quarta-feira, 4 de março de 2009

POR UMA DOUTRINA FILOSÓFICA SOBRE A BOÇALIDADE

Segundo o dicionário Aurélio, a pavra "boçal" refere-se aquele indivíduo estúpido, rude, grosseiro, ignorante. No dicionário Houaiss, vemos a mesma palavra sendo utilizada para definir aquele indivíduo rude ou insensível. A palavra vem do latim, sendo extraída do verbete bucceu, ou bucca, que significava ao pé da letra "bochecha". Parece-me crer que a origem da palavra tem haver com o ato do indivíduo rude ou grosseiro de inflar as bochechas, quando não entende algo ou aparenta sinal de reprovação. Na época da escravidão, empregava-se o termo para definir aquele negro ladino, astuto, esperto, sonso, que recém-chegado da África e sem conhecer o idioma português, se fazia de desentendido para não cumprir ordens. Se fazia de doido, ou simplesmente, diante das ordens de seu senhor, virava de ombros.



Hoje em dia o termo evoluiu, e eu poderia classificar aqui vários tipos humanos, de diferentes raças, credos, gêneros, castas ou classes sociais, que mereceriam o uso da palavra na forma de adjetivo, fazendo valer o termo "boçal". Na verdade a sociedade brasileira está repleta deles, quem sabe até o mundo, o universo, a existência humana. Um típico boçal pode estar dentro da sua casa, na esquina, no vizinho ao lado, entre os colegas de trabalho, na sua escola, no momento em que você reza dentro da sua igreja, naquele churrasco de confraternização de amigos ou num evento acadêmico, na praia, no futebol, na mesa de bar ouvindo aquele pagode com a rapaziada. Os boçais podem estar em todo canto, escondidos ou bem vistos, ostentando sua boçalidade.



Portanto, existem vários tipos de boçal. Eu citaria em primeiro o boçal altruísta: aquele que alega ser o "boa praça", o bom menino comportado que toda mãe gostaria de ter em casa como genro, sem vícios e adepto fervoroso de alguma religião. O jogador Kaká, não obstante seus inegáveis dotes futebolísticos, parece ter encarado essa forma pitoresca de boçalidade, ao doar parte de seu milionário salário como dízimo para a Igreja Renascer, do encrencado e trancafiado casal de "apóstolos" Estevão e Sônia Hernandes, cujo templo em São Paulo desabou recentemente. Kaká chegou a dizer que agradecia ao bispo Estevão e a bispa Sônia (e não a Deus) a premiação que recebeu como melhor jogador do mundo. Haja boçalidade!



Em segundo vem o boçal totalitário: aquele que por se encontrar investido num cargo de poder, de alta visibilidade, que confere ao seu titular notórios saberes em nobres áreas de conhecimento, considera que ele mesmo é o espírito da República, podendo, através de suas prerrogativas, brecar atos que são considerados pela sociedade como necessários e fundamentais para a democracia. Poderíamos ver como atos de extrema boçalidade deste tipo a ação de agentes públicos, como a do presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, que do alto de suas bochechas infladas, libertou por duas vezes o banqueiro boçal abonado Daniel Dantas, desfazendo duplamente a iniciativa cidadã, porém precipitada, daqueles que, para uns, poderão passar para a história como a figura de boçais justiceiros, tais como o delegado Protógenes Queiroz, ou para outros, como bem poderia ser o nobre juiz federal Fausto De Santis, ser catalogado na categoria dos boçais paladinos: aqueles que consideram que a grandeza de seus atos é insensível a qualquer pedido racional de moderação na prática desses atos, tal como prender um banqueiro enrascado até as cuecas com escândalos de corrupção, mesmo com o apelo de seus advogados. Na verdade, o juiz De Santis poderia ser, ao contrário, um agente antiboçal: aquele que extermina a boçalidade dos corruptos diante da impunidade, mandando pra cadeia os boçais abonados (aqueles que boçam na jactância de seu poder econômico), sem dó nem piedade.

O boçal totalitário gera uma subespécie na política nacional, que poderíamos definir como o boçal coronelista, ou o boçal totalitário nordestino. Esse fenômeno de boçalidade, já antigo, tradicional e que faz parte da história do país desde os tempos de colônia, implica num exercício de rudeza, ignorância, antipatia e insensibilidade digna daqueles detentores do poder absoluto, de regiões atrasadas e de origem agrária, onde prevaleciam os chamados currais eleitorais. É uma boçalidade que advém da formação da cultura de casta, onde a posição na hierarquia social, e não necessariamente o notório conhecimento, levam esses indivíduos a se tornarem autênticos representantes de uma boçalidade com requintes feudais. Nesse aspecto incluem-se todas as grandes oligarquias nordestinas, desde o Maranhão até a Bahia, incluindo-se nomes como os Sarney no Maranhão, os Maia no Rio Grande do Norte (com seu mais ilustre membro, José Agripino), os Collor de Mello em Alagoas, ou os Magalhães na Bahia (sob o legado de seu finado patriarca ACM). É aquela boçalidade brejeira, com cheiro de perfume francês, mas gosto de cacto, e os espinhos cultivados na forma das balas desferidas por jagunços ou pistoleiros, comprados a preço de ouro, pelos chefes políticos locais.



Temos o boçal acadêmico. Ah! Nesse caso não poderia deixar de figurar em nossa lista como possível figura deste tipo, o intelectual e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Desde seus saudosos tempos de sala de aula na USP, até sua histórica passagem pelo Palácio do Planalto, tornou-se folclórica a boçalidade do ex-presidente, caracterizada pelo excesso de vaidade intelectual, a crença em si mesmo como solucionador das pendengas nacionais, face a seus reconhecidos méritos e talentos acadêmicos, até hoje considerado por seus seguidores tucanos, como o presidente cujo governo foi responsável pela modernização do Brasil, pela entrada do país canarinho na globalização, através do Plano Real, das privatizações e da quebra do monopólio das telecomunicações. O bossal acadêmico tem uma qualidade interessante: a da suma sapiência auto-afligida, mas também tem mania de pedir, de vez em quando, que esqueçam tudo o que ele havia escrito. É o tipo do sujeito que até é convidado para festas, mas desde que as festas sejam, é claro, feitas em homenagem a ele, ou ele seja um dos ilustríssimos e esperados convidados.



Também citaria o boçal teológico ou eclesiástico, caso em que pode se inserir clérigos do quilate de um Bento XVI, ou aqui no Brasil do reverendíssimo arcebispo de Olinda e Recife, Dom José Cardoso Sobrinho, que, recentemente, pelo que li no "Blog da Branquinha" e em matéria publicada no Jornal do Comércio, manifestou-se favoralmente a excomungar uma jovem estuprada, de 9 anos, vítima de violência doméstica e que abortou de gêmeos, como também toda a equipe médica que a assistiu, mesmo restando comprovado o risco de morte para a mãe grávida. O boçal eclesiástico, em sua rudeza ou ignorância, acredita piamente ser o detentor das chaves do paraíso celestial, o dono das verdades sagradas, a secretária eletrônica de Deus, guardando as mensagens do Altíssimo, que devem ser repassadas para a toda a humanidade, como forma de obter o arrependimento das "pobres almas pecadoras".



Em quinto, há o boçal sonoro. Ahhh! Destes, a história da MPB tem férteis exemplos, sendo a Bahia quase que a capital nacional da boçalidade em termos musicais e artísticos. Nesse sentido é legítimo revenciar talentosos e polêmicos boçais como Caetano, Gil e Carlinhos Brown, ou seu grande precursor João Gilberto, ou, se preferirem, para não ficar num Clube do Bolinha, a boçalidade toda cheia de ginga e com belas curvas de uma Ivete Sangalo. No Carnaval da Bahia deste ano, ficou registrada na crônica carnavalesca o "piti" dado pela cantora baiana, "ex-rainha" da festa do povo do gueto, quando seu trio elétrico quebrou, enquanto sua turbinada rival Claúdia Leite arrebentava pelourinho acima, acrescentando uma nova era na cultura musical do horror, chamada axé music. O boçal sonoro, como o próprio nome diz, considera-se o cântico dos cânticos do mais belo cisne da mais bela lagoa do Abaeté (se é que lá tem cisne). Considera-se, portanto, a maior experiência musical já vivida pelo Brasil desde "O Guarani" de Carlos Gomes ou o "Trenzinho Caipira" de Villa Lobos. Roberto Carlos com sua boçalidade carola, metido agora em roupas de almirante, cantando em cruzeiros marítimos para simpáticas e gorduchas donas de casa sessentonas, é outro exemplo que poderia entrar na trupe. No lado mais POP, levando em conta às contribuições do rock nacional, não poderíamos esquecer jamais, mas simplesmente jamais, o nobre boçal da zona sul carioca, o indefectível e inesquecível Lulu Santos: "Por isso que souuuuuu, sincero!" E quem disse que os boçais sonoros estão apenas na música? Na televisão, e, principalmente na locução esportiva, sim.....o troféu vai pra ele!! Saí que é tuaaaaaaaaaaa..... Galvão Bueno!!! Éeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee, é do Brasillllllllllllllllll!!!!!



Não poderia me esquecer do boçal natureba!! Aquele que usa aquelas camisetas com a estampa Save the Planet ou "Não Matem as Baleias", enquanto joga na calçada a embalagem do cachorro-quente que acabou de comer, na esquina da repartição, sendo um típico defensor de energias alternativas não poluidoras, enquanto se dirige para o seu carro movido a.......... gasolina! Seus representantes ilustres encontram-se em Brasília, na Esplanada dos Ministérios ou no Congresso Nacional, seja pelo colete lustroso e florido de um Carlos Minc, seja pela inconstância e volatidade político-eleitoral de um Fernando Gabeira, ora apoiando os tucanos, ora os pemedebistas, ora ele mesmo. A boçalidade intelecto-ambiental de Gabeira lhe custou caro a eleição à prefeitura do Rio, desde que ele revelou ao celular que "suburbanas" vereadoras só poderiam mesmo ter voto na periferia, onde nem as políticas sociais, quanto mais as ambientais, chegaram, como nas favelas, morros e becos cariocas, não tão lindos quanto as ecologicamente preserváveis Pedras da Gávea ou do Arpoador, frequentadas pelos militantes "verdes".

Tem o boçal cineclubista: aquele que se considera o fino dos mais finos dos expertises em cinema, sem saber nem como se pronuncia Abbas Kiarostami. É o caso de críticos como Rubens Ewald Filho ou da insossa crítica da revista Veja, Isabela Boscov. Seus discípulos geralmente são como aquele que fica no pátio do Espaço Unibanco, na fila de ingressos, na rua Augusta, em São Paulo, recitando sobre a arte e a poesia conceitual da cinematografia japonesa, enquanto a namorada verifica se o troco do ingresso é suficiente pra tomar pelo menos um cafézinho. É o tipo do sujeito que curte assistir o canal People & Arts, se a gambiarra da antena parabólica do vizinho funcionou, mas é incapaz de dissertar sobre um filme do Mazzaropi ou sobre o último do Tom Cruise.



Por último, na minha teoria sobre a boçalidade, eu me referiria ao boçal hedonista. Aquele que do alto de sua fama ou popularidade, está mesmo é a fim de brincar e se divertir, e não está nem aí para as cobranças, como as da torcida corintiana e da direção do Timão acerca da necessidade de empenho do jogador Ronaldo, ainda enrrolado em noitadas (agora na noite paulistana), enquanto seu novo time ainda não disse a que veio no Campeonato Paulista. O hedonismo em meio à boçalidade, pode ser visto também, até em nosso bem avaliado presidente da República, que durante o Carnaval, num camarote carioca em meio a Sapucaí, acabou por não temer nem às vaias e caiu no samba, da "bateria do c..."(expressão presidencial) da Mocidade Independente de Padre Miguel, não dando bola alguma para as cobranças de seu partido o PT, de ter sido sumariamente garfado do poder por um faminto PMDB, que ainda querendo mais, conseguiu colocar Fernando Collor de novo no epicentro da política, dando-lhe de presente através do senador Renan Calheiros, a comissão de infraestrutura do Senado Federal, responsável pela tramitação das obras do PAC.


Se houvesse um sistema filósofico da boçalidade, creio que o seu princípio fundador seria o da falta de enxergar a si próprio para descobrir os seus próprios erros. O método filosófico da boçalidade consiste no emprego da autoignorância em proveito próprio, e seu objeto é a paciência alheia. Até perceber que não está agradando, o boçal leva tempo, ahhhh, mas muito tempo!


Putz! Será que sou boçal? Acuda-me São Paulo Francis!!

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