terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

PORQUE A CERIMÔNIA DO OSCAR FICOU MAIS INTERESSANTE?

Pra quem, como eu, é ligado em cinema e não é muito fã de assistir os desfiles das Escolas de Samba do Carnaval carioca(alguém ainda gosta disso?), não deixou de ser interessante e menos monótona a apresentação da cerimônia do Oscar este ano. Arrisco-me a defender a tese de que como manifestação cultural por excelência, a entrega do Oscar reflete o termômetro da realidade global, revelando mesmo as tendências de períodos históricos específicos, que, por sua vez, expressam mudanças de direção, comportamentos, e novas aspirações políticas da sociedade, mesmo que de forma tênue, e sem perder de vista o espírito capitalista da indústria do entretenimento.

Um exemplo é a premiação este ano do excelente longa-metragem de Danny Boyle (diretor de cinema britânico, que estreiou no circuito internacional com o filme escocês Trainspotting, de 1996), chamado "Quem quer ser milionário"(Slumdog Millionaire). Assim como o filme Babel, de 2006, do diretor mexicano Alejandro Gomez Iñarritu, o filme de Boyle é um típico exemplo de obra cujo roteiro explora o tema da globalização. No caso, o filme se passa na India, com atores indianos, dirigido por um cineasta inglês, e que trata de um tema que envolve todos os seres humanos hoje, numa sociedade globalizada, ou seja: pobreza, ascensão social, programas de big brother e o advento da cultura de massa com a febre televisiva. O título do filme refere-se ao mesmo nome de programa popular de auditório, muito conhecido nos canais da Europa, baseado em perguntas e respostas, que testam o conhecimento de seus candidatos, até um deles atingir pontuação suficiente para obter o prêmio máximo, que pode ser estimado em milhões de euros (quem não se recorda do "Show do Milhão", de Silvio Santos, no SBT?). No filme de Boyle, o protagonista, um jovem indiano de uma favela de Mumbai, decide participar do programa, no velho enredo envolvente e nunca exaustivo da superação social. Sem cair em pieguismos, ou caricaturização da pobreza, Danny Boyle (cineasta oriundo do cinema independente) consegue fazer uma película sensível, interessante, original, e que amealhou, mundialmente, todos os prêmios artísticos relevantes, entre críticos e aficcionados de cinema nos últimos meses, tendo em seu apogeu arrebatado, nada mais nada menos, que 8 estatuetas do Oscar, na premiação do domingo passado; inclusive a de melhor filme e de melhor diretor.


Mas se a cerimônia de 2009 foi a consagração de Boyle, não se deixou de verificar a nova postura adotada pelos membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Los Angeles(responsável pelas indicações e premiações), acerca dos vencedores. O próprio Boyle, cineasta de estilo que passa longe do chamado mainstream hollywoodiano, em seu discurso de premiação, exortou o papel do cinema independente no mundo, esnobando indiretamente o poder das grandes corporações da industria cinematográfica, com seus produtos pasteurizados: filmes blockbusters, destinados a fazer bilheteria de mais e fazer pensar de menos, ao sabor dos humores dos executivos engravatados dos grandes estúdios. O lendário cineasta brasileiro Glauber Rocha, se estivesse vivo, talvez aplaudisse de pé.

O Oscar deixou também de ser uma cerimônia que só privilegiasse a "prata da casa", ou seja, atores e atrizes norte-americanos, em filmes tão somente falados em inglês. A tendência de globalização do prêmio foi se revelando, em recentes premiações passadas, quando em mais de 60 anos de academia, um ator de nacionalidade estrangeira foi premiado com a categoria principal de melhor ator. No caso do italiano Roberto Benigni, pelo filme "A vida é bela" (vencedor em 1998, em outro feito notável: a premiacao de melhor filme estrangeiro, de uma película falada em italiano, que se tratava, na verdade, de uma comedia dramática), até chegar ao espanhol Javier Bardem (premiado no ano passado pelo filme "Onde os Fracos Nao Tem Vez": outra homenagem ao cinema independente, tendo em vista que os irmaos Cohen, diretores do filme e também oriundos da cena independente, receberam o Oscar de melhor direção). Para as mulheres, o Oscar também reconheceu o talento de atrizes estrangeiras, ao conceder o Oscar do ano passado, de melhor atriz, para a francesa Marion Contillard, por sua atuação espetacular no excelente e comovente "Piaf-um Hino ao Amor"(por sinal, falado em francês). Claro que antes, outra francesa havia arrebatado o prêmio de melhor atriz coadjuvante. Feito realizado por Juliette Binoche, no filme do diretor Antony Mingella: "O Paciente Inglês", em 1997. Só que aí o filme e a atriz falavam em inglês. Desta vez, em 2009, foi a vez da atriz espanhola Penélope Cruz (musa do cineasta espanhol Pedro Almodóvar) receber o prêmio de melhor atriz coadjuvante, no filme bilingue de Woody Allen: Vicky, Cristina, Barcelona, onde interpreta sua personagem falando, a maior parte do tempo, em seu idioma nativo. Não podemos, é claro, esquecer de prestigiar o cinema latino-americano, cada vez mais em franca expansão, visto a indicação, para o orgulho nacional, da atriz brasileira Fernanda Montenegro em 1999, para a categoria principal do prêmio de melhor atriz, concorrendo com outras feras como Merryl Strep e Cate Blanclett, no antológico filme de Walter Salles, "Central do Brasil", tornando-se, na história da cerimônia, a primeira atriz brasileira a concorrer ao prêmio. Antes de Fernanda, somente outra atriz sul-americana havia concorrido ao prêmio de melhor atriz, caso da argentina Norma Aleandro, indicada em 1987, por sua atuação em Gaby- A True Story, mas que se celebrizou pelo filme "A História Oficial (premiado em 1985, com o Oscar de melhor filme estrangeiro).

O Oscar também inovou, ao apresentar, pela segunda vez na história, um prêmio póstumo, de melhor ator coadjuvante para o ator australiano Heath Ledger, morto precomente em janeiro do ano passado aos 28 anos, por sua atuação no filme Batman-O Cavaleiro das Trevas, de Christopher Nolan, onde interpreta o vilão coringa. Não se premiava um ator falecido no Oscar desde Peter Finch, no filme "Rede de Intrigas", de 1977, e, em mais uma inovação da cerimônia, em relação à concessão deste prêmio, foi a de que, pela primeira vez, um filme baseado em uma história em quadrinhos obtém uma premiação dentre as categorias principais. No caso, de melhor ator coadjuvante.



De fato, o Oscar mudou, salvo algumas tradicionais manutenções de formato, deixando, ao menos, de ser aquela festa chata e formal a ocorrer na televisão tao somente para premiar os queridinhos da indústria, numa versão em que o poder do dinheiro e dos negócios era maior que o fascínio da sétima arte e o reconhecimento incontestável do talento artístico de tantos profissionais do show business. O segundo Oscar de melhor ator, obtido na carreira por Sean Penn, por exemplo, pela soberba atuação no filme do diretor Gus Van Sant (outro xamã da cena cinematográfica independente), chamado: "Milk-A Voz da Igualdade", sobre a vida do ativista e político californiano, assumidamente homossexual, Harvey Milk, mostrou que o discurso do "politicamente correto", do respeito à diversidade sexual e fim da intolerância perante as diferenças, tambem predominou na festa do Oscar. A cerimônia já havia extirpado de vez a fama de racista, quando, nos últimos dez anos, premiou com a estatueta nada menos que 5 atores negros e 3 atrizes negras, com os prêmios de melhor ator e atriz, nas categorias principal e coadjuvante, tendo como exemplos, pela ordem: os atores Cuba Gooding Jr., Denzel Washington, Morgan Freeman, Jamie Fox e Forest Whitaker, e as atrizes Whoopy Goldberg, Hale Barry (primeira atriz negra premiada na categoria principal), e Jennifer Hudson.


Na cerimônia de 2009, talentos finalmente foram reconhecidos, como a da bela e jovem atriz inglesa Kate Winslet (popularmente conhecida por sua atuação no filme Titanic, de James Cameron, em 1997), indicada anteriormente seis vezes, e que, finalmente, desbancando concorrentes já ganhadoras do prêmio, como Angelina Jolie e Merryl Streep, ficou com a estatueta, por sua atuação no filme O Leitor, de Stephen Daldry (já comentado neste blog). Além de outros, que não levaram o prêmio, mas ganharam de certa forma prestígio no meio cinematográfico, através de uma vitória moral, pela volta por cima dada e pelo reconhecimento de seus dons dramáticos. Foi o caso de Mickey Rourke, ex-galã da década de oitenta, ressuscitado nas telas e na carreira, após uma franca decadência física e artística nos últimos anos, por seu papel marcante no filme "O Lutador", de Darren Aronofsky.

Pois é, "Benjamin Button" saiu de mãos vazias nos prêmios principais, ficando apenas com as chamadas premiações técnicas (como maquiagem e efeitos especiais), assim como seu intérprete, o ator Brad Pitt e seu parceiro de trabalho, o diretor David Fincher. Porém, a festa de 2009 deve ser lembrada não como o fracasso de um filme que tinha tudo para ser o "Forrest Gump" do ano, amealhando diversos prêmios. Apesar do malogro da cativante fábula sobre a passagem do tempo de Fincher, não há do que se reclamar da justeza das indicações e do acerto nas premiações. O Oscar, este ano, revelou-se como a cerimônia da crise econômica global, onde o esbanjamento de outrora das festas suntuosas e artificiais, deu lugar
a uma cerimônia modesta para os padrões cinematográficos. Uma festa mais inteligente e intimista, como que retratando, metaforicamente, a crítica aos investidores financeiros gananciosos e especuladores, que acabaram por falir o sistema financeiro internacional, e com um Hugh Jackman realmente talentoso e divertido como apresentador, sem se apegar à frases rebuscadas, e nem às tiradas cômicas, formatadas ou pré-ensaiadas de seus antecessores na apresentaçao da festa, além de se mostrar um bom dancarino. O Oscar deste ano ainda teve a tirada irônica, de um tardiamente homenageado Jerry Lewis, que do alto de seus quase noventa anos, ironizou ter recebido um prêmio por serviços humanitários. Ora, e todo serviço não deveria ser humanitário?

Ora, segundo alguns críticos, é óbvio que a lógica de mercado ainda influencia as escolhas do Oscar e seria ingenuidade considerar que os interesses da indústria cinematográfica ficaram de fora na edição de 2009 do prêmio. A diferenca é que os figurões de Hollywood tiveram que ceder às evidências da nova realidade global, e transformar a cerimônia não mais numa festa do cinemao norte-americano, mas sim em fenômeno multicultural. O multiculturalismo, segundo alguns teóricos como Edgar Morin ou Boaventura Santos, é uma das facetas da globalização e talvez seu ponto mais nevrálgico, pois faz com que cineastas, produtores e roteiristas do Primeiro Mundo voltem os olhos para o restante do mundo, percebendo que, com as novas tecnologias e o acesso à informacao, mais e mais talentosos profissionais do cinema aparecem nas mais distintas regiões do globo. Grandes empresas como a Miramax, dos irmaos Weinsten, tiverem um forte papel nisso, valorizando diretores, atores e profissionais latino-americanos, "comprando a ideia" do cinema feito fora de terras yankees, valorizando produções como o filme brasileiro "Cidade de Deus" (filme estrangeiro e falado no idioma nativo indicado como melhor filme e melhor diretor na edição 2003 do Oscar), e elevando ao status de estrelas internacionais cineastas como Fernando Meirelles e Alejandro Iñarritu. Graças à globalização do cinema, astros locais como Rodrigo Santoro agora tentam, com certo êxito, obter visibilidade no cinema internacional, assim como atrizes brasileiras como Alice Braga, também adaptada às novas condicoes impostas pelo cinema globalizado, até bem mais que sua famosa tia, a atriz Sônia Braga.

Foi-se o tempo, portanto, de ver o Oscar como mera festa capitalista dos interesses mercadológicos da indústria do cinema yankee, como queriam meus amigos intelectuais cineclubistas, somente interessados no tal "cinema de autor" (para os não iniciados nos termos de cinéfilos: os chamados "filmes-cabeca"). Ora, os norte-americanos (bem como os europeus), como pioneiros do cinema criaram a indústria cinematográfica, isso é verdade! Porém, a cerimônia anual da entrega do Oscar, assim como o Carnaval no Brasil, acabou por se tornar um dos ícones culturais legados pelo século XX, sendo um digno representante do que de bom e de pior foi produzido nas artes visuais do planeta inteiro. A festa do cinema é cultuada até hoje, por bilhões de espectadores, em todo o mundo. O Oscar não representa todo o cinema e nem toda a cultura cinematográfica global, mas é uma de suas facetas mais importantes, assim como outros festivais tradicionais, como o de Cannes, o de Berlim, o de Veneza, ou o Sundance Festival, que tem seu atrativo, justamente por trazer à tona o fascínio inquebrantável dessa sublime expressão artística, que é o cinema. O Oscar ajudou a sepultar a ideia de que com o advento da era dos videocassetes, dos telões portáteis, e posteriormente dos DVDs, com a opção do "cinema em casa", acabaria-se de vez com a visita às salas de cinema, pois estas poderiam ser consideradas obsoletas, com sua tela grande, cobrança de ingressos, lanterninhas e vendedores de pipoca, diante das inovações tecnológicas. Entretanto, o cinema resistiu e até se fortaleceu, valendo-se das novas tecnologias. Até hoje, a exemplo de minha infância, quando ia todo alegre e serelepe até uma grande sala de cinema, acompanhado de meus pais, vejo que cada vez mais, pais, filhos, amigos, namorados ou mesmo gente solitária, invade os shoppings, não apenas para consumir mcdonalds na praca de alimentação ou comprar roupas de grife, mas sim para ir ao cinema, mantendo a magia da sétima arte. Para os que não são fanáticos por cinema como eu, sinto muito, mas cinema é fundamental!

Que se fechem as cortinas! Até a festa de 2010!

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