FHC quer liberar THC*! Seguindo seus instintos pavoneadores e a sublime vontade de aparecer, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso desta vez conseguiu arrancar atenção da mídia, ao defender a liberação do consumo de maconha. Para FHC, nos últimos anos, estava bem difícil obter destaque nos meios de comunicação ( ao que estava tão acostumado), principalmente numa época em que seu sucessor na presidência da república e adversário político, ostenta inacreditáveis índices de aprovação e popularidade de 84%, num segundo mandato, mesmo diante de uma crise financeira mundial.
Pois agora, Fernando Henrique quer conquistar a simpatia dos maconheiros! No último dia 11 de fevereiro, FHC apresentou documento da ONG Comissão Latinoamericana sobre Drogas e Democracia, anunciando abertamente que era favorável à descriminalização da maconha para consumo pessoal, defendendo, consequentemente, a sua legalização. O ex-presidente brasileiro alegou que se gasta uma fortuna no combate às drogas, e a criminalidade continua aumentando. Para ele, a maconha, que tem efeitos nocivos à saúde tanto quanto o álcool ou o tabaco, deveria ser descriminalizada, quebrando-se o tabu que bloqueia o debate, havendo uma mudança de paradigma, uma vez que a repressão às drogas não poderia ser a qualquer custo, e a maconha seria uma droga com grande disseminação em todos os países latinoamericanos, devendo, segundo o documento, seus usuários serem tratados como pacientes e não como criminosos. Palmas para FHC!
Vejamos bem! A discussão sobre a descriminalização da maconha não é recente, e, tal como o Carnaval, uma vez a cada ano o tema é retomado para debate. Sobre o assunto, inclusive, o jurista gaúcho Salo de Carvalho tem um livro interessante intitulado: "A Política Criminal de Drogas no Brasil" (Lúmen Juris Editora). No livro, Carvalho sustentou a inconstitucionalidade do antigo artigo 16 da revogada Lei 6.368/76 (hoje artigo 28 da nova Lei Antidrogas), que tratava da criminalização do uso de drogas(não confundir com tráfico). Para ele, não é lícito ao Estado punir quem é vítima de si próprio, pois o viciado em drogas, na verdade, pratica uma autolesão, prejudicando a si mesmo, e não aos outros. Portanto, ao invés de caso de polícia, o problema do uso de drogas é questão eminentemente de saúde pública. Há quem duvide disso?
Outros juristas de porte, como Maria Lucia Karam, também são favoráveis à descriminalização, por considerar um atentado aos direitos individuais prender um sujeito com pequena quantidade de droga para consumo próprio. Ora, o consumo de drogas, seja ele qual for (maconha, cocaína, tabaco, álcool, chocolate, jujubas, partidas do Vasco na série B), é um atentado à saúde pública, e não à vida, ao patrimônio ou à dignidade de outras pessoas não consumidoras, que estão na sociedade. O usuário atinge a si próprio, fazendo mal a sua própria saúde, e o direito de escolha de tratar ou não de seu corpo é uma iniciativa somente dele, cabendo a ele procurar ou não ajuda médica e terapêutica para se livrar de um eventual vício, e não de ser curado das drogas por uma síndrome de abstinência forçada, por detrás das grades da prisão, jogando-se o cara num cárcere. É aquele velho jargão de que "vagabundo não precisa de médico, precisa de polícia".
O uso da erva cannabis sativa, marijuana em espanhol, ganja para os jamaicanos, ou simplesmente maconha aqui em terra brasilis, foi popularizado aqui desde as primeiras interações entre os brancos portugueses colonizadores e os índios, no processo de miscigenação e formação da cultura nacional, quando a maconha( essa planta exótica de folhagem característica) chegou ao Brasil, oriunda da África. Foi portanto com a vinda dos negros, os primeiros escravos, que a droga se popularizou, estando seu uso também associado a uma conotação racista, como erva de pretos, ou "coisa de nêgo". De fato, com o crescimento das grandes cidades a maconha e o vício dela decorrente passou a ser associado com malandragem, vagabundagem, delito, uma vez que seus principais consumidores estavam localizados nas áreas e camadas mais pobres da população. O típico maconheiro era aquele negro do morro, desempregado, desocupado ou preguiçoso, que fumava sua erva exatamente para estimular o ócio, o desleixo, uma desculpa para não trabalhar, para ficar "doidão" ou "chapado", justamente para não ingressar em nosso mercado produtivo e praticar crimes para sustentar seu vício. "Maconha emburrece", diz o Ministério da Saúde. Maconha deixa o cara largado, "viajadão", sem interesse para o trabalho ou coisas úteis da vida. Resumindo: coisa de vagabundo!
Ocorre que na década de 60, com os movimentos da contracultura e os hippies, a pregação do amor livre, a revolução sexual e os primeiros protestos estudantis, a classe média jovem, principalmente os estudantes, passaram a se valer com frequência do uso da cannabis sativa, como ocorre até hoje. A maconha naquela época estava associada à contestação, revolta, crise dos valores estabelecidos, uma crítica à caretice conservadora dos pais, que além de retrógados e apoiadores de ditaturas, não estavam propensos a uma "abertura de consciência", que diziam, a droga poderia fornecer. Junto com a folha da erva associou-se o slogan tropicalista de Caetano Veloso: "É proibido proibir"!
Depois, no final da década de 70 e início da redemocratização, com a Lei da Anistia e o movimento pelas Diretas Já, surgiu Gabeira com sua tanguinha de croché, seus hábitos descolados de quem viveu na Europa, e, naturalmente, um "baseado" debaixo do braço. A maconha já estava irreversivelmente instaurada no imaginário coletivo, seja como exercício de transgressão, seja como vício e objeto de dura ação policial, nas políticas repressivas do Estado. Maconheiro era ladrão, no mínimo um vadio, e o fato de um pai ou uma mãe pegar na mochila do filho ao voltar da escola, aqueles famigerados cigarrinhos, contendo a erva maldita, era motivo para brigas, surras, xingamentos, discussões, e até botar o fedelho pra fora de casa! "Maconheiro, meu filho? Não, não, não! Não criei esse infeliz pra ser vagabundo!" Diziam ( e ainda dizem) muitos pais e mães.
Mas a "erva do Diabo"(parodiando Castañeda) ainda está aí para provocar muito buxixo e não é mais apenas para o consumo de viciados, prostitutas, criminosos e vagabundos, ou meio de diversão de artistas do show business (vide o que rolou com o ator global Marcelo Antony). Hoje, em churrascos familiares, na residência de funcionários públicos, bancários, petroleiros, médicos, advogados e até policiais, é comum ver alguém acendendo um baseadinho. Dá pra sentir o cheiro de longe da erva queimada, pra quem mora em condomínios de classe média, desdizendo a imagem que se tem daqueles respeitáveis senhores engravatados e moças recatadas, que saem durante o dia para o trabalho, mas que nos finais de semana são irreconhecíveis maconheiros. "É o fim do mundo. A derrota para Satanás", diriam nossos amigos crentes fervorosos e fundamentalistas. Numa sociedade pós-moderna de completa inversão de valores, resta saber se no meio dessa bagunça toda há solução para o vício. E mais ainda, se há solução para nós mesmos, sem que tenhamos que acionar a polícia toda vez que sentimos o cheiro de que "algo não vai bem"!
Como abolicionista, sou naturalmente favorável à descriminalização, sem que isso importe necessariamente em defender o fomento do vício, e nem assustar nossos amigos conservadores, ou suas dedicadas e valorosas mães e esposas, na proteção da saúde de seus queridos filhinhos! Sou favorável a descriminalizar porque há tempos se percebe que o combate ao vício não corresponde na seara penal ao combate ao crime. São coisas diferentes, pois o traficante criminoso se alimenta do vício, mas o vício não pode e não deve ser tratado criminalmente, pois não se tratam doentes com cadeia, mas sim com terapia, auxílio, medicamentos, amor próprio, fé. O traficante, como qualquer outro criminoso que se vale do comércio de produtos ilegais, lucra não porque o produto que ele trafica provoca o vício, mas sim porque seu produto é ilegal. Da mesma forma funciona o comércio criminoso daqueles que negociam armas, contrabando, órgãos humanos, crianças, produtos roubados e até mulheres ( o chamado tráfico de escravas brancas). O espaço de repressão penal ao traficante já está bem delineado em lei, e resta somente ao Estado regular o consumo de drogas como uma agenda de saúde pública, e não como política criminal. Se há espaço para tratamento de alcóolatras e tabagistas na rede de saúde, porque não haver também para aqueles que querem sair do vício em outras drogas?
Por isso que entendo que apesar da demagogia, FHC está certo quanto aos dados apontados de que a repressão do consumo de drogas não diminui em nada a criminalidade, sobretudo a referente ao tráfico. Deixando-se de criminalizar o uso da maconha poderia até não reduzir a criminalidade, mas ao menos livraria do constrangimento e da repressão inadequada milhares de pessoas que, hoje, se entendermos que não se trata de mera questão de "vagabundagem", optaram por consumir maconha por diferentes motivos, até mesmo terapêuticos, visto que estudos médicos comprovam que consumo de maconha pode ser bom para pacientes terminais, cancerosos, e até para doentes de glaucoma.
Agora pasmo fiquei ao ler o blog do movimento conservador União Nacional Republicana, herdeiro da TFP (Tradição, Família e Propriedade), que em seu site, logo no cabeçalho, informa ao leitor, de imediato, tratar-se de um espaço dedicado a Deus, a Pátria, a Família e a Liberdade (tem até a letra do hino nacional). Os ilustres conservadores nacionalistas também fizeram o mesmo que este missivista, comentando a iniciativa de FHC, no seu polêmico pronunciamento objeto de comentários neste blog. Só que no caso deles, além de desqualificarem o ex-presidente pois, segundo eles, FHC já declarou publicamente que fumou maconha na juventude, ainda pregam o contrário do que disse Fernando Henrique, pregando mais repressão para os consumidores de maconha. "Borracha neles! Porrada nesses viciados safados!!" Devem pensar.
A lógica dos conservadores é a mesma dos personagens exortados por José Padilha, em seu filme-fenômeno "Tropa de Elite". Usuário de drogas ajuda a fomentar o tráfico, é o principal elo catalizador da mercancia de drogas, e, por isso, conforme a teoria da "Janela Quebrada", aplicada pelos criminólogos norte-americanos, o delito deve ser punido em seu nascedouro, penalizando o usuário de pequenos portes de droga para que o fio da meada, ou seja, o final da cadeia alimentar do tráfico, na pessoa do traficante, seja atingido. Os defensores da teoria da "law & order" acreditam que somente com a penalização severa e implacável do porte de drogas, os conhecidos do usuário preso, seus amigos também maconheiros, vão pensar duas vezes e talvez nunca mais tocar em droga, justamente para evitar ter o mesmo fim que seu desafortunado colega, preso pelo vício. É a velha teoria do caráter preventivo da pena, aplicada a ferro e fogo. Ahhhh! Se desse certo!!!! "Pintou sujeira, maluco! Rala peito ou então rebola o baseado pro outro!!" Cadeia pra quem foi menos esperto, e não conseguiu jogar fora "o bagulho" há tempo!
Resta saber até quando irá a cruzada cannabítica do ex-presidente FHC. Sugiro a ele que além dos melhores especialistas na área médica, a ele se juntem Rafael Ilha(ex-polegar), Rodolfo dos Raimundos, o Fábio Assunção, o Marcelo D2 e o comentarista esportivo Casagrande. Vai que aparece o Bill Clinton que também fumou, mas não tragou, e juntamente com o Gabeira eles conseguem legalizar nem que seja uma sementinha! Assim os maconheiros unidos do Brasil varonil poderão acender com tranquilidade seu cigarrinho, e de "tapa em tapa" comemorar a vitória ao som de Bob Marley, rendendo um tributo a Jah!!! Fssssssssssssssssssssssshhhhhhhhhhh. Escuta o som da fumaça subindo!!
*THC: tetrahidrocanabinol-substância química que é o princípio ativo da maconha ( cannabis sativa )
Um blog em forma de almanaque, com comentários sobre cultura, política, economia, esporte, direito, história, religião, quadrinhos, a vida do próximo, o que você desejar, ou que os seus olhos se permitam a ler e comentar, contribuindo para as reflexões desse humilde missivista, neófito nos mares internaúticos, em meio a esta paranoia moderna.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Dá-lhe Pretinho!
ResponderExcluirE viva a cannabis!
Olá Irmão Fernando.
ResponderExcluirCompartilho da sua opinião de que a drogadição é questão de saúde pública. Usando as palavras do colega Pa. Eduardo, "estamos enfrentando uma epídemia urbana", e as pessoas que estão hoje no vício, necessitam urgentemente de ajuda, não de borracha.
E mais, "não há recuperação sem conversão", Rodolfo Abrantes é um exemplo claro disto.
SOLI DEO GLORIA.
Muito bom seu texto. Valeu! Legalize Cannabis!
ResponderExcluirGostei do texto em geral, mas pulei vários parágrafos por causa da prolixidade. De qualquer maneira não pude deixar de notar que você se confundiu ao citar Castañeda. A Erva do Diabo não é a Cannabis, é a trombeta, da família do lírio.
ResponderExcluir