A edição do mês de agosto da revista Carta Capital traz reportagem bem elucidativa acerca da crise em Honduras. O país, pobre de marré, marré, marré, com mais de 50% da população de ascendência indígena abaixo da linha de pobreza, é mais conhecido internacionalmente pela exportação de banana e café, e como "república das bananas", hospedou nos anos oitenta, o movimento conhecido como "contras", para assegurar a insurgência militar contra o governo revolucionário sandinista de Daniel Ortega, a mando da CIA e dos EUA. O presidente deposto é oriundo da elite política e econômica que se desenvolveu no país, formada maciçamente por latifundiários e representantes de empresas norte-americanas de extração de frutas. O pecado de Zelaya foi ter se afastado da classe que o elegeu, contrariando os interesses das multinacionais e de latifundiários, ao anunciar profundas reformas sociais que mexeriam com privilégios da minoria abonada, aproximando-se de líderes controversos, como Hugo Chavez da Venezuela, contrariando os interesses da elite local, majoritária no Congresso e no Suprema Corte do país. Contando com forte apoio popular, Zelaya acabou por optar por uma saída "chavista", propondo ao Congresso sua própria reeleição à presidência, apesar da Constituição hondurenha não admitir esta possibilidade. Foi justamente sob esse argumento que os "macacos" fardados, liderados pelo presidente do Congresso Micheletti, invadiram pela madrugada o palácio presidencial, e pegando um ainda presidente só de pijamas, o escoltaram até o aeroporto para fora do país, instaurando um golpe miitar.
Já foi dito aqui neste blog que a América Latina, nesta nova fase histórica, nesse começo de século XXI, não admite as saídas totalitárias do passado, com corriqueiros golpes militares.
Conforme os estudos do teórico uruguaio Eduardo Galeano, na célebre obra: As veias abertas da América Latina, a história do século XX foi a história dos golpes na paisagem tropical da América Latina, com uma instabilidade política grotesca, em meio a caos social, miséria e um processo contínuo de exploração dos países pobres pelos mais ricos. Os Estados Unidos, sem dúvida, tiveram uma grande parcela de culpa nisso, sobretudo na época da Guerra Fria, mas o que se vê hoje, na nova geopolítica global, é que esse mesmo governo norte-americano, agora liderado por Obama, compõe junto com os demais países um discurso multilateral, condenando com veêmencia o golpe em Honduras. "Nunca antes na história desse país", como diz o bordão do presidente Lula, um golpe de Estado foi tão criticado pela opinião pública internacional, merecendo a condenação unânime de todas as nações, sem distinção. Ninguém até o presente momento reconheceu o governo de Micheletti, a não ser ele mesmo e seus asseclas no Legislativo e no Judiciário hondurenho, e, muito provavelmente ninguém reconhecerá.
Mas o que realmente interessa para nós brasileiros e até que ponto o Brasil se encontra envolvido na confusão em Tegucipalga e até que ponto os representantes da embaixada brasileira vão resistir às pressões do exército, às portas do prédio diplomático, operando cortes de água, luz e medicamentos, proibindo a entrada da Cruz Vermelha, e mantendo repressão violenta a manifestantes, que expulsos das ruas, não obtiveram sucesso em reclamar de volta o seu presidente, legitimamente eleito. A estimativa é de que ao menos duas pessoas morreram no confronto, e dentro da embaixada, onde se encontram além de apoiadores de Zelaya, funcionários, incluindo-se mulheres e crianças, já se conta que há também feridos, num expediente flagrantemente covarde e desumano, perpetrado pelo famigerado governante golpista hondurenho.
Não há sombra de dúvida de que Zelaya é um populista, fazendo pose com seu chapéu de fazendeiro "a la Frank Aguiar", deitado em uma rede com suas botas de boiadeiro, enquanto o caos impera nas ruas de Tegucigalpa. Mas também não há dúvida de que foi o povo hondurenho que o colocou no poder e compete somente a ele, como em todas as democracias, tirá-lo, conforme os procedimentos legalmente previstos, seja pelo direito interno, seja conforme às normas de direito internacional. Não adianta nada o governo golpista alegar que o presidente cometeu um crime ao propor rever a Constituição, quando no mundo inteiro legisladores propõem isso o tempo todo, sem correrem o risco de serem expulsos à baionetas de seus gabinetes.
O tempo da truculência já passou, e enquanto o mau exemplo de Honduras perdurar, o golpe havido vai ficar como um mal sinal de que a democracia ainda não chegou de fato ao continente latino-americano. Não chego a fazer voto com o jornalista Roberto Pompeu de Toledo, que em artigo da revista Veja, massacrou Honduras e o povo hondurenho, dizendo que a América Central é um "acidente no mapa", face a sua insignificância internacional, e que na verdade está sendo um erro o Brasil participar indiretamente de tão calamitosa crise, já que a participação do governo Lula no episódio é apenas um pretexto pra credenciar o país como mediador capaz, e apto candidato a membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Mas não é isso mesmo?? Não queremos a vaga? Não vai ser importante pro nosso país isso? Ou será que devemos manter nossa "síndrome de vira-lata", como bem quer a elite tucana paulista, dependente do capital internacional? Ué? Será que os norte-americanos em tempos idos não pensavam a mesma coisa do Brasil? Não fomos nós também uma "republiqueta de bananas", com direito a Carmen Miranda, e Zé Carioca, governados pela batuta dos generais há pouco mais de vinte anos?? Afinal, faça-me o favor senhor Toledo! Eu quero mesmo é o que o Brasil reaga à provocação de Micheletti e coloque tropas à disposição da embaixada, caso o governo golpista hondurenho decida invadir nossa representação diplomática, que é parte do território brasileiro.Se é pra sair pra briga, que seja por uma boa causa, pela democracia e contra golpes miltiares. Abaixo a ditadura em Honduras!!!