
O PMDB é um partido engraçado. É a agremiação político-partidária nacional que a imprensa já atribuiu um sem número de significados. Desde "partido ônibus", "Centrão", "partido-noiva", simplesmente "monstro", e quantos adjetivos você quiser atribuir à tradicional legenda, oriunda do antigo MDB.
Vamos refrescar a memória! O Movimento Democrático Brasileiro foi parido pelo golpe militar de 64 após a estupenda machadada contra a democracia, a liberdade e os direitos fundamentais, que foi o AI-5 (Ato Institucional número 5), dissolvendo os partidos políticos existentes até então e toda a estrutura política-social que se firmava no país, até os militares obrigarem a nação a bater continência e entrar em ordem unida, perante o novo governo da turma de farda. Com a permanência no sistema político de apenas dois partidos: a governista ARENA e o oposicionista MDB, só restou a todos os demais grupos e militantes políticos, contrários à ditadura ou não agraciados pelos generais, migrar para uma legenda fabricada por decreto, que tinha tudo pra ser apenas uma mera figura decorativa num cenário político ditatorial, totalitário e de repressão ferrenha à liberdade de pensamento e de associação.
Contudo, o MDB cresceu e apareceu. Sob a batuta de políticos como Franco Montoro, Mário Covas e Ulysses Guimarães, na década de setenta a agremiação conseguiu obter algumas pequenas vitórias, dentro dos limites e de um surreal quadro possível de atuação política, dentro de um parlamento amordaçado, juízes amedrontados e promotores revoltados, diante de abusos e mais abusos da chamada "linha dura" do Exército, nos chamados "anos de chumbo" da ditadura militar. Estávamos nos primórdios da década de 70, e antes que a calça boca de sino desaparecesse da moda, a comemoração da vitória da Copa tivesse terminado, as discotecas chegassem e o comercial da pilha Rayovac fosse o mais visto, o pau comia solto, a cipoada era grande em torno de estudantes, artistas e intelectuais, a tortura com choques elétricos e pau-de-arara transformara-se num monótono expediente de repartição, e Lula e seus companheiros de sindicato nem sonhavam ainda em fazer greve entre os metalúrgicos do ABC paulista. Ficou antológica a candidatura extraoficial de Ulysses à presidência da república em 1974, mesmo sabendo que, pela Constituição da época, era impossível se candidatar, tendo em vista as cartas marcadas do colégio eleitoral, num país onde inexistia democracia. Era o anti-candidato, contra os "gorilas fardados" que estavam na selva de pedra, abatendo a tiros os Tarzans comunistas que se atreviam por gritar pela volta da democracia e da liberdade.

Com o ressurgimento do PMDB como grande força política nacional (na verdade, já era, porém uma força estilhaçada), não demorou para que o ex-governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos, dissesse o óbvio: sim, o PMDB afunda na lama da corrupção, seus postulantes são todos interesseiros, interessados tão somente na disputa de cargos e o que vale mesmo para o partido é o poder, seja como for, mas tão e intensamente o poder, mesmo que pela porta dos fundos. Com a reforma partidária de 1979 e a volta da democracia na década de 80, o antigo MDB virou PMDB. Do que sobrou do partido histórico da década de 70 foi apenas o discurso de democratização mobilizado nas campanhas da Diretas Já, a formação de uma nova Assembléia Nacional Constituinte que gerou a atual Constituição de 1988, e o slogan da "Nova República", que o partido do velho Ulysses pretendia criar após a redemocratização, com Tancredo Neves na presidência. Quem ainda recorda dos livros de história sabe que, no último caso, o projeto dos pemedebistas babou!

O PMDB nunca elege um presidente pela legenda porque, na verdade, não precisa. Em seu parlamentarismo oficioso "à brasileira", as velhas raposas pemedebistas sempre estiveram no topo, movendo as peças do tabuleiro no xadrez político dos jogos de poder. Com a quantidade imensa de prefeitos e vereadores, do Oiapoque ao Chuí, formando exércitos de acochados, em milhares de currais e redutos eleitorais, o PMDB soube como ninguém posar de progressista quando não era progressista, ou aparecer como conservador, sem nunca ter sido conservador. Suas diferentes facções seja à esquerda, ou direita, ou se preferir, jogando dos dois lados, sempre constituíram o DNA político da legenda como partido da situação e da oposição vigente, tudo ao mesmo tempo. Quem acompanha as peripércias de nossos deputados nos bastidores de Brasília, sabe indicar nos dedos quem é a turma que aparece como petista dentro do partido, e aqueles cujos narizes ostentam aduncamente seus atributos tucanos. Se fosse no futebol, Michel Temer seria o típico líbero, aquele que você pode colocar até como goleiro, jogando em qualquer posição, cobrando os pênaltis de cada escândalo de corrupção de seus partidários, com um detalhe: você pode colocar ele pra jogar tanto no seu gol, quanto no gol adversário.
O PMDB não é partido de líderes carismáticos e centralizadores, como um PT com seu Lula da Silva, um PDT com seu finado Brizola ou até mesmo um PC do B, à sombra do fantasma de seu lendário líder morto, João Amazonas. O partido é uma confraria de interesses, um imenso agrupamento de corporações, um consórcio de interesses econômicos, políticos e privados de seus grupos internos. Um balaio de gatos onde quem canta de galo acaba por se ver sozinho, voltando cabisbaixo como um pinto molhado de volta para a casca do ovo. Que o diga Antony Garotinho, quem diria, o típico político espertalhão, o Romário da política fluminense, o "estuprador das esquerdas" no dizer de um indignado Brizola, que tentou impor sua candidatura pela segunda vez àquela agremiação política, fazendo até greve de fome, num episódio hilariante que não serviu para engordar seu capital eleitoral, e nem para emagrecer sua rechonchuda silhueta. Na época, a malandragem do garotinho custou caro, e a esperteza dos adultos prevaleceu, num puxão de orelha que resultou na saída do partido do ex-governador do Rio de Janeiro, pois para o PMDB, política não é brincadeira de garotinhos. Se anos antes o PMDB deixou a embarcação de Ulysses à deriva, nos 4% que resultou de sua pífia atuação eleitoral na polarizada eleição de 89 entre Collor e Lula, quanto mais ceder apoio da legenda a um neófito como Garotinho.
Eis que isso é o PMDB! Um retrato da realidade brasileira. O retrato pronto e acabado de seus políticos e das velhas formas de fazer política. Uma política preguiçosa, sem proposta de renovação ou transformação social nenhuma, mas tal como comida de hospital, algo que não escolheríamos e nem comeríamos, mas quando menos esperamos nos desce goela abaixo!
Não podemos esquecer do clã Sarney. Na verdade, o PMDB é um partido tão multifacetado, que conseguiu em seu interior agrupar as velhas oligarquias e clãs que dominavam a política do Nordeste, num coronelismo pop travestido de democrático, agrupando famílias que há decadas consomem nacos do poder na administração pública de estados nordestinos, transformando-os em verdadeiros feudos, suseranias onde a vassalagem dos súditos revela-se no clientelismo na distribução de cargos, no fisiologismo e nepotismo na acomodação de parentes, amigos e aliados em cargos do serviço público, contratos com lícitações fraudulentas ou privilegiadas, e um intenso jogo de "cartas marcadas", onde o interesse privado é de mais, e o interesse público é o de menos ou quase inexistente. Assim, o PMDB agrupou em seu berço as grandes famílias, como os Alves no Rio Grande do Norte (não sou parente deles, apesar de meu sobrenome), os Sarney no Amapá, outrora os Cunha Lima na Paraíba, assim como antigamente os Jereissatti, no Ceará, o grupo de Mão Santa no Piauí, e muitos outros grupelhos familiares espalhados em prefeituras e mais prefeituras dos cafundós do país. Sarney, ex-integrante da ARENA e de seu genérico, o antigo PDS, e vice na chapa de Tancredo, face uma composição com os militares, ao sair da presidência e posteriormente retornar à vida pública, abraçou a legenda de seus antigos adversários como seu novo lar. Pelo PMDB Sarney conseguiu o improvável, que foi burlar a lei eleitoral em sua época, elegendo-se senador pelo inexpressivo estado do Amapá, enquanto seus parentes conduziam a máquina política no Maranhão, e de lambuja presidiu o senado, gerando uma tradição de que ele, enquanto estivesse vivo, seria sempre o virtual ocupante da cadeira, sempre que as disputas políticas do senado, levassem o PMDB a indicar alguém para o controle da casa.


É, Doutor Ulysses! A exemplo do personagem homônimo, da Odisséia de Homero, foi bem melhor ficares no fundo do mar, junto às sereias, do que retornar a Ítaca para conviver com as górgonas, as medusas da política nacional! Quem saca literatura sabe do que estou falando!http://noticias.uol.com.br/ultnot/multi/2009/03/01/0402356CD0897326.jhtm?pmdb-e-zona-de-indistincao-de-psdb-e-pt-0402356CD0897326
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