A jornalista critica arrazoadamente bem o mau gosto, a apologia do crime, da pedofilia, da banalização do sexo e a ridicularização da mulher nas letras das músicas que embalam a maior parte dos populares bailes cariocas, que agora saíram da periferia e podem chegar até a classe média, espalhando-se pelo Méier, pelo Leblon, por Ipanema (ué?Jà não rolava na praia?), na Gávea, e bombar até nas festinhas adolescentes de condomínio, na Barra da Tijuca. É só apurar um pouco os ouvidos para destacar nas letras dessas músicas, algumas pérolas, tais como a clássica Funk Carioca, do MC Cariocaholic: "No estilo Titholina (alusão a atriz pornô italiana Ciciolina)Tu da uma agachadinha!Descendo devagar,Vem que eu vou te ensinar! Não para!Não para! Não para!". Ou então outra, de Thati Quebra-Barraco: " Ir para o hotel, pra brincar com o pikachu. Me chama de cachorra que eu faço au au!" (nem precisa dizer que o Pikachu a que ela se refere não é o personagem do desenho-animado japonês). Tem ainda a clássica, do Bonde do Tigrão: "Na hora do rale-rola.Não existe preconceitoVem pra cá thuthuca lindaQue eu vo faze do teu jeito!" Que lindo e romântico não acham??? Que tal essa, bem explícita, do grupo Facção Central: "Vou furtar seus bens e ficar bem louco, se eu quero roupa e comida, alguém tem que sangrar, vou enquadrar uma burguesa e atirar para matar". Machado de Assis ficaria boquiaberto!
O Rio de Janeiro é nosso laboratório da cultura de massas nacional, porque lá acontece de tudo, desde a violência explícita do conflito de policiais e traficantes nos morros, até as cenas idílicas de amantes caminhando de mãos dadas na praia, bem típica de cena de novela da Globo. Se por um lado, na periferia, pululam igrejas pentecostais e neopentecostais, tentando afastar o povo carioca do diabo, do outro, prolifera a licenciosidade típica de um povo acostumado com carnaval, choppe à beira da praia, regatas,turistas e muito sol, num dos mais belos cartões postais do mundo. O povo do Rio é a cara de sua geografia, irregular, entrecortada por morros que atravessam a cidade, e que, forçadamente, impõem um convívio cotidiano da periferia com a classe alta. O mix de culturas é inevitável, e, entre gringos, trabalhadores, aposentados, funcionários públicos, empresários e traficantes, estão os funkeiros, tomando o lugar dos tradicionais sambistas dos míticos morros citados nos sambas de Noel Rosa e Cartola. O funk carioca, é, portanto, a última expressão cultural da terra de Tom Jobim, quer se goste ou não, num retrato sonoro da urbe idilíca, aos pés do Cristo Redentor, acossada dos males de sua urbanização disfuncional.
Quando os deputados da Assembléia Legislativa do Rio decidiram regulamentar os bailes, legalizando sua estrutura e permitindo que suas letras maliciosas ecoassem por toda a cidade maravilhosa, os "dignos" representantes do povo apenas reproduziram algo que já estava na cabeça da "geral": deixa o povo ouvir o que o povo gosta, esse é o argumento, mesmo que o que caía no gosto popular, não seja exatamente um Beethoven ou um Puccini. As letras do funk espelham, nada mais nada menos, do que a realidade do povo da periferia carioca, que entre um tiroteio e outro busca exercitar sua libido, elogiando as ancas bonitas e as pernas bem torneadas das belas mestiças moçoilas cariocas, que, inseridas numa cultura de erotização precoce e banalização do sexo, acabam por ser objeto de letras que, pouco, ou nada tem a oferecer de criatividade. É a música do gueto, que assim como o hip-hop paulista, ecoa de lugares onde faltam políticas públicas básicas (as tão faladas saúde, educação, saneamento, transporte e segurança), assim como falta também cultura, ou melhor dizendo, manifestações culturais alternativas veiculadas por meios oficiais (pra não parecer totalitário), ou pelo menos com mínimo apoio institucional (que o diga o Zeca Baleiro), que sirvam como opção, e não como imposição de uma cultura de elite à cultura local. Afinal de contas, funk também é cultura, ou se preferirem, ao menos contracultura, e isso é difícil de questionar.
Nesse embate cultural entre o popular e o erudito, do que o povo gosta e do que a elite vende, estão certos os Mcs, empresários de grupos musicais, organizadores de bailes, e funkeiros, de que a legalização do funk no Rio ajuda a criar empregos. Disso eu não tenho dúvida. Assim como o narcotráfico também é fonte de renda pra milhares de garotos, recém evadidos da escola, que de posse de um rádio-comunicador e um fuzil AR-15 nas mãos, completam o orçamento familiar, além das drogas que ajudam a vender nas escadarias dos morros fluminenses. Afinal, cada qual tem que se virar, não é mesmo? O que discuto é se outras opções seriam possíveis para esses jovens e trabalhadores, se vivessem numa realidade diferente, onde as letras de música, por consequência, reproduzissem um outro contexto que não o de adolescentes tarados em busca de diversão, no meio de morros e favelas assolados por traficantes e policiais corruptos ou truculentos. O funk como é cantado agora reproduz o cenário cotidiano do preto, pobre e feio da periferia carioca, que através da música quer atrair algumas "tchutchucas" para seu gingado propositadamente obsceno. Até aí não vejo mal algum, pois nessa Terra de Vera Cruz ainda é direito constitucional alguém poder se expressar livremente, mesmo que sua forma de expressão seja a mais chula manifestação de ideias. O debate que se quer ver feito no Rio é se, além de serem de mau-gosto, as letras do funk podem impulsionar a criminalidade, no momento em que algumas de suas letras exortam o papel dos traficantes. Ora, se o autor da letra retrata seu cotidiano na canção, é natural que faça parte dele também o traficante, e não apenas as palmeiras coloridas da Avenida Atlântida em Copacabana. O artista reproduz o mundo que vê, mesma que seja pelos olhos distorcidos da favela, ou de sua classe social. E também não vejo mal nenhum nisso. Assim como não vejo mal na realização dos bailes (onde, certamente, nunca irei), como alguns alegam, quando estes eram proibidos na zona urbana carioca, sob o pretexto de serem locais de tumulto e de incentivo ao crime. Afinal de contas, até em festas religiosas e em quermesses acontecem crimes, sendo o Carnaval a maior festa popular onde a vigilância policial do Estado fica redobrada, pelo acúmulo de ocorrências. Por que só no baile funk haveria tiroteio, brigas, tráfico de drogas e violência sexual?? Se fosse assim deveriam ser então proibidias todas as micaretas em território nacional. E indiciada por apologia ao crime a Ivete Sangalo! Já pensou? Coitada da grávida!
Nesse embate cultural entre o popular e o erudito, do que o povo gosta e do que a elite vende, estão certos os Mcs, empresários de grupos musicais, organizadores de bailes, e funkeiros, de que a legalização do funk no Rio ajuda a criar empregos. Disso eu não tenho dúvida. Assim como o narcotráfico também é fonte de renda pra milhares de garotos, recém evadidos da escola, que de posse de um rádio-comunicador e um fuzil AR-15 nas mãos, completam o orçamento familiar, além das drogas que ajudam a vender nas escadarias dos morros fluminenses. Afinal, cada qual tem que se virar, não é mesmo? O que discuto é se outras opções seriam possíveis para esses jovens e trabalhadores, se vivessem numa realidade diferente, onde as letras de música, por consequência, reproduzissem um outro contexto que não o de adolescentes tarados em busca de diversão, no meio de morros e favelas assolados por traficantes e policiais corruptos ou truculentos. O funk como é cantado agora reproduz o cenário cotidiano do preto, pobre e feio da periferia carioca, que através da música quer atrair algumas "tchutchucas" para seu gingado propositadamente obsceno. Até aí não vejo mal algum, pois nessa Terra de Vera Cruz ainda é direito constitucional alguém poder se expressar livremente, mesmo que sua forma de expressão seja a mais chula manifestação de ideias. O debate que se quer ver feito no Rio é se, além de serem de mau-gosto, as letras do funk podem impulsionar a criminalidade, no momento em que algumas de suas letras exortam o papel dos traficantes. Ora, se o autor da letra retrata seu cotidiano na canção, é natural que faça parte dele também o traficante, e não apenas as palmeiras coloridas da Avenida Atlântida em Copacabana. O artista reproduz o mundo que vê, mesma que seja pelos olhos distorcidos da favela, ou de sua classe social. E também não vejo mal nenhum nisso. Assim como não vejo mal na realização dos bailes (onde, certamente, nunca irei), como alguns alegam, quando estes eram proibidos na zona urbana carioca, sob o pretexto de serem locais de tumulto e de incentivo ao crime. Afinal de contas, até em festas religiosas e em quermesses acontecem crimes, sendo o Carnaval a maior festa popular onde a vigilância policial do Estado fica redobrada, pelo acúmulo de ocorrências. Por que só no baile funk haveria tiroteio, brigas, tráfico de drogas e violência sexual?? Se fosse assim deveriam ser então proibidias todas as micaretas em território nacional. E indiciada por apologia ao crime a Ivete Sangalo! Já pensou? Coitada da grávida!
Apesar de tudo amo o Rio de Janeiro, assim como amo esse país e sua cultura. Amo a diversidade e a possibilidade das coisas nunca serem prontas, mas poderem ser modificadas ou requentadas pelo tempo. Acredito que a febre do funk é passageira, assim como são passageiros os modismos e as tangas de croché do Fernando Gabeira. Mas informo que a miséria cultural, a desigualdade social e o contraste entre morro e condomínio permanecerão inalterados na cena carioca, e, em torno disso, muitos Tigrões e Quebra-Barracos ainda hão de aparecer, como se a periferia desse a cara à tapa diante da hipocrisia oficial, dizendo que também existe, mesmo que para cantar letras grosseiras, de uma música que entope mais os meus ouvidos do que a caixa de gordura do meu assento sanitário. Não resta outra alternativa às mães zelosas e recatadas, do que tão somente tapar os ouvidos de suas criancinhas, quando um guri negrinho de boné e cheio de pulseiras, aparecer com um altofalante, tocando as músicas de seus Mcs prediletos. Ainda prefiro isso do que ouvir Vanuza cantando o hino nacional. Fazer e ouvir música ruim não é crime, mesmo que seja um atentado contra nossos ouvidos e nossa saúde mental. Boa sorte para o meu camarada do morro, que entre uma bala perdida e outra, ainda tem tempo de fazer troça de sua própria condição. Vem dançar, vem dançar, o Tigrão vai abalar!
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