Na revista Isto É da semana passada (Edição 2071, de 22/07/2009), a revista expõe reportagem e entrevista feita pelo jornalista Leonardo Attuch, com o humorista Chico Anysio, de 78 anos, debilitado por um enfisema pulmonar, e ressentido por ter sido mantido na "geladeira" pela Rede Globo, empresa com a qual o artista mantém contrato até 2010.
Entre tosses e resmungos, a reportagem da revista nos faz ver um Chico no ocaso da vida, que reconhece sua limitação física, o peso da idade e o acúmulo de doenças, e que até já avisou em seu blog: "que está de saída". Sabe-se, por exemplo, que décadas de fumo compulsivo não renderam apenas o comprometimento dos pulmões de um dos grandes ídolos do humor brasileiro, mas o cigarro, assim como suas outras escolhas, foram determinantes para o artista se encontrar como agora, com o ônus e o bônus de suas opções.
Endividado, após ter sido responsável pelo sustento de nove filhos e várias ex-mulheres, ao contrário dos muitos que pensam que o meio artístico é um cenário natural de ostentação e riqueza (que o diga a Revista Caras), hoje o humorista Chico Anysio vive num modesto apartamento de dois quartos e noventa metros quadrados em São Paulo, depois de anos morando no Rio de Janeiro, mesmo agora comemorando sua inédita participação na novela de Gloria Perez, Caminho das Índias, como que se a emissora da família Marinho tivesse realizado um mea culpa após a publicação da matéria de Isto É, que revelou a delicada situação que vive hoje um dos artistas que já foi a maior fonte de audiência da emissora.
De fato, a meu ver, Chico Anysio representa como ninguém, assim como foi Oscarito nos anos cinquenta, a faceta mais característica do humor nacional do século passado. Quando a televisão assumiu de vez o lugar do cinema na divulgação da comédia, substituindo as cinematográficas chanchadas do estúdio Atlântida pelos programas humorísticos da rede Globo, ou das extintas redes Tupi e Excelsior, com programas como A Praça é Nossa, no final dos anos sessenta surgiram humoristas como Chico Anysio, Jô Soares e Renato Aragão que reinaram na década seguinte, cada um deles fazendo um humor peculiar, original, característico, que iria marcar historicamente os traços da cultura pop brazuca do século que passou.
Recordo bem enquanto criança, na década de setenta, de um Chico Anysio em pleno vigor, no auge de seu talento e criatividade, criando tipos impagáveis, personagens que já entraram no imaginário popular, e cujos bordões eram repetidos à exaustão em todos os lugares, dos jantares em família, nos locais de trabalho e nas mesas de bares. É dessa época que surgiram personagens hoje antigos, como o sertanejo Pantaleão, um velho caolho, mentiroso compulsivo, contador de casos estapafúrdios, que mediante uma estória e outra tentava convencer seus espectadores da verdade de seus casos absurdos, perguntando de instante em instante à mulher: "É mentira, Terta??". Muito provavelmente o personagem Pantaleão era inspirado na figura dos velhos sertanejos da infância do humorista, em Maranguape, sua terra de nascença, no interior do Ceará. Como se sabe, hoje a terra dos Jereissatti, ou do político Ciro Gomes, é um celeiro de humoristas, conhecida pelas casas de humor de Fortaleza, onde predomina o stand up comedy, forma de humor tradicional adquirida das salas de comédia dos Estados Unidos, onde o humorista fica em pé no teatro, apenas munido de um microfone em cima do palco, diante de sua platéia, animando o público com suas piadas e casos engraçados.
Pois foi do Ceará que surgiram humoristas consagrados como Anísio e Renato Aragão, com sua forma de humor diferenciada, assim como hoje, o cetro de rei da comédia foi passado para outro cearense: Tom Cavalcante. Entretanto, os dois primeiros correspondem a escolas de humor diferenciadas, enquanto que Cavalcante reflete no seu trabalho muitos dos traços inspirados no mestre de Maranguape. O humor de Renato Aragão (ou Didi Mocó, se preferirem), é um misto de humor chapliniano com comédia pastelão, ao estilo dos Três Patetas, e foi responsável pela consolidação do grupo de comediantes mais famoso da história da cultura nacional, os Trapalhões autor de filmes campeões de bilheteria durante os anos setenta e oitenta. Agora, enquanto Aragão incorporava o palhaço triste, numa comédia nonsense bem ao gosto do público infanto-juvenil, o humor de Chico Anysio era mais adulto, mais sarcástico e crítico, próximo do que era feito pelo antológico grupo inglês Monty Python. Cada personagem criado e representado por Anysio, com trajes, maquiagem e entonação de voz característicos, representava um tipo humano do imaginário coletivo. Seja pelo velho ranzinza, judeu e muquirana que era o Popó, o jogador perna-de-pau e zarolho Coalhada, o ator picareta, língua presa e canastrão Alberto Roberto, o alcóolatra e mulherengo Tavares, o desdentado e fanho apresentador de telejornal Roberval Taylor, a velha dama gaúcha Salomé de Passo Fundo, ou o negro do morro, malandro e cara de pau Azambuja.
Com tantos personagens, não foi à toa que Chico Anysio seguiu altivo e com alta audiência na televisão brasileira durante quase três décadas. Nesse período novos personagens foram surgindo, alguns tão bons que perseveraram com quadros ativos durante anos, dignos de lembrança pela alta dose de conteúdo crítico e criatividade, tais quais Justo Veríssimo, o deputado nordestino, reaçonário e demagogo que em suas entrevistas, sempre dizia que "odiava pobre", ou o singular Painho, um pai-de-santo baiano exageradamente gay, que tratava e destratava de forma hilária suas discípulas, com seu bordão inesquecível: "sou doido por essa neguinha...". Somam-se muitos outros personagens, novos e antigos, mais ou menos engraçados, e o último que vai permanecer na imagem dos mais jovens na telinha, é do incansável e cético professor Raimundo, diante de sua escolinha dos mais exóticos e esculachados personagens, até sair no começo desta década, cuja fórmula foi imitada à exaustão por diversos comediantes, e hoje é representado (pasmem), pelo ex-sex simbol Sidney Magal, cantor brega-cult, colocado agora na posição de humorista.
Fica a indagação do legado de Chico Anysio de quais hoje são os programas ou artistas, além de Tom Cavalcante, na Rede Record, que podem retratar o talento e a influência do idoso ídolo. Programas humorísticos decadentes como o Casseta & Planeta, passam longe da criatividade de Anysio na criação e desenvolvimento de personagens, por serem ausentes de carisma demais, ou por terem a presunção de serem intelectualóides demais, sobretudo após a morte do mais eloquente e engraçado membro do grupo Casseta, que era o finado Bussunda. A equipe do Pânico na Tv, da Rede TV, liderada pela anárquica dupla Vesgo e Silvio, até arranca risadas com suas tiradas cômicas, sacaneando e ridicularizando gente do show business, numa sátira do mundo da fama, mas não consegue nem de longe ter o carisma e a complexidade dos personagens de Chico Anysio. Foi, inclusive, extremamente válida, a iniciativa dos humoristas do Pânico em render uma homenagem a Chico, incentivando seu retorno à programação da Rede Globo, recebendo do mestre afagos simpáticos, em muitas das brincadeiras da dupla. Quanto ao pessoal do CQC (Custe o que Custar) da Band, não dá pra se falar propriamente de humor, no estilo de comédia ou programa de humor, mas sim de jornalismo humorístico, onde os repórteres comandados por Marcelo Taz também fazem um humor inteligente, mas muito diferente daquele desenvolvido pelo mestre cearense.
É certo que Chico Anysio como pessoa teve suas controvérsias, seja na vida pessoal ou nas posições políticas, rendendo até um casamento com a ex-ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Melo, em plena era-Collor, ou através de seus gestos grosseiros ou politicamente incorretos, quando questionou, em entrevistas, como a feita no programa de Jô Soares, os homossexuais, dizendo que tinha orgulho de não ter tido filho "drogado, vagabundo ou gay", ou quando em um de seus quadros, no começo do governo Collor, criticou abertamente Lula, então um líder de oposição, chamando-o de idiota ou insinuando que ele só falaria besteiras (coincidentemente, bem na época que o humorista era casado com uma ministra). Chico pode ser questionado pelos mais crentes até pelo seu ateísmo, tendo em vista que hoje, perto, segundo ele, do final da vida, ele disse não acreditar em mais nada, na sua entrevista na Isto É, e, afirmar cético que no fim da vida não haveria mais nada, a existência simplesmente desapareceria, acabou. Apesar dos tropeços ou das polêmicas, a qualidade artística do trabalho de Chico Anysio é inquestionável, e adiantando-me àqueles que já se prontificam a redigir seu obituário, eu me coloco na posição de inúmeros fãs que se já não se encantam com o trabalho do mestre, ao menos rendo homenagem ao humorista, escritor, e pintor Francisco Anysio de Oliveira Paulo Filho, antes que ele parta desse mundo. Enquanto isso: "o salário óoo!!"!"