerca de 600 milhões sonegados ao Fisco). Como o direito não socorre aos que dormem, chegou uma hora que o leão adormecido do Fisco teve que acordar!

Pois bem! Sofrendo de um câncer ósseo e de pulmão, e, segundo seus advogados, fazendo quimioterapia, uma abatida Eliana Tranchesi cruzou a carceragem da ala feminina do Presídio do Carandiru (quem diria!), para ser libertada horas depois, face a suposta "desumanidade"da decisão judicial, alegada pela defesa, e por não oferecer ela perigo à sociedade. De fato, fico me perguntando de que adianta prender e condenar a quase um século de pena uma socialite trambiqueira, que das mais graves das coisas que fez foi ludibriar o Fisco, pela flagrante falta de discernimento dos auditores fiscais, em diferenciar uma camisa de moda de uma blusa de camelô. 94 anos, repito 94 anos! Gostaria de saber se 94 anos de pena vão reaver a centena de anos de escravidão, exploração econômica e expropriação das camadas mais pobres e segregadas da sociedade brasileira. Se 94 anos vai tornar o nosso Estado mais democrático, menos policiesco, com suas milícias privadas, esquadrões da morte, torturas e violência policial, alvejando pretos e pobres desse país, todos os dias nas favelas carioras e na periferia das grandes cidades. Seria bom se esses 94 anos marcassem o fim de um sistema carcerário falido, medieval e animalesco, onde, naturalmente, presos do porte da senhora Tranchesi nunca terão o desprazer de cumprir sua pena numa daquelas fétidas celas de nossos presídios. Pergunto se 94 anos de pena vão resolver, como num passe de mágina, os problemas de impunidade e morosidade na Justiça Brasileira, tornando nossos processos mais céleres, e propiciando aqueles que mais precisam mais eficazes e justas decisões judiciais. Pra mim essa nova mania de prender rico é mais um "fogo de palha" da ação de nossos juízes, movidos pela pressão da opinião pública nacional, do que decisões com fundamento, na verdade, em autênticos preceitos constitucionais. Gostaria de estar errado! Será que estou?

Enquanto isso, o senhor Geraldo Alckmin e família, assim como toda a grã-finagem paulistana, com seu Luciano Huck de relógio Rolex dado pela esposa, ou a risonha vovó Hebe Camargo, tiram o seu corpo fora, talvez não querendo nem de longe, serem reconhecidos como mais um dos consumidores da célebre loja de grifes da metrópole nacional. Como na música de Rita Lee, Eliana Tranchesi não queria nem luxo, nem lixo, mas no final não teve nem mesmo saúde para gozar a vida com tranquilidade. Se eu fosse crente pentecostal poderia até dizer que as enfermidades, assim como as prisões, vem como resultado de um castigo divino. Mas ainda me pergunto se o castigo está reservado aos mais ricos, só pelo fato de serem ricos, ou pelo fato de serem pobres em dignidade, querendo, como apregoa a célebre Lei de Gerson, "apenas levar vantagem em tudo".

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